Château Latour, Château Lafite Rothschild e Château Petrus, três membros ilustres do índice Liv-ex (Creative Commons)
Da Redação
Publicado em 5 de janeiro de 2012 às 20h05.
São Paulo - O crescimento dos países emergentes e do número de ricos ao redor do mundo tem motivado um aumento no consumo de produtos de luxo, para a felicidade de produtores e investidores. Os vinhos finos, por exemplo, se beneficiam dessa alta demanda e vêm se tornando, cada vez mais, boas alternativas de diversificação de investimentos, superando o desempenho de aplicações mais tradicionais.
Investir em vinho pode soar estranho para alguns, mas esse mercado não é nada novo. Embora os preços da bebida sejam acompanhados desde o final do século 19, foi apenas em 1999 que o mercado foi formalizado, com a criação da Liv-ex, a Bolsa de Vinhos de Londres, que movimenta quase 100 milhões de dólares por ano. Desde então, o índice Liv-ex, que afere a rentabilidade dos melhores vinhos do mundo, vem apresentando resultados superiores aos das principais aplicações do planeta.
No longo prazo, o investimento em vinhos finos vem se revelando bastante rentável. De dezembro de 2005 para cá, o Liv-ex valorizou, em dólares, 213%, frente a um crescimento de 188,1% do Ibovespa e de mísero 0,7% do índice S&P 500, um dos principais indicadores americanos. E engana-se quem pensa que essas nobres bebidas são produtos supérfluos, que sofrem quando a economia vai mal. Nem mesmo a crise de 2008 inverteu esse desempenho. Desde dezembro de 2007, o Liv-ex apresentou valorização de 34,8%, enquanto o Ibovespa subiu somente 15,3% e o S&P 500 caiu 14,4%.
Mas assim como beber um Lafite Rothschild, um dos mais cobiçados vinhos do mundo, não é para qualquer um, investir em vinhos, no Brasil, é para poucos. Todos os fundos que trabalham com esse tipo de aplicação estão sediados no exterior, e até agora só existe um fundo brasileiro que compra cotas de um desses fundos offshore. O Bordeaux Wine Fund Multimercado, recém-lançado pela Cultinvest Asset Management, está em fase de captação, e só aceita aplicações iniciais de um milhão de reais.
Como o propósito do fundo é aplicar 100% de seu capital em vinhos por meio de um fundo no exterior, a legislação brasileira só permite que ele seja aberto aos chamados investidores superqualificados, isto é, detentores de pelo menos um milhão de reais disponível para investir. “É uma questão de legislação, que acaba dificultando a captação no Brasil. Lá fora, o tíquete de entrada é 100.000 euros, um valor bem mais acessível”, diz Walter Mendes, ex-gestor do Itaú-Unibanco e diretor de investimentos da Cultinvest.
O fundo da Cultinvest já tem uma carteira de vinhos montada e está efetuando as compras. No Brasil, por enquanto, apenas um investidor manifestou interesse no fundo, mas incluindo os investidores estrangeiros, os gestores pretendem chegar ao final de 2011 com cerca de 30 milhões de euros em carteira. “Se chegar a 50 milhões, fecharemos o fundo para captações”, diz Mendes.
Rentabilidade alta e liquidez baixa
Apesar das semelhanças com o mercado de renda variável, o mercado de vinhos tem muitas especificidades que o tornam pouco comparável a outros tipos de aplicação. São essas especificidades, aliás, que explicam a alta rentabilidade, como se o mercado de luxo corresse em paralelo aos demais. “A correlação entre os preços dos vinhos e dos demais ativos, como títulos de renda fixa e ações, é muito baixa. A rentabilidade dos vinhos tem sido muito alta, bem melhor que qualquer outro tipo de investimento, principalmente nos últimos cinco anos”, explica Walter Mendes.
O já citado Lafite Rothschild, por exemplo, tem sido uma das vedetes do mercado da bebida nos últimos anos. De dezembro de 1999 a dezembro de 2009, o vinho da safra de 1982 valorizou nada menos que 857%, cerca de 25% ao ano - em libras. O preço de uma garrafa desta safra pode chegar a quase 10.000 reais hoje em dia.
A explicação para um fenômeno como esse é a simples lei da oferta e da procura. Vinhos como esse e outros que compõem o índice Liv-ex possuem grau de investimento (IGW, na sigla em inglês). Apenas produtos muito sofisticados, de fabricação controlada em áreas muito restritas podem receber essa classificação. Só algumas poucas vinícolas, a maior parte delas na região de Bordeaux, na França, são capacitadas a produzir tais vinhos.
A demanda, por sua vez, vem crescendo cada vez mais, especialmente em mercados emergentes, como o russo e o chinês. “Isso tem acontecido nos últimos dez anos e deve continuar, com as boas perspectivas para os países emergentes”, avalia o diretor de investimentos da Cultinvest.
Mas se a rentabilidade é excelente, o mesmo não se pode dizer da liquidez. “O produto é de longo prazo, com uma perspectiva de cinco anos para dar retorno. Além disso, o investidor tem que ter em mente que, nesse mercado, tudo é muito mais lento”, explica Walter Mendes. Os vinhos são vendidos e comprados fisicamente em leilão, com data e hora marcadas. Em seguida, são transportados e armazenados em locais apropriados para manter sua qualidade. Quando um investidor pede resgate, só vai conseguir ver seu dinheiro dali a três meses. “Depois que se vende um produto na bolsa de vinhos, o pagamento só é efetuado dali a 40 dias”, observa Mendes.
Além disso, o fato de o produto ser fisicamente entregue gera um risco de armazenamento que pode levar à perda da qualidade. É claro que, nesse mercado, esse tipo de risco é bastante reduzido. Os vinhos são armazenados em locais preparados para isso, são segurados e inspecionados, para que preservem sua qualidade original.
Carteira com 188 vinhos
O fundo da Cultinvest se propõe a seguir a composição do índice Liv-ex Fine Wine Investible Index, formado pelos vinhos que normalmente compõem o portfólio dos investidores, como o Lafite e o Mouton Rothschild, o Margaux e o Latour. São 188 vinhos com grau de investimento de 24 vinícolas de Bordeaux, os chamados Châteaux. As safras mais antigas são de 1982, e o índice foi calculado a partir de 1988.
Para seguir esse índice, o fundo precisa necessariamente comprar esses vinhos. No entanto, o Bordeaux Wine Fund Multimercado deve contar com uma gestão mais ativa. Um comitê de investimento fica responsável pela montagem da melhor carteira para atender à estratégia do fundo, que será revista todo mês. Além de Walter Mendes, fazem parte desse grupo seu ex-colega de Itaú-Unibanco e atual sócio Alexandre Zákia Albert, o economista Felipe Albert e um enófilo da importadora Wine Stock, parceira da Cultinvest no negócio.
O regulamento do fundo permite ainda que 20% de seus recursos sejam destinados a vinhos “en primeur”, aqueles que ainda não foram engarrafados. É como se fosse o percentual da carteira voltado para um pouco mais de risco, mas também com maior possibilidade de valorização. Todos os vinhos comprados pelo fundo ficam armazenados no Bordeaux City Bond, um armazém especializado controlado pela Câmara de Comércio e Indústria de Bordeaux e pela Vinexpo, organizadora da maior e mais reconhecida feira mundial de vinhos.
Os investidores brasileiros pagam uma taxa de administração de 2,5% e só podem efetuar seus resgates em dinheiro, num valor mínimo de 50.000 reais (no exterior, é possível fazê-lo também em vinhos). Como o retorno esperado só deve vir em cinco anos, durante o primeiro quinquênio de aplicação o investidor paga taxa de saída se efetuar resgates: 5% no primeiro ano, diminuindo 1% ao ano nos anos subsequentes.