Gravidez: honorários recebidos dos planos não compensam a longa espera pelo parto normal, dizem médicos (Thinkstock/kjekol)
Da Redação
Publicado em 17 de maio de 2016 às 08h36.
São Paulo – Se você está se preparando para ter um filho, é bom preparar também o seu bolso e treinar sua paciência caso a intenção seja realizar o parto normal contando com a cobetura do plano de saúde.
Além de enfrentar problemas para encontrar médicos que realizem partos pelo convênio – tema da reportagem de abertura deste especial de EXAME.com sobre os custos dos partos no Brasil –, mulheres grávidas têm passado sufocos na tentativa de realizar partos normais dentro do sistema de saúde suplementar.
Conforme relataram diferentes mulheres grávidas consultadas pela reportagem, obstetras credenciados nos planos de saúde têm se negado a fazer o parto normal pelo convênio. Outros dizem realizar o procedimento apenas se o pagamento for feito particularmente e chegam a cobrar valores até 40% maiores pelos partos normais, em relação às cesáreas.
Em abril, o Ministério da Saúde lançou um protocolo para reduzir as altas taxas de cesáreas no país, que chegam a 40% na rede pública e a absurdos 85,5% na rede suplementar.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda que a cesárea ajude a salvar vidas, o procedimento tem sido realizado frequentemente sem necessidade médica.
César Eduardo Fernandes, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), diz que existem três indicações aceitas pela comunidade médica para a realização de cesáreas: a primeira é quando existem riscos para o feto confirmados por avaliação médica; a segunda é quando há riscos para a mãe, também comprovados por avaliação médica; e a terceira seria quando a própria grávida deseja realizar a cesárea, o chamado parto a pedido.
Se nenhuma dessas três situações estiver em jogo, o médico não deve, em hipótese alguma, indicar a cesárea previamente, segundo Fernandes. Na prática, porém, essa recomendação parece não ser seguida muito à risca.
Até risco de morte do bebê é usado para justificar a cesárea
A fisioterapeuta Thelma Diniz (nome fictício), de 38 anos, queria realizar seu parto em casa, mas não encontrou médicos do convênio que o fizessem. Ela resolveu, então, que faria o parto normal na maternidade, mas também não encontrou quem realizasse o procedimento pelo plano de saúde. “A maioria é bem clara e diz que não faz parto normal. A ginecologista que me acompanhava desde os 13 anos, por exemplo, só aceitou fazer o meu pré-natal.”
A justificativa da médica, segundo Thelma, é que o parto normal, por ser longo, não compensa os honorários que ela recebe do plano de saúde, que variam entre 300 reais a 500 reais.
A bancária Acácia (que não quis citar seu sobrenome), de 26 anos, passou por situação parecida. Para justificar o fato de realizar apenas cesáreas pelo plano, sua médica usou um argumento, no mínimo, assustador. “Ela contou que, no último parto normal que havia feito, o bebê morreu alguns dias depois.”
Karina Ramos (nome fictício), 33 anos, administradora, conta que a médica que fez o parto de suas duas primeiras filhas pelo convênio deixou para avisá-la apenas no sexto mês de gravidez que não fazia mais o parto pelo plano. “Ela disse que sairia 5 mil reais a cesárea e 7 mil reais o parto normal”, diz.
Cleide de Almeida Rosa Salconi, 33 anos, coordenadora de atendimento, também afirma que foi pressionada pelo seu médico a realizar a cesárea. Ele chegou a insinuar que sua bolsa poderia estourar no deslocamento até o hospital. “Ele disse que seria perigoso. Eu entendo que para ele é mais cômodo. A cesariana tem hora marcada.”
Ao anunciar a preferência pelo parto normal, a empreendedora Emily Staub, 26 anos, também não teve uma resposta positiva de seu médico. “Ele disse que o único meio de fazer parto normal pelo convênio seria se a bolsa estourasse, com um plantonista”. Segundo Emily, o médico disse que o valor pago pelos planos, de cerca de 300 reais, não compensa a realização do parto normal, que pode durar dez horas ou mais.
Apesar de achar “um absurdo” pagar o plano por anos a fio para depois não conseguir realizar o parto normal sem cobranças à parte, Emily diz que ficou satisfeita com a honestidade do médico. “Sei de muitos casos em que o médico fala que vai fazer o parto normal até o final da gestação, quando a mulher, fragilizada pelo momento, aceita a cesárea.”
Depois de se deparar com valores de partos que poderiam chegar a 15 mil reais, a empreendedora buscou o SUS. “Escolhi a unidade de Sapopemba, em São Paulo, e o parto foi ótimo. Durou 12 horas e em todo esse tempo os médicos se dedicaram a mim”, diz Emily.
“Sei de muitos casos em que o médico fala que vai fazer o parto normal até o final da gestação, quando a mulher, fragilizada pelo momento, aceita a cesárea” Emily Staub, empreendedora, que realizou o parto normal pelo SUS
Se a cesárea for indicada sem motivos, denuncie
Os relatos mostram que as justificativas usadas por alguns médicos para realizar a cesárea definitivamente não seguem as recomendações aceitas pela medicina. “Se o médico é pessimamente remunerado pelo parto normal, isso deve ser discutido em instâncias superiores e nunca deve ser uma justificativa para a realização da cesárea”, diz o presidente da Febrasgo.
Ele afirma que, caso a cesárea seja indicada por motivos infundados, o médico deve ser denunciado, seja na delegacia mais próxima ou diretamente no Conselho Regional de Medicina. O mesmo procedimento deve ser seguido caso a gestante se sinta ofendida por abusos de natureza financeira.
Em novembro de 2015, o Ministério Público Federal (MPF), propôs uma ação civil pública na qual reconhecia a resistência dos médicos em realizar o parto normal e exigia que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) criasse uma regulamentação sobre o assunto.
No texto da ação, o MPF afirmou que a maioria dos médicos que realiza partos pelo plano de saúde não faz o parto normal “por tratar-se de procedimento bem mais demorado, que ocorre em dia e hora incertos, trazendo inúmeros inconvenientes aos obstetras que recebem a mesma remuneração seja para realização de um parto normal ou de um parto cesáreo”.
A ação também destacou que obstetras se mostram a favor do parto normal durante todo o pré-natal. Mas, no final da gestação, encontram um motivo para a realização da cesárea.
Recomendações
Em abril de 2015, a OMS divulgou uma declaração sobre partos normais e cirúrgicos na qual dizia que, nos últimos 30 anos, a comunidade médica internacional considerou que o percentual de partos realizados por cesárea em um país deve variar entre 10% a 15%.
A entidade concluiu que, quando os percentuais de cesáreas são menores do que 10%, a mortalidade materna e neonatal diminui conforme a taxa de cesárea aumenta. Mas, quando as cesáreas ultrapassam 10% e chegam até 30%, o aumento da taxa não gera efeitos sobre a mortalidade.
Uma constatação parecida foi feita pelo jornal americano New York Times, que mostra que, nos últimos 15 anos, a taxa de cesáreas realizadas nos Estados Unidos subiu 50%, sendo que, no mesmo período, não houve qualquer redução em complicações médicas para os bebês.
De acordo com o Ministério da Saúde, considerando-se as características do Brasil, o percentual ideal de cesáreas definido pela OMS para o país estaria entre 25% e 30%.
A OMS menciona que a cesárea pode causar prejuízos ao vínculo da mãe com o bebê, à saúde mental da mulher, à capacidade de iniciar amamentação e ao desenvolvimento da criança. Mas ressalta que não há dados conclusivos sobre esses desfechos.
“A cesárea pode causar complicações significativas e às vezes permanentes, como sequelas ou morte [...] A cesárea deveria ser realizada apenas quando for necessária do ponto de vista médico”, diz a OMS, que ressalta, ainda, que as cesáreas também representam um gasto adicional significativo para os sistemas de saúde.
O Ministério da Saúde também afirma que a cesárea, quando não indicada corretamente, envolve riscos como aumento da probabilidade de surgimento de problemas respiratórios para o recém-nascido e risco de morte materna e infantil.
Segundo dados da OMS, o Brasil e a República Dominicana possuem as maiores taxas médias de cesáreas do mundo, de 55,6% e 56,4%, respectivamente – considerando-se os partos realizados nas redes públicas e suplementar de saúde. E, de acordo com a ANS, 85,5% dos partos são realizados por cesárea na saúde suplementar do Brasil, taxa muito superior à média global, que segundo a OMS é de 17%.
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A entidade afirma, também, que cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados à prematuridade, que pode ser provocada pela cesariana marcada. Em contrapartida, no parto normal a mãe produz substâncias capazes de proteger o recém-nascido e favorecer a amamentação, diz a ANS.
Dados da ANS dizem que a cesariana aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o bebê e triplica o risco de morte da mãe.
Onde o problema surge?
De acordo com Martha Oliveira, diretora de desenvolvimento setorial da ANS, o alto índice de partos cirúrgicos no Brasil é explicado por uma conjunção de fatores que levou a saúde suplementar a criar uma estrutura baseada nas cesáreas.
Tanto os hospitais quanto os médicos e as operadoras de planos de saúde se organizaram de forma que as cesáreas acabam sendo mais convenientes do que os partos normais, segundo Martha.
Para ela, porém, o problema parte dos consultórios médicos. “Se o médico tem um consultório com 70 parturientes em um mês, como ele dá conta? Fazendo cesarianas. Eles agendam todas as cesáreas para o mesmo horário, em vez de acompanhar um só trabalho de parto normal, que leva horas”, afirma a diretora de desenvolvimento da ANS.
Ela acrescenta que o modelo que prioriza as cesáreas é instaurado não apenas entre médicos, mas também entre hospitais, já que muitos deles quase não têm obstetras de plantão e leitos para parto normal. Mas têm estruturas amplas de UTI neonatal e diversos leitos para realizar cesáreas. “O valor pago pelos planos aos hospitais é maior quando o parto é feito por cesárea. O que financia toda a cadeia no parto é a UTI neonatal”, diz Martha.
Por essas razões, a diretora da ANS argumenta que a relação que se criou na prestação do serviço de partos pelos médicos é tão específica que não haveria diferença de remuneração capaz de alterar esse modelo de organização. Para a ANS, a resolução do problema depende de uma ampla reestruturação do modelo de partos, envolvendo médicos, hospitais e planos de saúde.
Fernandes, presidente da Febrasgo, discorda da ANS e defende que a baixa remuneração dos planos de saúde é o principal motivo para a alta taxa de cesáreas. “À medida que os honorários foram se aviltando, especialmente de 2010 para cá, muitos obstetras deixaram de fazer partos pelos planos, já que eles não têm obrigação legal. Esse estado de aviltamento está na raiz do problema.”
De qualquer forma, Fernandes também acredita que a solução do problema requer uma mudança estrutural, envolvendo não só os médicos, mas também hospitais e operadoras de planos de saúde.
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), entidade que representa algumas das maiores operadoras de saúde do país, também parece lavar as mãos em relação à questão dos honorários médicos. Em resposta enviada por e-mail a EXAME.com, a entidade afirmou que não tem interferência sobre valores negociados entre suas associadas e prestadores de serviços.