Juro médio do cartão de crédito ainda é o mais alto do país: 10,5% ao mês ou 228% ao ano. (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 22 de outubro de 2012 às 17h30.
São Paulo – Na última semana o governo finalmente regulamentou o Cadastro Positivo, que entra em vigor em janeiro do ano que vem. Em tese, a novidade permitirá aos bons pagadores conseguirem taxas de juros mais baixas ao obter crédito. Trata-se de mais uma medida contra o juro alto, que vem se juntar aos sistemáticos cortes de taxas de juros empreendidos pelos bancos, tendo como pano de fundo um inédito ciclo de queda da Selic. Mas o que tudo isso de fato significa para os cidadãos comuns, o cliente pessoa física dos bancos beneficiado por essas medidas? Que cuidados essa era de juros mais baixos inspira e que oportunidades se abrem?
De agosto de 2011 para cá, a Selic caiu de 12% para 7,25% ao ano, abrindo as portas para a redução do spread bancário – a diferença do custo que os bancos têm para captar e emprestar dinheiro. Isso permitiu ao governo iniciar um ciclo de corte dos juros do crédito por meio da Caixa e do BB, movimento seguido prontamente pelos demais bancos. De agosto de 2011 a setembro de 2012, as taxas de juros do crédito à pessoa física haviam recuado 20%.
Para a pessoa física, reduziu a rentabilidade da poupança – cujas regras foram modificadas para permitir a derrubada de juros – e também das demais aplicações de renda fixa, como títulos públicos e CDBs, atreladas, de uma forma ou de outra, à Selic. Em contrapartida, os juros de empréstimos e financiamentos caíram, inclusive nas linhas mais caras, como o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito.
Cuidados
1. Crédito mais barato não é um convite
A inadimplência teve queda do ano passado para cá, passando de 24,3% em setembro de 2011 para 19,1% em setembro de 2012, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A cifra, porém, ainda não é desprezível, e o brasileiro precisa tomar cuidado para não se enrolar ainda mais só porque as taxas de juros estão mais baixas.
“O que acontece é que, quando os devedores renegociam a dívida e fazem acordos com seus credores, eles saem dos cadastros de inadimplentes. Mas eles continuam endividados, e podem vir a se tornar inadimplentes novamente, caso não tomem cuidado”, alerta o advogado Ronaldo Gotlib, autor do livro “Dívidas? Tô fora! – Um guia para sair do sufoco”.
Ele lembra, portanto, que a preocupação do inadimplente não deve apenas ser “limpar o nome”, e depois obter mais crédito para as compras de Natal. E também que os juros no Brasil continuam altos. “É preciso aprender a viver em conformidade com a sua realidade financeira, planejar-se anualmente, e não mensalmente, e aprender a poupar para as obrigações e objetivos futuros”, diz Gotlib.
2. Planejamento
Por essa razão, Denise Hills, superintendente de Sustentabilidade do Itaú Unibanco, diz que “planejamento é ouro” em uma época favorável ao crédito e ao consumo como a atual, para não se perder o controle ou o hábito da poupança. Lembrando que a recomendação de bancos e especialistas é que não se comprometa mais do que 30% da renda com dívidas.
“Juros mais baixos são apenas condições melhores de mercado para você fazer a mesma coisa que já cabe no seu bolso. O crédito continua sendo algo que tem de caber na renda. Não é recomendado, portanto, aumentar a parcela da sua renda comprometida com dívidas. Talvez seja possível consumir um pouquinho mais nas atuais condições, mas não muito mais. Quanto mais eficiente o seu uso do crédito, melhor para você no longo prazo. Porque aí sim você vai ter acesso a linhas e condições melhores”, diz Denise.
3. Escolha da melhor linha de crédito
O fato de praticamente todos os bancos terem reduzido taxas de juros não significa que o cliente pode deixar de comparar. Pelo contrário. Agora é que se torna crucial comparar as taxas cobradas por cada banco e as características de cada linha de crédito. “Não necessariamente a melhor linha está no seu banco principal ou na loja”, diz Denise Hills.
Antes de entrar no cheque especial ou no rotativo do cartão e pagar juros estratosféricos, considere se a sua necessidade ou objetivo não requer uma linha de prazo mais longo, como um empréstimo pessoal ou um consignado, que são bem mais baratas. Segundo Denise, a escolha da linha mais adequada deve considerar o valor necessário, o objetivo, o prazo, a capacidade de pagamento (quanto da renda se pode comprometer) e o custo com juros.
Deve-se negociar a partir da própria capacidade e não o contrário. “Se você recebe uma proposta com juros mais baixos, mas que requer um comprometimento de renda que não seja possível, não aceite”, exemplifica Denise.
4. Formar uma reserva de emergência
Especialistas recomendam que se tenha entre três e 12 meses do valor necessário para viver reservado em uma aplicação conservadora de alta liquidez, como a caderneta de poupança, os CDBs, um fundo DI ou Letras Financeiras do Tesouro. Antes de pegar um empréstimo ou pegar um financiamento, porém, verifique se o valor da reserva de emergência não é suficiente para a sua necessidade ou ao menos para dar uma boa entrada. Isso porque dificilmente uma linha de crédito terá juros menores que uma dessas aplicações, valendo mais a pena se descapitalizar e depois repor a reserva.
Se o valor poupado for usado como entrada para um financiamento mais longo, como o de um imóvel ou um carro, é fundamental fazer um esforço para refazer a reserva de emergência. É este valor que vai servir de salva-vidas se no meio do financiamento imobiliário você se enrolar com o cartão de crédito, ficar desempregado ou tiver um problema de saúde na família. “Mesmo para quem assume uma dívida, é importante ter algum colchão de liquidez”, observa o economista Luiz Calado, autor de livros sobre imóveis, fundos e relacionamento bancário.
Oportunidades
1. Financiamentos mais longos
Uma economia mais estável e com juros mais baixos favorece a entrada em financiamentos de prazos mais longos. Além dos financiamentos habitacionais e de automóveis, outras linhas de prazos maiores podem ser mais adequadas ao objetivo do que linhas caras como o cartão de crédito e o cheque especial.
“Um ponto fundamental é a qualidade do endividamento. Uma coisa é comprar uma casa financiada e comprometer 20% da renda. Nesse caso, você está substituindo o aluguel pela parcela. Outra coisa é sistematicamente comprometer 20% da renda para pagar o cartão de crédito”, observa o economista Luiz Calado.
O devedor pode obter juros menores em linhas mais longas se puder dar algum bem em garantia. Financiamentos habitacionais e de automóveis normalmente são baratos porque o bem pode ser tomado pelo banco em caso de inadimplência. O mesmo ocorre nos refinanciamentos, linhas que permitem colocar um imóvel ou carro quitado como garantia. O empréstimo consignado, por sua vez, permite que o banco debite o valor da parcela diretamente do salário ou da aposentadoria do cliente.
O alongamento de prazos, porém, requer alguns cuidados. Um deles é o planejamento mais detalhista. “É preciso habilidade para viver bem com uma dívida longa e não se atrapalhar se aparecer outra dívida, mais curta, no meio do caminho. A dificuldade de renegociar uma operação longa também é maior”, observa Denise Hills, do Itaú.
2. Dar uma entrada maior nos financiamentos
A segunda oportunidade que se abre é também um cuidado em relação aos financiamentos mais longos. Ronaldo Gotlib recomenda pensar bastante antes de abraçar esse tipo de crédito – e enquanto isso, ir poupando para dar uma entrada maior. “Imagine que você tem 25 anos e pretende financiar um imóvel em 30 anos. Você pretende estar nesse mesmo lugar daqui a 30 anos? Provavelmente não”, diz.
Poupar para dar uma boa entrada permite que o devedor pense melhor, ganhe tempo para tomar sua decisão e obtenha condições melhores sem ficar preso a um financiamento por um tempo longo demais. Gotlib recomenda também que os mais jovens olhem para imóveis e carros usados, que podem vir a ser substituídos em breve, uma vez que as necessidades mudam e a renda tende a melhorar com o passar do tempo.
3. Renegociar dívidas
Para quem já está endividado ou até inadimplente, agora é um bom momento para renegociar as condições da sua dívida: pedir um prazo maior, trocar todas as dívidas mais caras por uma única mais barata, negociar um desconto para o pagamento à vista ou rediscutir os juros. Basta colocar todas as dívidas na ponta do lápis, procurar o credor e fazer uma proposta. Em caso de juros abusivos, é possível inclusive rediscuti-los na Justiça.
4. Portabilidade
Outra oportunidade que se abre é a da portabilidade da dívida. Pode ser vantajoso migrar sua dívida para um banco que ofereça condições melhores. Contudo, é preciso verificar se mudar de banco será bom para você, uma vez que, ao fazer isso, o cliente perde os benefícios conquistados no banco onde já tinha relacionamento de longa data.
Também é preciso verificar se o custo com pacotes de serviços ou tarifas não ficará mais alto, o que pode, em certos casos, anular a vantagem da migração. Finalmente, o juro mais baixo não é o único determinante para a portabilidade. É preciso olhar o custo efetivo total (CET). No caso dos financiamentos habitacionais, por exemplo, a migração dificilmente será vantajosa, uma vez que os custos cartoriais tendem a anular o ganho com o juro mais baixo.
“Eu acho difícil alguém mudar de banco só porque o crédito ficou um pouco mais barato. Mas nada impede que o devedor use o argumento da portabilidade a seu favor na hora de negociar as condições do seu financiamento”, diz Luiz Calado.