Fenômeno da contabilidade explica algumas das principais distorções que fazemos com o dinheiro (stock.xchng)
Da Redação
Publicado em 10 de dezembro de 2012 às 09h37.
São Paulo – "Você se deslocaria 20 minutos para economizar 5 dólares em uma calculadora que vale 15 dólares? E você dirigiria pelo mesmo tempo para economizar 5 dólares em uma jaqueta de 125 dólares?" À questão levantada por uma pesquisa realizada por Richard Thaler, especialista em finanças comportamentais e professor da Universidade de Chicago, 68% dos entrevistados responderam que dirigiriam pelo desconto na calculadora, mas apenas 29% o fariam pelo desconto na jaqueta. Apesar de a economia ser a mesma, uma das situações é considerada mais motivadora que outra.
Esse tipo de comportamento, que matematicamente não faz sentido, mas que de alguma forma encontra base dentro dos nossos pensamentos é uma anomalia estudada pela psicologia econômica e pela economia comportamental chamada "contabilidade mental", ou em inglês, mental accounting. Essa anomalia, que é responsável por muitas de nossas distorções na relação com o dinheiro, foi explorada profundamente e mostrada em diversas situações na prática pela primeira vez por Thaler, economista americano que é referência mundial em economia comportamental.
Aqui no Brasil, uma das principais estudiosas sobre o fenômeno da contabilidade mental é Vera Rita de Mello Ferreira, professora de psicologia econômica da Fipecafi e autora de diversos livros de psicologia econômica, entre eles "A Cabeça do Investidor" e "Decisões Econômicas - você já parou para pensar?".
Em entrevista à EXAME.com, ela explicou quais são as mais típicas distorções que fazemos em relação ao dinheiro e como a contabilidade mental nos atrapalha mais do que notamos. “A contabilidade mental é um jeito enviesado e deformado de lidar com o dinheiro, que não corresponde à realidade. É a contabilidade mental e não real. É o fato de a pessoa fechar na cabeça uma conta, que, se usasse uma calculadora ou o Excel, não fecharia”, explica.
Veja a seguir as explicações sobre algumas distorções da contabilidade mental e como você pode evitá-las para ter uma melhor relação com o dinheiro.
Por que concordamos em pagar parceladamente o que não poderíamos pagar à vista?
Em uma de suas pesquisas, Richard Thaler submeteu os participantes às seguintes questões: Se você fosse ao cinema, e tivesse gastado 10 dólares pela entrada, mas ao chegar descobrisse que perdeu o ingresso, você pagaria 10 dólares novamente para ver o filme? E se você decidisse assistir um filme cuja entrada era de 10 dólares e assim que entrasse no cinema você descobrisse que havia perdido uma nota de 10 dólares, ainda assim você pagaria o tíquete?
Quando Thaler conduziu a pesquisa, ele descobriu que apenas 46% comprariam outro ingresso na primeira situação e 88% aceitariam pagar a entrada na segunda. Segundo Thaler, a explicação é que ir ao cinema é normalmente visto como uma transação, na qual o custo do tíquete é associado à experiência de ver o filme. Por isso, comprar uma segunda entrada torna a experiência muito cara, já que é como se um único ingresso saísse por 20 dólares. Mas, no segundo caso, a perda de dinheiro não é colocada na conta do filme, por isso não nos importamos em gastar mais 10 dólares.
Estas experiências contradizem o que é pregado pela economia tradicional, de que 1 real é sempre 1 real, ou seja, que o dinheiro é um bem fungível, que pode ser substituído por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade. Segundo a contabilidade mental, na prática, as contas mentais nos levam a tratar o dinheiro de forma diferente. “A contabilidade mental fica muito distante do que a economia tradicional defende, de que as pessoas lidam com dinheiro pelo valor objetivo", afirma Vera Rita.
Isto pode explicar por que ao se deparar com um objeto de alto valor monetário, o consumidor não aceita pagá-lo à vista, mas concorda em pagar o produto parcelado. “O sujeito pode estar com o orçamento apertado e pensar que 1.500 reais é um gasto muito alto, que não dá para pagar. Mas, se ele puder pagar em cinco prestações, é como se diminuísse o valor. E apesar de não diminuir, alivia a consciência, ele pensa ‘só cinco vezes de 300 reais’, mas é o mesmo gasto”, explica a professora.
Seria por esse motivo que muitas vezes gastamos um valor que, na verdade, não temos ou não podemos pagar. Segundo Vera Rita, essas compras por impulso ocorrem com muito mais facilidade se o comprador estiver com cartões de débito, crédito ou com cheque, do que se estivessem com cédulas de dinheiro. “Doeria mais ver o dinheiro vivo indo embora do que com outras formas de pagamento”, explica. Por isso, ela recomenda que, em uma situação de endividamento, o consumidor utilize apenas dinheiro vivo.
Por que preferimos pagar altos juros em empréstimos, do que mexer na poupança?
A separação do dinheiro em contas mentais remonta a uma outra típica situação, que é o fato de nos relacionarmos de uma maneira com o dinheiro em conta corrente e de outra forma com o dinheiro investido em aplicações. Muitos preferem, por exemplo, entrar no cheque especial ou no rotativo do cartão de crédito e pagar juros altíssimos do que resgatar parte do dinheiro investido na poupança.
Financeiramente, isso não traz vantagens, uma vez que o rendimento da poupança não supera 0,5% de rentabilidade ao mês, enquanto os juros dos empréstimos no cheque especial ou do rotativo do cartão podem ser de 10%. “As pessoas fazem isso porque têm uma percepção correta de que nunca mais vão repor o dinheiro investido se elas o resgatarem. É ruim do ponto de vista financeiro porque se paga juros no empréstimo, mas é uma espécie de defesa para garantir a conta de poupança”, explica Vera Rita.
Ela avalia que neste caso, não mexer na poupança pode ser a melhor opção. Principalmente se o objetivo da poupança for o pagamento da faculdade dos filhos, a compra de um imóvel e outras finalidades que terão grande importância no futuro. “Se o sujeito mexer na conta poupança, ele não sabe se vai conseguir voltar a repor o dinheiro. Por isso, se ele tem essa necessidade no futuro, é melhor não mexer porque isso vai dar segurança para ele não desistir do investimento”, explica.
Para não chegar a essa situação, de pagar mais juros em empréstimos do que o que se ganha em aplicações, é importante lembrar da máxima que “poupar é mais importante do que investir”. Isto é, antes de ter investimentos é importante ter uma vida financeira organizada, que permita ao investidor ter recursos suficientes para arcar com as despesas mensais e ainda investir recursos em suas aplicações regularmente.
Por que fazemos as contas em cima do sálario bruto e não líquido?
Outra conta mental que prejudica o orçamento é considerar o valor do salário sem pensar nos descontos. “Muita gente nem sabe direito quanto ganha, não sabe dizer qual é o salário bruto ou líquido e não sabe direito em cima de qual valor fazer as contas”, afirma Vera Rita.
Ela explica que, se o orçamento ficar baseado no salário bruto, sem considerar os impostos, contribuições sindicais e outros valores descontados, sempre haverá um “buraco” nas contas. “Se os descontos que normalmente chegam a 30% do salário não são descontados no planejamento das contas, o salário não vai cobrir as despesas nunca, sempre vai ter um buraco de 30%”, avalia. Por isso, é essencial que o planejamento do orçamento sempre considere todos os descontos e apenas a receita real.
Por que o décimo terceiro nos deixa endividados?
Um último e conveniente alerta sobre as consequências da contabildiade mental é sobre o décimo terceiro salário. “As pessoas recebem o décimo terceiro ou vão receber e já pensam primeiro em quitar dívidas, pensam no IPTU, no IPVA, depois no material escolar e depois só falta subir aos céus e virarem santas”, brinca a psicóloga. Segundo ela, apesar das boas intenções, o dinheiro extra do final do ano acaba levando muitos a se endividarem no começo do ano.
O erro consiste em sempre pensar no décimo terceiro como um valor bruto, sem se descontar todos os gastos para os quis ele está sendo destinado. “Normalmente as pessoas pensam: eu tenho 5.000 reais, então eu posso trocar de celular, posso fazer essa viagem, posso comprar os presentes de Natal. E elas não somam os gastos, sempre acham que os 5.000 reais continuam lá, sem se dar conta de que o dinheiro está diminuindo. Quando chega no final fevereiro e março, elas não conseguem pagar o IPTU, o IPVA e fizeram mais dívidas ainda”, explica Vera Rita, acrescentando que esta é uma das explicações para o aumento da inadimplência no início do ano.
O que ocorre neste tipo de situação, segundo a psicóloga, é que as pessoas se relacionam com o dinheiro de forma distante. Mais uma peça que a contabilidade mental acaba pregando. Neste caso, a recomendação é não fazer suposições sobre o dinheiro que resta em conta, mas ter um controle próximo sobre a conta, checando os extratos sempre que preciso.
Saber como a mente se relaciona com o dinheiro, pode não ser a solução para todos os problemas, mas pode ajudar bastante na prevenção de alguns erros. “A contabilidade mental é o primeiro passo. Algumas pessoas leem sobre o fenômeno e às vezes cai a ficha e pensam ‘vou mudar’. Outras, na hora acham interessante, mas depois por terem os hábitos muito arraigados acabam fazendo o que estão acostumadas. De todo modo, é importante conhecer esse funcionamento e muitos outros erros sistemáticos que temos para nos prevenirmos”, conclui.