Bitcoin: no primeiro semestre, o mercado negociou R$ 5 bilhões (Julia Trokur/Shutterstock)
Karla Mamona
Publicado em 17 de setembro de 2019 às 15h07.
São Paulo - Depois da febre entre os investidores causada pela bolha do Bitcoin no início do ano passado, o mercado de moedas digitais, ou criptomoedas, voltou a atrair as pessoas físicas neste ano. A recuperação dos preços, com o Bitcoin passando de cerca de US$ 3 mil no começo do ano para US$ 10 mil, e o anúncio de que o Facebook lançaria sua própria criptomoeda, a Libra, despertaram novamente o interesse dos investidores, que segundo estimativas de profissionais desse mercado, já chegam a 3 milhões no Brasil, mais que o dobro dos 1,334 milhão de cadastrados para investir em ações na Bovespa.
Os criptoativos ganham importância econômica também. No primeiro semestre, o mercado negociou R$ 5 bilhões, segundo estimativa da Associação Brasileiras de Criptoeconomia (ABCripto). O crescimento dos negócios, que envolvem transações entre diversos países, fez o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendar ao Banco Central (BC) que inclua os dados de criptoativos no balanço de contas externas do país dentro da balança comercial. Segundo a ABCripto, o Brasil tem sido importador líquido de criptoativos, o que contribuiu para reduzir o superávit comercial na conta de bens do balanço de pagamentos.
Mas, em meio a essa nova onda, surgiram problemas com empresas ligadas ao mercado. Além das pirâmides financeiras, que usam o ganho passado do Bitcoin para atrair vítimas para golpes, uma grande negociadora de criptomoedas, o Grupo Bitcoin Banco, de Santa Catarina, parou de pagar os investidores em suas chamadas exchanges, a NegocieCoins e a TemBTC, que chegaram a estar entre as maiores do mundo. O grupo alegou que foi vítima de um golpe que roubou R$ 50 milhões de suas contas e seu dono chegou a ter bens apreendidos para pagar os investidores. Hoje, as exchanges operam parcialmente, limitando os resgates a R$ 5 mil ou 0,25 Bitcoin por mês.
Um dos problemas desse tipo de investimento é que as corretoras de criptomoedas não são regulamentadas no Brasil. Como o Bitcoin é classificado como uma mercadoria, ou commodity, e não como ativo financeiro ou ativo do mercado de capitais, nem o Banco Central (BC) e nem a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fiscalizam as exchanges. Só recentemente essas empresas receberam alguma fiscalização, por parte da Receita Federal, que a partir de agosto passou a exigir informações sobre as operações com criptomoedas.
Para o investidor, portanto, há duas questões antes de investir em Bitcoin ou em outra moeda virtual. A primeira é se a aplicação faz sentido em sua carteira de investimentos. E a segunda é escolher onde comprar de forma segura, afirma Felipe Borges, planejador financeiro CPF certificado da Planejar e consultor de investimento pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O primeiro passo, diz, é o investidor avaliar se sua carteira comporta um ativo de alto risco como o Bitcoin ou outra criptomoeda. “Não é para todo mundo, mais pela desvalorização do ativo do que pelo risco de compra”, afirma, lembrando que a moeda já passou de menos de US$ 1 mil para US$ 17 mil em um ano e depois caiu para US$ 3 mil e voltou para US$ 10 mil no ano seguinte.
Se o investidor definir que tem perfil para aguentar essa volatilidade, deve então aprender como funciona o processo de compra e investir em empresas sérias. “Há algumas que dizem que investem em criptomoedas, mas na verdade são pirâmides financeiras“, alerta Borges. Por isso, o investidor não deve acreditar em promessas de rentabilidade alta e garantida e pesquisar a solidez da empresa. “Eu vejo pirâmides prometendo ganhos de 5% ao mês em Bitcoins e faço um paralelo com Warren Buffett, considerado o melhor investidor do mundo”, comenta Borges. “Ele conseguiu uma rentabilidade média de 17% a 20% ao ano, então como alguém consegue garantir 5% ao mês? Tem alguma coisa errada e é preciso desconfiar, pois o que aparece na tela do site pode não significar nada”, diz.
Outro ponto é verificar se a corretora permite transferir a criptomoeda para a carteira própria do cliente ou não. “Se puder transferir para sua carteira, é como uma ação, a moeda fica registrada na sua conta e, se a corretora quebrar, não tem risco”, diz. Já se o sistema for o chamado “blackbox”, em que as moedas ficam na custódia da corretora, é preciso tomar mais cuidado, pois se a empresa quebrar, o investidor perde tudo.
Borges acha que, para quem tem perfil de risco, vale a pena fazer a compra em uma instituição confiável. Mas alerta que ninguém sabe o futuro das criptomoedas. “O risco pode ser de 100%”, diz.
Muita gente vê a criptomoeda erroneamente como algo que cria renda, que vai dar uma valorização em alguns anos, mas isso não é verdade, alerta Borges. “Ela se comporta como uma moeda, como o dólar, não tem taxa, não paga dividendo, não gera rentabilidade”, explica. Assim como o dólar ou o ouro, a criptomoeda depende mais da confiança do mercado e da procura, compara Borges.
O consultor observa, porém, que, como a criptomoeda não tem um potencial máximo de ganho, pode ser vantajoso colocar um percentual muito pequeno do dinheiro nesse negócio. “Se der errado, o prejuízo não prejudicará pois a parcela é pequena e será compensada pelas outras aplicações”, lembra. Mas, se der certo, haverá um ganho razoável pelo potencial grande de valorização.
Há dificuldades até para definir o Bitcoin como uma moeda, afirma Bruno Di Giacomo, sócio da BlackBird Investimentos. Como seu preço oscila demais, não se sabe exatamente quanto vale um Bitcoin e, com isso, ela não serve como reserva de valor, uma das características de uma moeda. E, como ela não é ainda é pouco aceita para transações, não serve como meio de troca.
Por isso, Di Giacomo diz que o investidor deve colocar na moeda “o mesmo percentual que colocaria em uma roleta”. “É jogar com a sorte, pois os fundamentos hoje do Bitcoin são muito frágeis”, avalia. Há uma situação, porém, em que o Bitcoin faria sentido: a crise econômica mundial está levando os bancos centrais do mundo todo a adotarem políticas de juros baixos ou negativos e a injetarem dinheiro na economia. Se esse excesso de dinheiro em um ambiente de juros baixos provocar uma bolha, o próximo “crash” da economia ocorreria pelos Bancos Centrais, que perderiam credibilidade. “Nesse caso, uma moeda não ligada aos BCs seria uma alternativa”, afirma.
A primeira orientação para o comprador é para que invista de acordo com o seu apetite por risco, reforçando que os criptoativos são extremamente voláteis e sujeitos a riscos específicos que os distinguem de outros investimentos tradicionais, afirma Safiri Felix, diretor-executivo da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto). A entidade possui hoje 30 associados, entre exchanges, empresas focadas na blockchain (tecnologia que registra e contabiliza transações de ativos digitais) e escritórios de advocacia especializados em direito digital e startups.
É preciso estar atento também aos procedimentos de segurança que devem ser adotados para não colocar o investimento em risco. “O investidor deve estudar, ter prudência e investir uma parcela pequena do patrimônio”, explica. “Assim, os criptoativos serão apenas mais uma ferramenta de diversificação dentro do patrimônio total investido.”
A regulação no Brasil acompanha o ritmo de crescimento de criptoativos no país, explica Felix. A primeira norma para o setor foi a Instrução Normativa Nº 1888/2019, da Receita Federal, para evitar sonegação fiscal. Ela foi anunciada em maio de 2019 e começou a valer dia 1º de agosto, sendo que as primeiras prestações de contas devem ser feitas neste mês. Com a instrução, a Receita definiu que todas as exchanges que operam com criptoativos devem reportar ao governo informações de todas as transações de seus clientes, como nomes dos envolvidos, valores, datas e taxas.
A obrigatoriedade também vale para pessoas físicas que investem neste mercado de forma independente, sem as corretoras, sempre que as transações ultrapassarem R$ 30 mil por mês.
Felix lembra que há pelo menos quatro projetos de lei em tramitação no Congresso para definir a atuação das exchanges e a regulamentação sobre quais órgãos do Estado devem zelar pelo conjunto de normas e pela fiscalização do segmento. “Mas as empresas que fazem parte desse ecossistema já seguem boas práticas de custódia e de transparência com o detalhamento de transações nos extratos”, afirma Felix.
Para saber se uma empresa de criptomoedas é segura, o investidor deve verificar se ela segue sete passos:
Ele recomenda ainda que o investidor deve ficar atento sempre que uma empresa de criptoativos prometer rentabilidade garantida. “O mercado é volátil, em 2019, desde o final de março o Bitcoin acumula valorização de cerca de 150% em relação ao ano passado”, lembra. Então, sim, há ótimas oportunidades de fazer render o investimento, mas é imprudente oferecer rentabilidade garantida, ressalta.
Para reforçar a credibilidade do setor, além de cumprirem a instrução da Receita, a ABCripto recomenda que todas as empresas adotem as práticas indicadas, ou seja, boas práticas de custódia e de transparência com o detalhamento de transações nos extratos. As empresas vêm aprimorando constantemente seus sistemas de segurança e estabeleceram procedimentos contra lavagem de dinheiro compatíveis com o sistema financeiro tradicional, afirma Felix. “Todos esses mecanismos ajudam a evitar o mau uso das transações com criptoativos”, afirma Felix.
A ABCripto tem participado ativamente dos debates em audiências públicas sobre o setor, além de acompanhar de perto todos os projetos de lei que tramitam em Brasília, afirma Felix. A entidade participou de audiência pública no Senado e participará de reuniões da comissão especial que analisa o Projeto de Lei 2303/15, que dispõe sobre a inclusão de criptoativos e programas de milhagens aéreas na definição de arranjos de pagamento sob a supervisão do Banco Central.
Segundo Felix, a ABCripto defende que os projetos cheguem a um consenso e, mais do que isso, a um equilíbrio em torno do mercado de criptoativos, que está amadurecendo e representa uma verdadeira disrupção na maneira como as pessoas lidam com o dinheiro. “A regulamentação do setor precisa desincentivar o mau uso dos criptoativos, definir a atuação das exchanges, instituir quais órgãos do Estado devem zelar pelo conjunto de normas e fiscalização do segmento, mas não podem ser um freio aos avanços tecnológicos desse ecossistema”, afirma Felix.
Sobre o risco de hackers e ações fraudulentas, ele lembra que em qualquer mercado esse risco sempre existe. “Mas é preciso separar o joio do trigo e enxergar todos os esforços que as empresas brasileiras têm dispendido no sentido de reduzir esses riscos”, afirma, citando parcerias com empresas como a HackerOne e Chainalysis, responsáveis por organizar uma lista de endereços suspeitos.
O mercado de moedas digitais tem sido bastante ativo neste ano, afirma Fabricio Tota, diretor do Mercado Bitcoin, uma das principais exchanges do mercado. A empresa tem cerca de 50% do mercado de criptomoedas brasileiro, com 1,6 milhão de investidores. “Foi um ano bom para quem comprou a moeda no fim do ano passado”, diz.
Qualquer notícia de regulamentação ou uso da tecnologia blockchain, que dá sustentação ao Bitcoin, anima o mercado, explica Tota. Foi o que aconteceu com o anúncio do Facebook de que pretende lançar sua moeda digital, a Libra, e com o Telegram, que arrecadou US$ 1,7 bi com sua criptomoeda, o Gram. “Cada nova notícia positiva só reforça que a tecnologia funciona”, afirma. “Mas o uso ainda é limitado, apesar de ter algumas iniciativas ganhando atração, de experiências do usuário receber e enviar recursos usando a tecnologia”, diz.
Mas, independente da utilização no dia a dia, as criptomoedas podem ser usadas como reserva de valor ou diversificação, afirma Tota. E, como reserva de valor, o Bitcoin tem a vantagem de ser totalmente descorrelacionado dos ativos financeiros típicos. “Pode ser uma aplicação em um ativo mais ligado ao desenvolvimento da tecnologia, uma pimenta que pode trazer retorno ainda mais alto em um cenário de juro baixo, que pode beneficiar o Bitcoin”, acredita.
Ele vê o controle da Receita como um reconhecimento da importância do setor, que não pode ficar a margem do mercado. “A Receita foi o primeiro passo para ter uma formalização maior desse mercado, separar empresas mais estruturadas das menos, que não dão importância a temas como proteção ao investidor, conhecimento do cliente e combate à lavagem de dinheiro”, diz.
Segundo Total, hoje cliente tem de pesquisar a reputação da exchange em que está pensando em operar, ver seu histórico, há quando tempo está no mercado. “Saber da parte institucional tem importância”, diz. Além disso é preciso ver se ela tem sistemas de compliance ou se é só um lugar que fica jogando as ordens. “Tem de ser mais parecido com corretora de valores”, explica. E a transparência também tem de ser grande. “As exchanges colocam quem quer comprar em contato com quem quer vender, e o cliente precisa saber onde está colocando o dinheiro”, diz.
Criado em 2013, o Mercado Bitcoin faz a custodia das moedas digitais, mas o cliente tem a opção de retirar os ativos para ficar com sua própria custodia. “Mas assim ele assume alguns riscos, e dizer que sabe fazer a guarda”, alerta Tota. Segundo ele, fazer a própria custódia é recomendado para quem tem mais experiência. Para quem não tem, pode ser melhor deixar as moedas custodiadas com alguma empresa especializada. “Assim o cliente fica só com o risco do mercado, e não o de algum hacker roubar suas senhas e suas moedas”, diz.
O volume de interessados está crescendo este ano, afirma Tota. O Mercado Bitcoin tem captado cerca de 100 mil novos clientes por mês. A expectativa é chegar a 2 milhões de clientes neste ano, também com o lançamento de outros tipos de investimento, como tokens que representam parcelas de precatórios devidos pelo governo de São Paulo usando a tecnologia Blockchain. A empresa também investe em estruturas mais seguras de controles, como manter uma conta separada para o dinheiro dos investidores. “O dinheiro dos clientes não se mistura com o da corretora e não operamos carteira própria”, explica.
Ele recomenda, porém, cautela para quem vai começar a investir em criptomoedas. “Pode começar com 5% do patrimônio, que é equivlente a um ano de CDI e, se perder, recupera com o rendimento do resto da carteira”, diz. Ele lembra que os clientes que começaram o ano com 3% a 4% do patrimônio hoje tem cerca de 10% por conta do preço do bitcoin ter se multiplicado por três.
Hoje, o Mercado Bitcoin tem mais de 80 funcionários, muitos ex-executivos do mercado financeiro e da Cetip e B3, que usam a experiência para lidar com ativos de terceiros nas criptomoedas.
Tatiana Mello Guazzelli, advogada associada do Pinheiro Neto Advogados, autora de um estudo sobre regulação da emissão e negociação de criptoativos, em parceria com outros dois colegas, vê uma tendência de o setor ter alguma regulação do Banco Central e da CVM. Da parte do BC, a regulação teria sentido uma vez que as exchanges movimentam recursos em reais dos clientes nas operações de compra e venda de moeda, além das movimentações de criptoativos. Já no caso da CVM, o acompanhamento se daria pelas ofertas iniciais de criptoativos ou seu uso em instrumentos do mercado de capitais, que poderiam recorrer à tecnologia do blockchain, base dos Bitcoins.
Essas exchanges assumem as funções de ambiente de negociação, de custódia e também recebem recursos dos clientes. São também a porta de entrada dos investidores que querem comprar ativos. Por isso, poderiam ser vistas como responsáveis pelo controle das operações, o que a Receita fez ao exigir delas informações sobre as operações de seus clientes.
A falta de regulamentação acaba sendo também um entrave para o desenvolvimento do mercado, vê a advogada. Há preocupações com riscos de fraude, ataques cibernéticos, lavagem de dinheiro, evasão fiscal e manipulação de mercado, além de falta de informações aos clientes e regras de divulgação de dados, fatores que poderiam ser definidos na regulamentação.
Essa notícia foi publicada originalmente no site Arena do Pavini.