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"O brasileiro ainda não aprendeu a tomar risco para ganhar dinheiro"

Sócio da RJ Investimentos, Antonio Gabriel fala sobre a expansão em São Paulo e o novo perfil do assessor financeiro

Antonio Gabriel: o brasileiro não é um investidor conservador (RJ Investimentos/Divulgação)

Antonio Gabriel: o brasileiro não é um investidor conservador (RJ Investimentos/Divulgação)

TL

Tais Laporta

Publicado em 17 de setembro de 2019 às 11h00.

Última atualização em 17 de setembro de 2019 às 12h20.

São Paulo - Na esteira dos juros baixos, a figura do assessor de investimentos não é mais a mesma. O profissional que viveu a transição para o atual cenário conhece bem o novo desafio: convencer o cliente a tomar mais risco em troca de uma carteira rentável – algo inédito em um país que garantia, sem sacrifícios, retornos atrativos com a renda fixa. Hoje, o investidor que ganhava 15% ao ano quer o mesmo rendimento no curto prazo e sem riscos. “Isto não existe mais”, diz Antonio Gabriel, sócio da RJ Investimentos, uma das assessorias financeiras mais antigas do país, com mais de 10 anos de atuação, e integrante do G20 da XP (as 20 operações mais relevantes do grupo, dentre 543 escritórios).

À frente do escritório que assessora um patrimônio de 2,6 bilhões de reais, ele comenta que o ciclo de juros baixos já mudou a atuação do assessor, profissão em franca expansão. Mais do que sugerir a alocação de recursos, agora o profissional precisa educar o cliente para a nova realidade. A rede de profissionais do ramo atrai uma média de 250 pessoas por mês. São cerca de 8 mil em todo o país - dos quais 6 mil estão sob o guarda chuva da XP Investimentos. Mas a rede ainda é minúscula se comparada aos 4,5 milhões de assessores credenciados nos Estados Unidos - um mercado bem mais maduro.

Com 95% de pessoas físicas na carteira de clientes, o escritório quer agora incrementar o volume de clientes corporativos e vem contratando profissionais para isto. Na visão de Gabriel, o momento é ideal para destravar o caminho para novos profissionais, na esteira da popularização das plataformas de investimentos.”Será a prestação de serviços que mais vai crescer no Brasil nos próximos 10 anos”, acredita. Em conversa com EXAME, ele fala das perspectivas para o trabalho do assessor e as metas do escritório que fez a ponte aérea do Rio a São Paulo um ano atrás, com a ambição de alcançar metade do patrimônio assessorado em terras paulistas.

Leia abaixo a íntegra da entrevista de Antonio Gabriel a Papo que Rende:

A bolsa brasileira atingiu 1,3 milhão de investidores, ao passo que a renda fixa ficou bem menos atrativa. O investidor está mudando de perfil?

Excluindo obviamente os grandes entendedores, que são 2% do bolo, o brasileiro não sabe sequer fazer conta. A única coisa que ele sabe é que não quer perder dinheiro, porque nunca perdeu. Ele sempre ganhou quando os juros pagavam ao redor de 15% ao ano. Era muito fácil. Este cliente até aceita começar com 5% da carteira em uns dois fundos de ação, para sentir o que é. Na semana em que a bolsa sai de 100 mil pontos para 104 mil, ele liga pedindo para colocar mais dinheiro. Aí a bolsa cai para 96 mil pontos na semana seguinte e o fundo no qual ele entrou zera os ganhos do mês. Este cliente liga desesperado perguntando se deve tirar o dinheiro. Ainda não há uma compreensão no Brasil de que as coisas mudaram e tendem a mudar cada vez mais. O brasileiro vai ter que se contentar com juros a 5% ou precisará se arriscar mais. Ou ele aprende a conviver com a volatilidade ou nem brinca com isso.

O trabalho do assessor de investimentos já foi mais fácil?

Quando os juros estavam em 15% ao ano, era como tirar pirulito da boca de criança. Agora está mudando, é um desafio. Tem que aprender a lidar com pessoas.

Faltam bons produtos para convencer o investidor a assumir o risco?

Meu trabalho acaba sendo mais de ensinar o cliente a entender como funciona este mundo do que simplesmente alocar os recursos. A poupança hoje rende 70% da Selic, que hoje está em 6% ao ano, e dá um juro real de 1,8%. Os bons produtos estão aí, não é um bicho de sete cabeças. O difícil é conseguir fazer com que ele invista de maneira mais agressiva e fique confortável com este tipo de investimento.

É o perfil conservador do brasileiro que o impede de aceitar mais o risco?

No fundo, o brasileiro não é um investidor conservador. O negócio é psicológico. Ele se acostumou a ganhar muito dinheiro com juros altos e nunca foi obrigado a fazer outra coisa. Mas no fundo ele é empreendedor, quer fazer acontecer e está incomodado com o dinheiro que tem. O brasileiro está disposto a ganhar mais, mas nunca perdeu, não está acostumado com isso. Ele precisa entender que, para ganhar, terá que se expor a um produto mais volátil. Você já viu um fundo render zero? Não existe.

Entender a volatilidade de um investimento é aceitar retornos no longo prazo. O investidor aguenta esperar tanto tempo?

O brasileiro não tem essa mentalidade. Ele ganhava 15% ao ano sem fazer nada e quer o  rendimento no curto prazo e sem risco. Isso não existe mais. É um trabalho de reeducação  e nosso papel é lidar com pessoas, ansiedade e desconforto. Eu não trabalho com investimentos, trabalho com pessoas. Posso mostrar quais os melhores fundos de ação, não é difícil falar do produto. Difícil é convencer que o momento mudou e ele precisa se contentar com uma taxa muito baixa ou a buscar ativos com volatilidade.

Mais de 90% do seu público é de pessoas físicas, mas as pessoas jurídicas também precisam do serviço. Como é lidar com perfis de clientes tão diferentes?

As necessidades são outras. Geralmente, a pessoa jurídica está investindo em dinheiro de caixa e precisa de proteção. Já a pessoa física investe no futuro. No cliente PJ, o investimento visa um retorno mais rápido para o caixa e não tem como fazer coisas muito mirabolantes, o que limita um pouco. Por outro lado, abre a porta para operações como câmbio, seguro ou crédito. O que tange a investimentos, geralmente é algo mais conservador. Este serviço ainda vai crescer muito para as empresas.

A operação de vocês sempre teve forte presença no Rio de Janeiro. Por que decidiram abrir um escritório em São Paulo?

Ter uma empresa em São Paulo faz todo sentido. Em termos de volume, somos a maior operação do Rio de Janeiro, atuamos em cidades como Nova Friburgo e Teresópolis. A ideia é ser regional, mas com uma presença muito forte em São Paulo, uma praça gigante e onde vemos muito espaço para crescer. Estrategicamente, queremos ser grandes em São Paulo e até o final do ano que vem queremos que represente 50% de nossa operação que hoje está em 2,6 bilhões de reais. Esperamos chegar até o final do ano com mais ou menos 3 bilhões de reais e ao final de 2020 entre 7 bilhões e 8 bihões de reais. 

O cenário internacional conturbado pode ser um empecilho para o ciclo de alta da bolsa brasileira?

Com o país ajudando, creio que sim. Num ambiente com juros baixos e com a casa arrumada, fica mais propício se expor ao risco. Mal ou bem, é o que estamos vendo acontecer. Temos a reforma da Previdência já aprovada em dois turnos na Câmara e agora estamos na fase de discutir a reforma tributária. As privatizações também estão na pauta. Tudo caminha para isso.

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