Minhas Finanças

Os computadores é que investem o dinheiro

Os fundos quantitativos compram e vendem ativos sem a interferência de gestores humanos - e costumam gerar bons lucros quando a bolsa entra em tendência de queda

Central de servidores: máquinas decidem quando comprar e vender ativos

Central de servidores: máquinas decidem quando comprar e vender ativos

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Da Redação

Publicado em 5 de janeiro de 2012 às 20h19.

São Paulo - No cinema, já virou clichê abordar o avanço da tecnologia como uma ameaça ao ser humano. Desde a primeira filmagem de Frankenstein, passando por 2001: Uma Odisseia no Espaço até se chegar a Matrix, a desconfiança de que as máquinas pudessem se voltar contra seus criadores foi um tema recorrente nas telas. De certa maneira, a discussão nasce da percepção de que o avanço da tecnologia veio acompanhado de várias ameaças à humanidade, como a perda de empregos, a poluição das cidades e o aquecimento global. No mercado de trabalho, muitas profissões deixaram de existir e outras - como cortadores de cana, frentistas ou cobradores de ônibus - só sobrevivem amparadas por acordos político-sindicais. Mas não são apenas os trabalhos manuais que foram colocados em xeque pela tecnologia. Um supercomputador já desafiou - e venceu - o maior enxadrista do mundo. No mercado financeiro, os operadores do pregão viva-voz da bolsa deixaram de existir. E nem os gestores dos bilhões de reais aplicados em fundos de investimento podem dormir tranquilos.

No mundo todo, já existem milhares de fundos conhecidos como quantitativos, em que todas as ordens de compra e venda de ativos são disparadas automaticamente por servidores sem a interferência do ser humano. Apesar de os gestores de recursos estarem entre os profissionais mais qualificados e bem-remunerados do mercado de trabalho de qualquer país, os servidores produzidos atualmente possuem uma capacidade de armazenamento e processamento de dados muito maior do que a do ser humano. Além disso, não sentem a dor da perda, não são gananciosas nem sucumbem à soberba nos bons momentos. "A grande vantagem desses fundos é tirar a emoção do gestor na tomada de decisão", diz Alexandre Silvério, superintendente de fundos de renda variável e multimercados do Santander, o primeiro grande banco a lançar um fundo quantitativo no Brasil.</p>

A presença da inteligência humana nesses fundos, entretanto, é bem maior do que se pode supor. Na MAN Investments, por exemplo, uma equipe de 116 pessoas - entre matemáticos, estatísticos e físicos - é responsável por desenvolver modelos sofisticados que serão rodados em computadores para determinar onde serão investidos nada menos do que 22 bilhões de dólares. Criado em 1987, o AHL, fundo quantitativo da MAN, é um dos mais antigos e maiores de sua categoria no mundo. Jorge Rodrigues, gerente regional para a América Latina da MAN, explica que o segredo da longevidade é adaptar constantemente os modelos usados pelos computadores às mudanças do mercado. Além da equipe própria, o fundo possui um escritório dentro da universidade de Oxford onde aproveita a presença de alguns dos maiores cérebros do Reino Unido para a atualização constante das fórmulas.

A própria origem dos fundos quantitativos remonta à universidade. Na década de 70, os físicos Doyne Farmer e Norman Packard, da Universidade da Califórnia, criaram modelos estatísticos para vencer nas roletas em Las Vegas. O que começou nos cassinos evoluiu para a criação de uma empresa de gestão de recursos no mercado financeiro na década seguinte. A Prediction Company fez tanto sucesso que acabou avaliada em mais de 1 bilhão de dólares quando foi vendida ao banco suíço UBS.


Mas qual é o segredo?

Os fundos quantitativos usam centenas de modelos matemáticos diferentes para ganhar dinheiro no mercado. Há, no entanto, três estratégias que norteiam a maioria desses fundos. A primeira é a dos seguidores de tendência. Sempre que o computador identifica que uma ação, commodity ou contrato futuro entrou em tendência de alta, por exemplo, dispara uma ordem de compra daquele ativo. A máquina também pode operar vendida se o viés for de baixa. Quando não há uma tendência muito definida, o fundo tende a ficar de fora do mercado. E as perdas ocorrem quando há a reversão de um movimento de alta ou baixa.

Esse tipo de estratégia é bastante interessante em momentos de baixa no mercado acionário. Tanto que os fundos quantitativos apresentaram resultados excelentes em anos ruins para a bolsa como 2001 e 2008. Por esse motivo, são bastante indicados para investidores que usaram parte de seu dinheiro para comprar ações, mas querem estar protegidos caso a alta esperada não se materialize. "Como não há uma correlação entre os resultados da bolsa e dos ativos que compramos, nosso fundo acaba servindo de hedge", explica Jorge Rodrigues, da MAN. "Recomendo que 10% a 20% do dinheiro do cliente destinado à renda variável seja investido em um fundo como o AHL."

A estratégia só não funciona com ativos de baixa liquidez. Quando um contrato é pouco negociado, um único investidor pode criar uma tendência artificial de alta se começar a comprar grandes lotes desse papel. A restrição à liquidez é um dos motivos que levam à pequena representatividade dos fundos quantitativos na indústria financeira brasileira. A maior parte dos fundos nacionais desse segmento têm patrimônio líquido inferior a 100 milhões de reais. Mesmo os "quants" estrangeiros que captam recursos no Brasil costumam aplicar o dinheiro fora do país, em bolsas e ativos mais líquidos. Entre os poucos contratos futuros que servem para estratégias quantitativas estão os de juros, dólar e Ibovespa negociados na BM&F.

A segunda grande estratégia dos fundos quantitativos é conhecida como "arbitragem estatística". O computador é alimentado com dados de negociações de vários ativos e busca distorções entre as cotações atuais e as médias históricas . Sempre que identifica um ativo sub-avaliado, opera comprado. Ao mesmo tempo, quando encontra um ativo caro, fica vendido. Esse tipo de estratégia tem a vantagem de poder ser feita com dezenas de ativos mesmo no Brasil. "Dá para fazer arbitragem estatística com todas as ações mais líquidas do Ibovespa", diz Marcelo Paixão, gestor da Principia Capital Management, um dos fundos quantitativos mais antigos do país. Dentro dessa estratégia, o computador pode escolher, por exemplo, duas ações de siderurgia como Gerdau e CSN e operar comprado em uma e vendido em outra. Também pode comprar as ações ordinárias da Vale e vender as preferenciais caso perceba que a relação entre as duas está distante da média histórica. Esses fundos quantitativos, no entanto, não costumam funcionar como hedge de outras operações em renda variável.


Alta frequência

A última grande estratégia quantitativa inclui as operações de alta frequência, que envolvem a compra e venda de ativos em prazos curtíssimos de tempo para a aproveitar pequenas distorções de preço. O computador identifica, por exemplo, que a ação preferencial da Vale no Brasil é negociada com um desconto de centavos em relação ao ADR (American Depositary Receipts, papel negociado nos Estados Unidos) da mineradora. A máquina então dispara uma ordem de compra da ação negociada na Bovespa e a vende em Nova York em milésimos de segundo, gerando um pequeno ganho. Repetidas milhares de vezes, essas operações podem levar a um lucro de milhões de reais ao longo de um ano.

Apesar do recente desenvolvimento, esse tipo de operação ainda engatinha no Brasil. Nos Estados Unidos, as negociações de alta frequência respondem por mais da metade do volume das operações em bolsa. Na Europa, o percentual é de cerca de 35%. Já no Brasil, não chega a 10%. A BM&FBovespa espera que esses negócios possam representar 30% do volume em cerca de três anos. Para chegar lá, entretanto, será necessário vencer algumas barreiras. A baixa liquidez da maioria dos papéis negociados no Brasil é um impeditivo. A decisão do governo de cobrar Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) dos investidores estrangeiros no Brasil reduziu muito a arbitragem entre ações e ADRs - restando aos computadores a opção de encontrar distorções entre papéis negociados no mercado local. Além disso, a maioria dos gestores brasileiros ainda toma decisões de investimento a partir de análises fundamentalista - enquanto os "quants" são baseados em avaliações técnicas.

A Bovespa, no entanto, trabalha para desenvolver esse mercado. A bolsa ainda aguarda autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para permitir que corretoras e investidores possam colocar servidores dentro da própria bolsa, a poucos metros de seu computador central. Isso permitirá que uma operação de compra ou venda de uma ação seja fechada em 10 milésimos de segundo - bem provavelmente à frente de outros investidores que enxergaram a mesma oportunidade no mesmo momento. Hoje, para economizar tempo nas negociações, já há muitos fundos que instalam seus computadores dentro das corretoras. Mesmo assim, uma ordem de compra costuma demorar cerca de 20 milésimos de segundo para chegar na bolsa e ser fechada. "Para um investidor normal, é como escolher entre uma Ferrari F40 ou uma Ferrari Maranello", diz Fernando Kazan, gerente de Conectividade e Operações Eletrônicas da corretora XP. "Mas isso faz diferença para os investidores de alta frequência."

Além da autorização da CVM, as corretoras esperam que a BM&FBovespa divulgue uma política de taxas mais convidativas para as operações de alta frequência. Como esses investidores precisam fechar milhares de negócios para obter um lucro representativo, aumenta o peso das taxas de corretagem e dos emolumentos da bolsa. A Bovespa já sinalizou com a concessão de descontos de até 80% para os investidores que negociarem centenas de milhões de reais por dia. No entanto, o mercado ainda cobra da bolsa uma política de melhores incentivos, principalmente para os investidores de menor porte. Ao menos em um ponto, a bolsa e as corretoras concordam: as negociações de alta frequência serão um dos principais vetores de crescimento do mercado brasileiros nos próximos anos.

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