Quando Ronaldo procurou uma casa para morar em SP, os preços inflaram na região (Daniel Kfouri/Placar)
Da Redação
Publicado em 25 de maio de 2012 às 06h36.
São Paulo - Quase toda notícia de jogadores de futebol que vão à falência vem acompanhada de informações que levam a crer que os motivos foram exclusivamente os excessos de gastos e a vida desregrada. Em muitos casos, no entanto, a confiança na pessoa errada, mesmo em um familiar, ou os maus investimentos, como foi no caso das Fazendas Boi Gordo, se revelam os principais fatores da derrocada.
Estas situações são as mesmas que muitas vezes arruínam também outros famosos, médicos e advogados bem-sucedidos. A riqueza e a fama muitas vezes trazem consigo pessoas mal intencionadas e os conselhos negativos de aproveitadores. Desde um “amigo” que orienta um suposto bom investimento, até um corretor que aumenta o valor do imóvel ao saber que o cliente é milionário.
Segundo o gerente da empresa de consultoria alemã Schips Finanz, Hans Schips, metade dos atletas encerra a carreira na falência. Um caso que ganhou repercussão foi o do ex-atacante do São Paulo Müller, que chegou ao ponto de ir morar de favor com o também ex-jogador Pavão. Hoje, ele está atuando como comentarista em um canal de esportes e tenta recompor sua vida, mas infelizmente este não é o desfecho mais comum entre os jogadores.
Em vista disso, há um mês, William Machado, ex-capitão do Corinthians, iniciou um projeto de consultoria financeira para jogadores em parceria com a Baum Investimentos. William começou a se interessar por finanças quando entrou na faculdade de Ciências Contábeis. Por causa do futebol, ele abandonou o curso um anos antes de se formar, mas pensa em voltar para finalizar a graduação. Atualmente, ele investe em ações, imóveis e eucalipto, e está contente com o novo desafio. “O projeto de educação financeira é interessante porque o jogador terá a experiência de profissionais especializados e eu poderei fazer o intermédio, traduzindo o que for preciso”, diz.
Em entrevista a EXAME.com, William identificou quais são os principais erros que levam os jogadores a uma trajetória de falência. E a conclusão a que se pode chegar é que esses problemas valem também para quem não é famoso ou milionário, mas afetam principalmente quem tem boas condições financeiras.
Casamentos breves
Segundo William, a maior parte dos jogadores se casam muito cedo, por volta dos 22 anos. E isso, isoladamente, não seria um problema. O que acaba causando prejuízos é que muitos dos matrimônios futebolísticos terminam cedo. “Muitos se casam em comunhão total de bens e têm que passar 50% de tudo que têm à mulher”, diz.
Boa parte dos jogadores constrói o patrimônio durante a carreira, que costuma durar cerca de 14 ou 15 anos. Como eles param de jogar na faixa dos 35 anos, a cessão de metade dos recursos à ex-esposa, aliada à aposentadoria acaba sendo uma combinação fatal. O jogador acaba com uma renda mensal ínfima e é obrigado a trabalhar em funções que em nada remontam aos tempos do estrelato.
O regime de bens padrão no Brasil é o de comunhão parcial de bens, que leva à partilha após o divórcio apenas os bens adquiridos por um dos cônjuges ou os dois na constância do casamento. Ou seja, ficariam de fora os bens e rendimentos auferidos antes do casório, o que reduz as perdas do cônjuge de maior patrimônio.
Mesmo assim, quem quiser preservar completamente o seu patrimônio deve se casar em separação total de bens, fazendo, para isso, um pacto pré-nupcial. Por meio do pacto é possível inclusive customizar o regime de bens, partilhando apenas a parte do patrimônio designada. Quem já casou pode modificar esse regime de bens por um pacto pós-nupcial. Mas é claro que, para isso, é preciso que os dois cônjuges concordem.
Carros de luxo
Outra paixão que leva os jogadores à ruína são os carros. Apenas os carrões que os jogadores têm na garagem, muitas vezes já somariam o valor suficiente para que eles não passassem dificuldade por pelo menos algumas décadas. O ídolo do Santos, Neymar, por exemplo, tem um Mini Cooper (avaliado em 149.000 reais), um Porsche Panamera (1.130.000 reais) e uma Touareg (250.000 reais). O valor total investido nos carros,1,529 milhão de reais, se revertido à uma aplicação como a poupança (pelo rendimento atual de 0,5% mais a Taxa Referencial), renderia anualmente 116.204 reais, ou 9.683 mensais.
O que acontece, naturalmente, é que o dinheiro não é aplicado, mas revertido para os carrões mesmo. Não que um milionário não possa aproveitar sua fortuna para comprar um carro de luxo. Mas cabe avaliar o fato de que carros não geram mais dinheiro para o proprietário. Eles apenas depreciam e geram despesas, não sendo investimentos, mas bens de consumo.
Segundo William, os jogadores costumam trocar de carro uma ou duas vezes por ano. Quanto mais luxuoso o carro, maior é sua depreciação na hora da revenda. Fora isso, há intermediadores que se aproveitam da desinformação dos jogadores e vendem o antigo carro a um preço ainda mais depreciado do que o normal. “A cada troca, eles perdem uns 20.000 ou 30.000 reais, e nem percebem, ou não acham que isso faça uma grande diferença naquele momento. Mas em 14, 15 anos de carreira, é uma perda que pode chegar a 900.000 reais”, afirma.
Veja os carros que perdem mais e menos valor na hora da revenda.
Falsos amigos e oportunistas
Todos estão sujeitos ao surgimento dos “novos amigos”. Eles aparecem quando você arranja um bom emprego, quando sua filha fica noiva do presidente ou em qualquer situação na qual você passe do nível de reserva a titular.
William conta que os interesseiros estão entre os maiores males que assolam os jogadores. Amigos ou conhecidos se aproximam para ajudá-los a gerir as finanças ou prestar auxílios das mais diversas formas - na venda de um carro, na compra de um imóvel ou no lançamento de um novo negócio. O problema desta ajuda é que, além de muitas vezes ela ser desprovida de coerência, ainda tem um valor muito alto.
Com a vida atribulada, excesso de treinos e viagens, os jogadores acabam sem tempo para pesquisar e entender se as propostas que aparecem são razoáveis. “Isso acontece não só com jogadores, mas com atletas em geral, atores, cantores, pessoas ricas e famosas. O brasileiro não é educado financeiramente e muitas pessoas se apresentam para ajudar a gerir suas contas. Muitos não percebem se fizeram um bom ou um mau negócio”, explica o ex-capitão.
As más socidades são exemplos comuns, segundo William. Amigos aparecem com uma proposta de negócio e pedem o capital ao jogador, que acaba cedendo por achar que pode dar certo. O que ocorre, porém, é que muitas vezes estes "amigos" levam a empresa à falência, ou omitem os lucros para não repassar ao jogador. Mais uma vez, o craque chega ao fim da carreira e vê seu patrimônio dilapidado.
Entregar seu patrimônio na mão de leigos é arriscado. Quem não se sente em condições ou não tem tempo de gerir seus investimentos deve procurar a gestão profissional de fundos, private banks, family offices, ou até de consultores e administradores de carteira devidamente autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Tudo pela família
Mesmo aos olhos dos familiares, a fama e riqueza dos jogadores podem despertar interesses. Existem duas situações clássicas em que familiares arrasam financeiramente o jogador: a primeira é quando um parente inexperiente se propõe, ainda que com boas intenções, a administrar o dinheiro, mas acaba fazendo péssimos negócios pela falta de conhecimento; a outra é quando o parente acha que tem o direito de desfrutar do mesmo padrão de vida do jogador.
“Algumas famílias se deslumbram muito com o status que o jogador adquire e fazem altas exigências. Uma coisa é o jogador ter um padrão de vida de 50.000 reais; outra coisa é ter 50.000 reais para mais cinco pessoas”, diz William. Ele ressalta que é importante ajudar a família, mas em muitos em casos os atletas se veem obrigados a abrir mão de grande parte da renda, o que impossibilita a poupança para o futuro.
Em algumas situações, a confiança no parente chega a tal ponto que ele chega a ter acesso às senhas das contas do jogador e liberdade para fazer movimentações. Mas sua falta de habilidade para lidar com altas somas de dinheiro acaba sendo desastrosa.
Investimento em imóveis sem experiência
Muitos jogadores investem em imóveis, mas o fazem sem conhecimento algum. Eles acabam comprando propriedades caríssimas em regiões que se desvalorizam ao longo dos anos e perdem dinheiro com isso. “Eu sei do caso de um jogador que comprou 15 imóveis e, conforme foi ficando sem dinheiro, foi vendendo os imóveis até ficar apenas com o apartamento onde morava”, diz William.
Além disso, os atletas não costumam recorrer a profissionais qualificados, como consultores financeiros ou tributaristas, mesmo quando têm que gerenciar uma grande carteira de imóveis. Nesse caso, os oportunistas também dão a sua "contribuição". “O jogador deixa a administração das propriedades para alguém que aluga um imóvel por 5.000 reais e diz que alugou por 3.500 reais, guardando 1.500 reais para si”, relata o ex-capitão William.
Elevação artificial de preços de produtos
Quando Ronaldo Fenômeno foi procurar uma casa para morar em São Paulo, um fato curioso ocorreu. Depois que ele visitou algumas casas no Jardim Europa, os valores dos imóveis subiram repentinamente. Pode parecer estranho, mas é muito comum que os preços subam diante dos jogadores.
Ao verem que estão lidando com um uma pessoa famosa e que tem alta capacidade de pagamento, vendedores de imóveis, carros e outros produtos podem inflar os preços. “Eu já vi até mesmo bancos aumentarem taxa de carregamento de previdência quando ofereciam planos a jogadores”, conta William. Com a falta de informação, mais uma vez, alguns acabam enganados, aceitando preços extorsivos sem se dar conta disso.
O ex-jogador explica que os mais prevenidos pedem a um representante que faça a negociação em situações que exigem a presença do negociante, como na compra de um imóvel. Somente quando os preços estão estabelecidos, é revelado que o cliente representado era o jogador. Willliam também afirma que quando precisa negociar diretamente, costuma fazer uma ampla pesquisa de preços antes.
Investimentos furados
Outro erro fatal que acomete os jogadores são as apostas em maus investimentos. Amigos e conhecidos dão a dica, e o jogador, sem pensar muito, segue o conselho imediatamente. “Isso acontece muito. Você está no vestiário aí alguém fala sobre algum investimento, e o pessoal acaba indo na onda”. Tirando o detalhe do vestiário, pode-se dizer que o exemplo se aplica a muitos investidores.
O caso emblemático do Boi Gordo resume perfeitamente o que acontece. O técnico de futebol Luiz Felipe Scolari, os ex-jogadores Evair e César Sampaio e outros famosos como a atriz Marisa Orth e até o economista Rogério Buratti, foram atraídos pelo investimento em bois, frangos e porcos no ínicio dos anos 90. A empresa Boi Gordo prometia rendimento de 42% em 18 meses com o lucro do animal engordado. O negócio revelou-se uma pirâmide, os contratos vencidos eram pagos com o dinheiro dos próprios investidores. No fim, mais de 30 mil pessoas foram prejudicadas e o dono da empresa saiu ileso.
Além do Boi Gordo, outros investimentos furados, como em avestruzes também figuram na lista de armadilhas que os jogadores caíram. “Alguns amigos meus já chegaram a perder 500.000 reais com este tipo de investimento”, diz William. Conheça mais sobre estes e outros golpes financeiros que enganaram milhares de investidores.