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Não deixe de pensar nessas encrencas antes de ir morar junto

Ao morar junto com outra pessoa e passar a viver em uma união estável, o casal está sujeito a diversas consequências legais; veja quais são elas


	Casal abraçado: Em uma união estável, um companheiro pode ser obrigado a dividir seus bens com o outro em uma eventual separação
 (Lynda Sanchez/Flickr)

Casal abraçado: Em uma união estável, um companheiro pode ser obrigado a dividir seus bens com o outro em uma eventual separação (Lynda Sanchez/Flickr)

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Da Redação

Publicado em 7 de maio de 2014 às 15h15.

São Paulo - Juntar as escovas de dente pode ser mais difícil do que parece e não só pelas questões de convivência. Ao viver embaixo do mesmo teto, pode-se considerar que o casal vive em uma união estável, condição que gera uma série de consequências legais de grande relevância.

No limite, isso significa que apenas morando junto com outra pessoa você poderá ter que arcar com o pagamento de uma pensão ou abrir mão de parte de seus bens se ocorrer uma separação.

E em caso de falecimento de um dos companheiros, aquele parceiro de poucos meses ou anos poderá ficar com uma parte maior do patrimônio do falecido do que seus próprios pais e filhos.

Em que momento começa a união estável?

Conforme explica Camila de Jesus Mello Gonçalves, juíza e professora de direito de família da Fundação Getúlio Vargas, com a entrada em vigor do novo Código Civil, em 2003, não existe mais um prazo mínimo a partir do qual o casal passa ao status de união estável.

“Hoje basta que o casal tenha convivência pública contínua e duradoura. Sendo assim, se uma das pessoas disser que existe união estável e a outra disser que não, isso será judicialmente decidido”, diz a juíza.

A definição sobre o momento em que se inicia a união estável é o que no âmbito jurídico se chama de matéria ou questão de fato, quando algo não é definido a partir da Lei, mas a partir de um histórico que deve ser narrado quando os direitos são pleiteados.

Isto significa que em alguns casos pode-se interpretar que o casal vive em uma união estável desde o momento em que começou a morar na mesma casa, em outros apenas depois de certo tempo de convivência.

Como esse tipo de questão ainda é muito recente, não há uma definição clara. “Há cerca de 500 anos a história das famílias é baseada no casamento. Há apenas 30 anos surgiu outro tipo de constituição familiar, por isso o assunto está em fase de sedimentação e não se tem uma corrente definitiva e segura sobre o assunto ainda”, diz a professora da FGV.

A questão central que define se o casal vive em uma união estável é se ele constitui uma entidade familiar. E, conforme explica a professora, alguns fatores caracterizam a família no direito brasileiro, tais como: a monogamia, a solidariedade entre os membros e a coabitação.

“Se dentro do casal não houver dever de fidelidade, por exemplo, talvez interprete-se que eles não viviam em uma união estável”, diz. 

Ainda que diferentes interpretações possam existir diante de todos os fatores que serão analisados, fato é que ao morar junto o casal dá uma margem muito maior para a interpretação de que viviam em uma união estável .

“A coabitação é um indício muito forte de que há união estável”, comenta Rodrigo Barcellos, sócio do escritório Barcellos Tucunduva Advogados.

Segundo o advogado, porém, não é fundamental morar junto para que a relação seja considerada uma união estável. "Se eles sempre aparecem juntos em festas, apresentam-se como companheiros e têm o objetivo de constituir uma família, mesmo não morando juntos pode-se considerar que vivem em uma união estável", afirma Barcellos.

E daí se for união estável?

Existem três questões patrimoniais cruciais que entram em jogo quando um casal passa a viver em uma união estável: a partilha de bens em virtude da separação do casal, a partilha em virtude da morte de um dos companheiros e a provisão de alimentos diante da dissolução da união.

1 Seu imóvel pode ter de ser dividido com seu ex-companheiro

Se o casal em união estável se separar, será necessário fazer a partilha de seus bens.

Assim como ocorre no casamento, se o casal não firmar nenhum contrato escrito, é aplicado às relações patrimoniais o regime da comunhão parcial de bens.

Nesse regime, quando ocorre a dissolução da união, a partilha dos bens, chamada de meação, é feita de forma que os bens adquiridos onerosamente (comprados) durante a vigência da união estável sejam repartidos irmãmente entre os companheiros

Já os bens particulares, adquiridos antes da união ou recebidos por doação ou herança, continuam sob posse do companheiro que os possuía antes da separação.

Assim como no regime de comunhão parcial do casamento, isso significa que se um dos companheiros comprar um imóvel durante a união estável, mesmo que ele o registre apenas em seu nome, o bem entrará na partilha depois da dissolução da união e poderá ser dividido entre os dois.

“A discussão toda nesse caso gira em torno do momento em que começou a união. Se o bem for adquirido na constância da união, mesmo que esteja no nome de apenas um dos companheiros, ele será dividido pelo casal”, explica Rodrigo Barcellos.

Segundo ele, o bem só poderia ser reivindicado inteiramente pelo companheiro que o comprou se ele pudesse comprovar que o pagou com o dinheiro da venda de outro bem particular - isto é, adquirido entes da união, ou recebido por herança ou doação.

2 Você pode precisar pagar pensão alimentícia

Outra situação que pode ocorrer na união estável é o pedido de pensão alimentícia por um dos companheiros. “Os alimentos na união estável seguem a mesma regra dos alimentos entre cônjuges: é observada a necessidade de quem pede e a possibilidade de quem paga”, diz a juíza.

Mas, conforme ela explica, hoje em dia não é mais tão simples comprovar essa necessidade entre dois adultos capazes.

“Os alimentos são fundados no princípio da solidariedade familiar, que é a exigência de colaboração entre os membros de uma família. Essa necessidade é comprovada, por exemplo, pela impossibilidade de trabalho de um dos companheiros, hoje em dia não é mais uma coisa simples”, afirma.


3 Quando você morrer, a maior parte dos seus bens pode ir para seu companheiro, e não para seus filhos ou pais

Segundo o artigo 1.790 do Código Civil: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável [...]”. Ou seja, o companheiro terá parte na herança dos bens comuns comprados durante a união, mas não dos bens particulares.

Existe uma discussão, porém, sobre a constitucionalidade deste artigo, porque a Constituição dá margem a uma interpretação diferente. O artigo 226, parágrafo terceiro, reconhece a união estável como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.

Conforme explica Barcellos, a Constituição fala neste artigo que a união estável é o espelho do casamento, por isso existe a discussão sobre a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, já que ele diferencia a companheira da esposa.

Mas, pode-se interpretar também que, ao se dizer que deve ser facilitada a conversão da união estável em casamento, a Constituição está na verdade diferenciando uma coisa da outra, portanto o artigo 1.790 seria de fato constitucional.

Ao diferenciar ou equiparar a união estável ao casamento, os companheiros podem garantir uma participação maior ou menor sobre o patrimônio do falecido.

Se o artigo 1.790 do Código Civil for interpretado como constitucional, se um companheiro falecer, o sobrevivente ficaria com a meação (metade dos bens comprados durante a união), mas não concorreria com os herdeiros necessários na herança dos bens particulares do companheiro, apenas na herança dos bens comuns.

Herdeiros necessários são os ascendentes, como pais e avós, ou descendentes, como filhos e netos.

Porém, se o Código for considerado inconstitucional e se interpretar que a união estável segue as mesms regras sucessórias do casamento, o companheiro sobrevivente ficaria com a meação normalmente, mas em vez de concorrer na herança dos bens comuns, concorreria na herança dos bens particulares. Ou seja, justamente o oposto da situação anterior.

Sendo assim, se o patrimônio comum do casal for maior do que o patrimônio particular do falecido, a primeira interpretação é mais vantajosa para o companheiro sobrevivente. Mas se houver mais bens particulares que bens comuns, a equiparação ao casamento garantirá uma fatia maior do patrimônio ao sobrevivente.

“Dependendo da situação, o companheiro pode ser mais protegido que o cônjuge, como nos casos em que o companheiro que faleceu só tinha bens particulares. Um caso julgado no Tribunal de Justiça de São Paulo que tem sido muito citado atualmente entende que o artigo 1.790 é incompatível com o sistema jurídico, pois ele diz que o companheiro, em algumas situações, pode acabar recebendo tudo, por ser meeiro e herdeiro de bens particulares, mas em outras hipóteses pode não receber nada", comenta Barcellos. 

O companheiro também pode acabar recebendo uma parcela maior do patrimônio do que os filhos. Conforme relatam advogados, há casos de jovens movidos por interesse que passam a morar com pessoas muito mais velhas que já estão no fim de suas vidas.

Com poucos meses de convivência, o companheiro mais velho morre e esses jovens acabam ficando com a maior parte do patrimônio do falecido, restando aos filhos do primeiro uma parcela pequena dos bens.

Por exemplo, um homem que tenha um filho e um patrimônio de 20 milhões de reais - tendo acumulado 5 milhões antes da união estável e 15 milhões durante a união.

Após seu falecimento, se for usada a interpretação do artigo 1.790, sua companheira receberá 50% dos bens adquiridos durante a união, a título de meação (7,5 milhões de reais) e concorrerá com os herdeiros necessários na herança dos bens comuns (os 7,5 milhões de reais restantes).

Nesse caso a companheira ficaria com 7,5 milhões mais metade dos outros 7,5 milhões, totalizando 11,25 milhões. E o filho herdaria os bens particulares (5 milhões de reais), mais metade dos bens comuns após retirada a meação (ou um quarto do total dos bens comuns), restando a ele 8,75 milhões de reais.

Alternativas

Se um companheiro quiser se prevenir quanto à divisão de bens em uma eventual dissolução da união estável, ou se quiser privilegiar seus filhos na sucessão patrimonial, existem alternativas.

Mesmo na união estável é possível firmar um contrato por escritura em cartório para definir o regime de separação total de bens, evitando que vigore o regime de comunhão parcial, que é o regime aplicado automaticamente se nenhum outro for registrado por escrito.

No caso da sucessão, o companheiro também pode determinar em testamento que 50% do seu patrimônio seja destinado aos filhos após sua morte. Segundo a Lei, até 50% do patrimônio pode ser destinado a quem o autor da herança desejar se ele assim o determinar por testamento. Os outros 50% devem ser necessariamente distribuídos entre os herdeiros necessários.

Por outro lado, um casal pode querer evitar que a Justiça interprete que eles não vivem em união estável. Pode ser o caso, por exemplo, de pessoas que tenham uma relação pouco convencional, como aquelas que habitam casas separadas. Para isso, esse casal pode oficializar o início da união estável em cartório.

O ideal é que o casal compreenda as consequências que o status de união estável pode trazer e que consultem um advogado caso queiram algum tipo de orientação sobre questões patrimoniais.

“Enquanto está tudo bem ninguém pensa nisso, mas é preciso ter consciência dos efeitos jurídicos que a união estável gera para que se verifique se o casal está de acordo", conclui Rodrigo Barcellos. 

Veja as diferenças entre o casamento e a união estável. 

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