Protestos na Grécia: solução definitiva da crise deve levar bastante tempo (Milos Bicanski/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 27 de outubro de 2011 às 10h57.
São Paulo – Os investidores receberam com euforia a notícia de que os países da zona do euro conseguiram chegar a um acordo para reduzir a dívida da Grécia em 50% com a participação do setor privado e que o fundo de estabilização europeu, que já havia recebido 440 bilhões de euros, terá uma injeção de mais 1 trilhão de euros. As bolsas e o euro se valorizam ao redor do mundo – e há justificativas consistentes para a alta. Mas não é hora de tapar o sol com a peneira: ainda existem uma série de problemas para a economia mundial que precisam ser resolvidos para que haja um forte rali de longo prazo.
É verdade que a Europa deu um grande passo no sentido de promover uma reestruturação organizada da dívida dos países insolventes. Até ontem, os líderes mundiais ainda pareciam se esquivar dos verdadeiros dramas porque ninguém parecia disposto a pagar a conta inevitável de uma solução duradoura. Parece menos arriscado, portanto, entrar na bolsa agora do que há um mês. Mas para que alguém possa vender o apartamento para comprar ações sem parecer insano, ao menos sete questões ainda precisariam ter uma resposta adequada. Abaixo, EXAME.com apresenta os principais riscos para a Europa que justificam a manutenção da cautela entre os investidores e sugerem compras de ações apenas aos pouquinhos, quando os preços estiverem atrativos:
1 – De onde virá 1 trilhão de euros para capitalizar o fundo de estabilização europeu?
O acordo anunciado no início desta quinta-feira não contém detalhes sobre o rateio da conta entre os principais países-membros da zona do euro. Como a maioria das nações europeias já se encontra extremamente endividada, não são muitos os que poderão contribuir significativamente com o fundo. A maior parte do dinheiro deve vir de países que ainda se encontram em situação fiscal confortável, como a Alemanha e a Holanda. Dificuldades na aprovação do acordo por todos os países são prováveis, uma vez que até mesmo a colocação de 440 bilhões de euros no fundo há algumas semanas por pouco não foi barrada.
Para que a solução seja politicamente viável, é necessário que seja desenhado um modelo que não deixe a impressão que os países que mais colocarão dinheiro no fundo sejam os menos beneficiados pela notícia. O problema é que a Europa mediterrânea pouco poderá ajudar com recursos. Mesmo uma potência como a França já corre o risco de perder o rating “AAA” das agências internacionais de risco devido à exposição à dívida grega. Será necessário calibrar direitinho a participação de cada um no fundo.
2 – A China vai ajudar?
Até o momento, países emergentes como a China ou o Brasil têm defendido que a ajuda internacional à Europa seja feita por meio de instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional. Em um país em desenvolvimento como o Brasil, parece mesmo politicamente inviável que o governo decida enviar recursos para o resgate de nações mais ricas. O mercado, entretanto, nutre a expectativa de que ao menos a China compre títulos europeus e ajude a dar credibilidade ao processo de reestruturação das dívidas. O país asiático está sentado sobre trilhões de dólares em reservas, que poderiam ser bastante valiosas neste momento. Para que isso aconteça, duras negociações terão de ser levadas adiante.
3 – A reestruturação da dívida grega não pode obrigar outros países a também fazer o mesmo?
Esse é o principal temor dos analistas. Se Portugal, Irlanda, Espanha e Itália também não tiverem condições de rolar suas dívidas, nem mesmo a injeção adicional de 1 trilhão de euros pode ser suficiente para resgatar a confiança dos investidores. É uma questão a ser acompanhada de perto pelos investidores.
4 – Como a Europa pode evitar o pânico no curto prazo se o mercado começar a questionar a solvência de todos os PIIGS?
Os europeus enxergam duas possíveis soluções: 1) oferecer uma espécie de seguro para cobrir parte das eventuais perdas que sejam registradas por quem comprar novos títulos emitidos pelos PIIGS; ou 2) usar o dinheiro do de estabilização, de fundos soberanos estrangeiros e do FMI diretamente na rolagem da dívida desses países. Os detalhes sobre como esse processo será conduzido ainda não são conhecidos.
5 – Os bancos da região podem aguentar a reestruturação em massa das dívidas europeias?
Se toda a conta for empurrada para o setor privado, muitos bancos que carregam em carteira títulos dos PIIGS provavelmente precisarão de uma grande injeção de capital para sobreviver. A quebra do Dexia, maior banco da Bélgica, ilustra bem como um calote soberano pode fazer mal ao balanço de uma instituição financeira. O Dexia estava altamente exposto à Grécia. Como não havia dinheiro suficiente para cobrir todas as perdas com os títulos gregos que estavam em tesouraria, a instituição teve de ser nacionalizada. A reestruturação generalizada da dívida dos PIIGS pode fazer com que muitas outras instituições tenham o mesmo destino – ou até mesmo declarem falência.
6 – E não há riscos de que os governos dos PIIGS também não cumpram sua parte?
Certamente há. Para que a reestruturação da dívida funcione e os países voltem a ser solventes, também é necessário promover programas severos de cortes de gastos que incluam drásticas reduções em benefícios sociais. Os protestos dos últimos meses em diversos países da Europa mostram que a população dos PIIGS não está nada contente com a perda de direitos e que esse processo será desgastante. Mesmo líderes populares poderão sucumbir no caminho.
7 – Se a reestruturação das dívidas der certo, a Europa voltará a crescer?
Uma solução para a solvência dos países europeus é crucial para que os mercados retomem a confiança e para que as bolsas voltem a subir com consistência. Os problemas econômicos da Europa, entretanto, são bem mais complexos. Boa parte dos PIIGS não possui uma economia competitiva e eficiente. A demografia não ajuda: poucos trabalhadores ativos precisam sustentar uma grande quantidade de idosos, e isso tem impacto no custos dos bens e serviços produzidos internamente. Se não vierem por aí medidas protecionistas, o aumento da produtividade dos europeus dependerá da redução relativa dos salários. Isso pode ser feito tanto com o corte das remunerações dos trabalhadores ou por meio da desvalorização do euro. Como a segunda solução é a menos dolorosa, é provável que os líderes europeus caminhem nesse sentido. Tornar as economias europeias mais dinâmicas, no entanto, é um desafio que deve exigir anos de esforços.