Minhas Finanças

“O investidor precisa entender que é falível”, diz pesquisadora da FGV

Claudia Yoshinaga, especialista em finanças comportamentais, explica que há erros comuns que podem ser evitados com maior conscientização

Claudia: "Se você não percebe o risco, ou não entendeu ou venderam uma ideia errada para você" (Acervo pessoal/Divulgação)

Claudia: "Se você não percebe o risco, ou não entendeu ou venderam uma ideia errada para você" (Acervo pessoal/Divulgação)

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Juliana Elias

Publicado em 6 de agosto de 2019 às 11h15.

Última atualização em 6 de agosto de 2019 às 11h15.

São Paulo - Investir é, na essência, um processo de decisão – ter um punhado limitado de dinheiro e escolher em quais opções deixa-lo rendendo, em lugar de outros rendimentos que deixará de ganhar. Ou então ter uma aplicação que despenca do dia para a noite e escolher se é hora de sair ou de pagar para ver.

Como toda decisão, exige uma avaliação lúcida dos desdobramentos para uma escolha equilibrada. O problema é que essa lucidez nem sempre é límpida – “o investidor, como indivíduo, é falível, é suscetível a vieses em suas decisões”, diz Claudia Yoshinaga, coordenadora do Núcleo de Finanças Comportamentais (NFC) da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Esses vieses vêm de pensamentos pré-prontos que o cérebro nos prega e que, nos investimentos e em várias coisas da vida, nos levam antes a decisões apaixonadas e precipitadas que sensatas e racionais. Pode ser vender a qualquer preço todas as ações na primeira grande queda ou confiar demais nas próprias crenças, ignorar fatos e colocar muito dinheiro em uma estratégia só.

Em um cenário em que o número de investidores no Brasil está crescendo, Claudia acredita que cresce também a importância de difundir onde essas falhas mais aparecem e a importância de se perseguir as melhores escolhas de acordo com o perfil de cada um. “O investidor precisa ter consciência disso para evitar decisões precipitadas”, enquanto “reguladores e agentes do mercado podem buscar maneiras de suaviza-las”, diz ela.

É isso que estudam as finanças e a economia comportamentais, um dos braços mais jovens das ciências econômicas – foram para elas os Nobeis de Economia de 2002 e de 2017. Suas bases desafiam a concepção clássica de que os indivíduos tomam sempre decisões racionais e que lhes tragam o melhor benefício. Criado em 2014 na FGV, o NFC trabalha para aprofundar as pesquisas sobre a psicologia do investidor no Brasil e também para aproximar academia e mercado no sentido de melhorarem juntos a consciência com que o brasileiro investe.

Veja a seguir os principais trechos da conversa de Claudia com EXAME.

O que as finanças comportamentais estudam?

Elas começam na década de 1970, quando dois psicólogos israelenses, Daniel Kahneman e Amos Tversky, fizeram as primeiras grandes pesquisas sobre as formas de pensar das pessoas na economia. O Kahneman foi o primeiro psicólogo a ganhar o Nobel de Economia, em 2002. A economia clássica parte do pressuposto de que as pessoas são racionais e avessas ao risco. Eles mostraram que não é bem assim. Não somos avessos ao risco, mas sim avessos a perdas, o que é bem diferente. Uma pessoa que vai ao cassino e perde muito dinheiro, pela lógica de não arriscar, pararia de jogar. Mas as pesquisas viram que, no geral, quando estão perdendo, as pessoas estão dispostas a correr mais riscos, para zerar a perda. O que elas querem não é não arriscar, é não perder.

Quais são as aplicações práticas disso?

As finanças comportamentais têm dois papéis principais. Um é conscientizar o investidor, por meio da educação financeira e da informação. O investidor precisa entender que, como indivíduo, ele é falível, é suscetível a vieses em suas decisões. É necessário ter consciência disso para evitar decisões precipitadas. O outro braço é voltado às políticas públicas, junto a órgãos reguladores e agentes do mercado financeiro. Dado que sabemos que determinado comportamento é recorrente, é importante que essas entidades busquem maneiras de suavizá-lo. Um fundo de investimento pode criar regras automáticas de ‘stop loss’, por exemplo, para reduzir perdas.

O que são esses vieses?

As pessoas são falíveis, as decisões delas são influenciadas por traços do comportamento. A emoção pode influenciar na decisão de comprar ou vender uma ação, por exemplo. Alguém que te diz que ganhou muito dinheiro com algo também. Isso acontece porque o cérebro cria meios de tomar decisões de uma maneira mais eficiente, dado que tomamos inúmeras decisões por dia: escolher a roupa, virar à direita ou à esquerda. Se analisarmos cada uma delas, não saímos do lugar. Mas, nos investimentos, é preciso estar atento a isso.

Quais são os erros mais comuns dos investidores?

Um deles é a aversão a perdas, quer dizer, a dor que a pessoa sente ao perder 1.000 reais é muito maior do que a alegria que ela sente ao ganhar 1.000 reais. Excesso de confiança e otimismo é outro viés comum. A pessoa faz um investimento e tem a expectativa de que vai dar certo, de que o retorno será maior do que de fato pode ser. Tudo isso influencia a decisão e não necessariamente leva à melhor escolha.

Qual é a importância para o investidor de ter consciência sobre esses vieses e a sua tolerância ao risco?

O número de investidores está crescendo e essa consciência é cada vez mais importante. É necessário ter em mente que nenhuma solução funciona igual para todos. Muitas vezes a pessoa conhece alguém que investiu de um jeito e deu muito certo, e acha que é só replicar. Com as redes sociais, isso se ampliou; histórias e falácias se espalham com muita rapidez. Tem que tomar muito cuidado. Nenhuma estratégia vai dar muito dinheiro de uma maneira muito fácil. Se você acha que é assim e não percebe o risco, ou você não entendeu ou venderam uma ideia errada para você.

Como está a pesquisa sobre finanças comportamentais no Brasil?

Nosso grande desafio, hoje, é a disponibilidade de dados. Nós fechamos recentemente uma parceria com a Abaai [Associação Brasileira dos Agentes Autônomos de Investimentos] para melhorar isso. A ideia é pedir que as corretoras liberem dados de sua base sobre os investimentos das pessoas, de maneira anônima, para fins acadêmicos. Com esse tipo de informação, poderíamos ver, por exemplo, se homens e mulheres investem diferente, ou jovens e mais velhos. Há diversas hipóteses a serem testadas. Em outros países, como Estados Unidos, isso é feito desde os anos 80, mas, no Brasil, ainda temos pouco acesso a bases de dados.

Tem crescido o interesse do mercado pelas pesquisas nessa área?

O interesse tem aumentado muito nos últimos tempos. Bancos, corretoras, assessorias de patrimônio nos procuram para palestras, para entenderem melhor o que são as finanças comportamentais e como os vieses impactam nas decisões financeiras. Elas estão vendo que é cada vez mais fundamental entender como a cabeça do investidor funciona. Se a essência das finanças comportamentais é entender como investidor se comporta, o gestor e as pessoas que atuam no mercado têm impacto direto nessas decisões, e essa aproximação faz todo o sentido.

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