Miriane Ferreira: advogada instituiu uma cruzada contra os 'princesos', que define como homens que deixam as mulheres sobrecarregadas e sem direitos (Arquivo pessoal/Divulgação)
Marília Almeida
Publicado em 22 de outubro de 2022 às 07h00.
Última atualização em 24 de outubro de 2022 às 16h58.
Com 'carões', voz calma, aparência impecável e deboche em alguns momentos, a advogada Miriane Ferreira já conquistou quase 1 milhão de seguidores no Instagram respondendo dúvidas sobre pensão, partilha de bens e herança. O tema pode parecer espinhoso em um primeiro momento, mas a influencer traz leveza ao traduzir questões complexas de forma ágil e direto ao ponto, com a reação de quem está ouvindo um grande 'babado', o que torna o conteúdo viciante.
A popularidade vem das respostas afiadas de Ferreira, mas também da curiosidade sobre os casos que chegam até ela, que muitas vezes parecem verdadeiras novelas mexicanas. Um exemplo é a história de uma mulher que teve um filho com o sogro e, após o seu falecimento, gostaria de saber se é possível pleitear a sua herança sem que o seu marido saiba.
Há também histórias como a de uma filha que quer saber se é possível tomar de volta o carro que o pai deu para a namorada mais nova. Nesses casos, a advogada 'não se aguenta' e conclui a resposta com um conselho e tom de reprovação. "Vamos trabalhar para construir o próprio patrimônio?". Em entrevista, à EXAME, ela explica. "As pessoas se preocupam muito com a herança dos pais, acham que a velhice os tornam incapazes. Mas o fato é que não há como pegar a herança dos pais vivos".
Mas o que tira mesmo a advogada do sério são os 'princesos', definidos por ela como homens que trabalham fora, dividem as contas, mas se encostam na mulher (em alguns casos são bancados por ela), e quando adquirem bens colocam em nome da mãe. "São caras que abusaram da mãe e agora querem abusar da esposa, a deixando sobrecarregada e sem direitos. Eles ficam bravos comigo, mas acho absurda essa geração".
Apesar da popularidade, o ganha pão de Ferreira continua sendo a advocacia: a advogada trabalha em um escritório em Londrina, no Paraná, com mais três sócias. Mas por conta do aumento da demanda ela já reajustou o preço de suas consultas, para casos que não cabem na caixinha de perguntas do Instagram.
Ferreira também lançou um curso de 3 horas para mulheres que querem conhecer seus direitos para não serem enganadas. "Não é um manual do divórcio", esclarece. "Ensino a escolher o regime de bens do casamento, esclareço sobre como garantir direitos quando o marido coloca seus bens em nome de terceiros. E instruo sobre quais serão as dores caso ela opte pela separação".
A escolha pela especialização em direito de família veio quando Ferreira trabalhou no núcleo de práticas jurídicas, no último ano da faculdade. "Ali vi que muitas mulheres aceitavam tudo o que o ex-marido dizia. Muitas deixavam que ele determinasse o dinheiro que pagariam como pensão, e não sabiam que tinham direito à metade dos bens adquiridos durante o casamento, como carros, imóveis e motos. Até viúvas ficam sem nada porque não conhecem seus direitos. Aí quando descobrem precisam anular o inventário".
O desconhecimento, pontua, é generalizado. "Atendo diretoras de multinacionais que não sabem o que são regime de bens. Quem dirá pessoas mais humildes".
Segundo ela, essas situações são fruto de um pensamento machista. "Muitos homens pensam que como eles pagaram pelos bens, não precisam dar nada para a mulher: dizem que elas não trabalharam porque não quiseram, eram preguiçosas. Mas precisam valorizar o trabalho da mulher dentro de casa. E pensar que só conseguiram trabalhar porque ela cuidava de todo o resto".
Para ela, o testamento deveria ser normalizado no casamento, pois pode ajudar muito a viúva. "O pessoal tem mania de achar que é coisa para rico, quando não é. Se o marido morre, metade do patrimônio fica com os filhos, independente se forem do casamento ou não. Então a viúva, que geralmente é idosa e não consegue voltar ao mercado de trabalho, tem gastos maiores com saúde, se vê obrigada a reduzir seu padrão de vida pela metade. Caso o casal faça um testamento, a viúva pode aumentar a sua herança em até 25%, e ficar com 75% de tudo".
A empatia com mulheres nasceu de sua própria experiência. A advogada foi criada junto com três irmãos por uma mãe solo. "Não sou filha de médicos. Minha mãe sempre foi uma mulher forte, que nos ensinou a estudar e batalhar pelo que queríamos. Até que adoeceu e perdeu parte de sua capacidade de julgamento: arrumou um namorado e se tornou submissa a ele. Tive de sair de casa com 14 anos para morar com um companheiro porque não aguentava ver aquela situação".
Desde então, ela aponta que os direitos da mulher mudaram para melhor. "A união estável foi reconhecida em 1996 e passou a resguardar mais a situação feminina. Mesmo não sendo casada, se mora junto ela tem direito à metade dos bens adquiridos durante a união, já que automaticamente passa a valer o regime de comunhão parcial de bens. E não adianta produzir um contrato de namoro: isso é tentativa de fraude. Se mora junto, passa a valer a união estável".
Questionada sobre se teme que sua exposição atraia a atenção da Ordem dos Advogados do Brasil, ela conta que ainda não teve problemas. "Busco tomar todo o cuidado para agir dentro dos limites do que acho ético. Se eu produzisse apenas conteúdo jurídico, ninguém se interessaria. No começo eu era muito técnica, e o divisor de águas foi quando comecei a emitir minha opinião. Não me cabe julgar ninguém. Mas onde dá, falo do meu jeito".