Fundo de pensão: A ideia em estudo num grupo de trabalho do governo é dar prazo mais longo para que os trabalhadores possam ajudar a cobrir o rombo (Rmcarvalho/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 8 de janeiro de 2024 às 09h35.
O governo estuda flexibilizar uma norma aprovada no governo de Michel Temer que obriga fundos de pensão a adotarem medidas para equacionar desequilíbrios financeiros de planos fechados de previdência, com cobrança de contribuição suplementar de trabalhadores e aposentados no ano seguinte ao que registrar déficit.
Como essas entidades de previdência complementar têm ficado no vermelho nos últimos anos, os descontos extras de participantes se tornaram crônicos, comprometendo a renda de muita gente.
A ideia em estudo num grupo de trabalho do governo é dar prazo mais longo para que os trabalhadores possam ajudar a cobrir o rombo com menor impacto e, por outro lado, forçar as entidades a reterem ganhos por mais tempo.
Somente nos últimos dois anos, os 271 fundos de pensão no país terminaram o ano com um déficit somado superior a R$ 40 bilhões. A revisão planejada pelo governo beneficiaria principalmente os fundos de pensão das estatais federais, que fecharam 2022 com um déficit total de R$ 26,8 bilhões e, até outubro de 2023, esse rombo já havia alcançado R$ 28,2 bilhões.
Pela regra vigente, entidades no vermelho têm de apresentar um plano de equacionamento até novembro para que participantes e patrocinadoras (empregadoras) rachem a conta. O governo quer alterar critérios de apuração do déficit e tornar o ajuste mais leve para empregados e empresas.
O déficit é uma fotografia no presente das contas futuras de um plano de benefícios, considerando o compromisso deles com o pagamento de aposentadorias complementares dos participantes.
Atualmente, há 1,3 milhão de participantes de fundos de pensão, entre ativos e aposentados, arcando com contribuições extras nos chamados Benefícios Definidos (BD), um tipo de plano em que o participante se aposenta com um valor de pensão pré-determinado. Desse total, 700 mil são de fundos de estatais e 600 mil de empresas privadas.
Descontos altos
Os maiores fundos com déficits recorrentes são de estatais: Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica) e Postalis (Correios). A Previ, do Banco do Brasil, é a única entre essas grandes entidades que teve superávit nos últimos anos.
Os participantes do Postalis, que vem acumulando déficits desde 2015, tiveram de abrir mão de benefícios como pensão por morte e de 75% do abono, espécie de décimo terceiro. O equacionamento entra em vigor neste ano para cobrir o rombo até 2020. O déficit no período foi de R$ 9 bilhões.
A Funcef teve de adotar três planos de equacionamento para solucionar o déficit de R$ 19,9 bilhões do período entre 2014 e 2016. Os aposentados que contribuíram para aposentadoria complementar quando estavam na ativa hoje arcam com um desconto extra no valor do benefício de 19,16%. Há um rombo pendente dos últimos anos.
A Funcef informou que o déficit ficou em R$ 6,9 bilhões em 2022 e, em outubro de 2023, estava em R$ 7,9 bilhões.
Há casos em que, somadas a contribuição previdenciária normal e a extraordinária, o valor descontado do participante chega a 34% do salário. Na Petros, por exemplo, há várias ações judiciais de sindicatos de trabalhadores tentando impedir a cobrança de contribuições extras.
A entidade informou que o déficit registrado em 2022 foi de R$ 1,35 bilhão e que em 2023 os planos de benefícios tiveram superávit, mas não detalhou medidas de reequilíbrio em curso.
Em nota, a Previ afirmou que seus associados nunca tiveram de pagar contribuições extras e que já distribuiu R$ 25 bilhões de superávits acumulados. Postalis não respondeu.
Para Maria Lúcia Dejavite, de 65 anos, aposentada da Caixa, a contribuição extra pesa no orçamento pessoal. Ela diz que foi obrigada a reduzir gastos com saúde e suspender outras atividades, como viagens:
— Os aposentados estão sendo sobrecarregados financeiramente. De cara, a gente perde quase 20% do benefício. Conheço muitos casos de endividamento porque as famílias quiseram manter o padrão de vida de quem tem uma aposentadoria complementar e tiveram de fazer empréstimos.
A conta para os trabalhadores chegou após denúncias de irregularidades em fundos de pensão de estatais nas últimas décadas e déficits seguidos agravados por aplicações financeiras que deram prejuízo.
Em 2016, a Operação Greenfield, da Polícia Federal, apontou perdas de ao menos R$ 8 bilhões com irregularidades em fundos de pensão. A operação foi encerrada em 2020 sem conclusão, após denúncias de abuso de autoridade, mas gerou 180 ações em curso na Justiça Federal de Brasília.
Na esteira das denúncias, a nova regra aprovada no governo Temer tinha como objetivo sanar o mais rapidamente o desequilíbrio financeiro das entidades. Inicialmente, o prazo era de dois anos para adoção de um plano.
A partir de 2018, as entidades passaram a ser obrigadas a apurar o déficit a partir de abril do ano seguinte e a adotar um plano de equacionamento, com corte de benefícios ou criação de contribuições extraordinárias para participantes e patrocinadores.
A regulação também prevê que o superávit acumulado em três anos seja distribuído entre as duas partes — sob o princípio de que um fundo de pensão deve ser equilibrado para honrar aposentadorias no futuro, sem déficit nem superávit. A distribuição de ganhos pode ser feita, por exemplo, com a suspensão da taxa de administração dos participantes.
Porém, segundo um técnico envolvido nas discussões, a norma brasileira é considerada pelo governo conservadora em relação a outros países, ao obrigar apuração do resultado e cobertura do rombo em curto prazo, penalizando principalmente participantes.
Uma das hipóteses é que o prazo para equacionar o déficit suba de um para três anos. O tempo para distribuir superávits também pode aumentar. A ideia é ter uma medida anticíclica, segurando um pouco o superávit no tempo de “de vacas gordas” para evitar contribuições extras no de “vacas magras”.
Técnicos alegam que os fundos fazem investimentos de longo prazo e estão sujeitos a fatores conjunturais, como oscilações da Bolsa de Valores. Cerca de 12% dos ativos, por exemplo, estão aplicados em ações. Na pandemia, as contas das entidades foram severamente afetadas.
O resultado dos estudos no governo será levado ao Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), ligado ao Ministério da Previdência, responsável por definir as diretrizes do setor. As novas regras valerão para todos os fundos fechados de previdência complementar, de estatais, públicos e privados. A expectativa é que os estudos sejam concluídos no primeiro semestre deste ano e submetidos a consulta pública.
Fundos de pensão pagam R$ 79,3 bilhões em benefícios no país e detêm um ativo total de R$ 1,2 trilhão. Também são vistos como uma importante fonte de capital para investimentos na economia, e por isso a saúde financeira deles preocupa o governo.
O presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Jarbas Antônio de Biagi, considera positivo rever a legislação por ver casos em que os trabalhadores são excessivamente onerados. Mas defende a importância de mecanismos para assegurar a capacidade dos planos de pagar os benefícios:
— Há uma questão social que precisa ser resolvida. Vemos com bons olhos esse grupo de trabalho para revisitar o tema. Mas temos uma preocupação muito grande em preservar a solvência e a liquidez dos planos de benefícios.
Procurada pelo GLOBO, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), que regula e fiscaliza fundos de pensão, confirmou, em nota, que o governo quer rever as regras. O objetivo dos estudos seria fortalecer o sistema de previdência complementar:
“O desafio do grupo de trabalho, que vai propor novas regras para déficits e superávits, é buscar soluções técnicas para garantir, com segurança, o pagamento dos benefícios futuros dos planos, sem onerar excessivamente participantes e patrocinadores.”
Segundo a Previc, também está em estudo mudança nas regras de precificação de ativos nos balanços dos fundos. “Estamos discutindo a necessidade de maior extensão na marcação de títulos na curva. Isso eventualmente reduzirá a volatilidade com a chamada imunização dos passivos pela simetria com a taxa de juros dos ativos”, informou.
No entanto, especialistas do setor avaliam que é preciso ampla discussão sobre essa ideia, que pode impactar a