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Comprar Google ou Apple na Bovespa tem risco elevado

A bolsa paulista já permite a negociação de papéis de gigantes estrangeiras, mas a operação é mais arriscada que a compra de ações de empresas brasileiras

iPad da Apple: Bovespa já negocia papéis da empresa (.)

iPad da Apple: Bovespa já negocia papéis da empresa (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Desde o último dia 6, a Bovespa permite que os investidores brasileiros negociem papéis do Google, da Apple, do Goldman Sachs e de mais sete grandes empresas estrangeiras. Ao invés de enviar dinheiro para uma conta e tornarem-se clientes de uma corretora no exterior, os investidores podem usar o próprio sistema da bolsa paulista para realizar essas operações. Também na semana passada, Warren Buffett afirmou que as ações americanas estão baratas e que seria um erro deixar de comprá-las.

O investidor que correlaciona esses dois fatos pode imaginar que está diante de uma excelente oportunidade. Afinal, ficou menos burocrático e caro seguir o conselho do "oráculo" Buffett, o investidor que mais ganhou dinheiro nos mercados financeiros na história. Mas a realidade é um pouco mais complexa do que parece. Para especialistas, investir nas ações dessas grandes multinacionais é, neste momento, mais arriscado do que comprar papéis de empresas locais.

O principal motivo é conjuntural. A economia brasileira está hoje em uma situação bem mais favorável que a americana. Enquanto o PIB dos EUA se arrasta e o mercado não descarta uma nova recessão, o Brasil deve crescer mais de 7% neste ano. "A bolsa americana não está cara, mas acho que, hoje, o Brasil é melhor que os EUA para investimentos em ações", diz Alexandre Silvério, superintendente de gestão de fundos da Santander Asset Management.

Outro risco é cambial. Os papéis negociados no Brasil não devem seguir apenas o valor das ações dessas empresas negociadas nas bolsas estrangeiras, mas também devem se ajustar ao câmbio. Logo, um investidor que obtenha um ganho de 3% se as ações da Apple tiverem essa valorização nos EUA perderá todo seu lucro se o dólar tiver caído 3% em relação ao real no mesmo período.

Lógico que esse mesmo investidor poderá potencializar seus ganhos caso se verifique o movimento contrário - o de alta do dólar. O problema é que, neste momento, mesmo com a deterioração das contas externas brasileiras e com a as ações do governo para conter o câmbio, a maior parte do mercado aposta que os países emergentes continuarão a atrair investimentos estrangeiros - o que contribui para derrubar a moeda americana ao redor do planeta.


Falta de liquidez

Por enquanto, os pequenos investidores não poderão usar o home broker para investir nos papéis das empresas americanas. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) só concedeu permissão para que fundos e grandes investidores possam negociá-los. Por trás da proibição, está a necessidade de proteger o pequeno investidor.

As empresas americanas serão negociadas na Bovespa de forma indireta, através de Brazilian Depositary Receipts (BDRs). Sempre que um investidor comprá-los, vai receber um recibo que pode ser convertido na ação negociada nas bolsas estrangeiras. Esse recibo será emitido pelo banco alemão Deutsche Bank, que será responsável por comprar no exterior a ação que garante sua validade.

Como a empresa que emitiu a ação não participa desse processo, ela também não fica obrigada a cumprir algumas das normas básicas do mercado brasileiro, como emitir balanços em português ou seguir as normas contábeis locais. Esse é o motivo que levou a CVM a permitir que as pessoas físicas invistam em BDRs apenas por meio de fundos de investimento que comprem esses papéis. Assim, caberá a um profissional qualificado, o gestor, avaliar os riscos.

Mas, no curto prazo, essas restrições acabam por limitar a liquidez dos BDRs. Além disso, pesquisas mostram em todo o planeta que os gestores de fundos costumam investir muito mais no mercado de origem do que no exterior - o que, no jargão dos investidores, é chamado de "viés local". Também contribui para minguar as negociações as proibições impostas pelos estatutos de muitos fundos para investimentos nesses BDRs. Mesmo os fundos de ações sem essa restrição só podem aplicar 10% do patrimônio em ativos denominados em moeda estrangeira - no caso dos multimercados, esse limite sobe para 20%.

O problema da falta de liquidez é que o risco de investir na Apple por meio de BDRs acaba sendo bem maior do que investir na Apple diretamente em alguma bolsa americana. "Se não houver liquidez, o gestor prefere comprar esse papel no exterior, mesmo com a burocracia e as despesas maiores, para não correr o risco de ter de dar um grande desconto para achar um comprador na Bovespa quando quiser vendê-lo", diz William Eid Jr., professor do Centro de Estudos em Finanças da FGV.


Atenuantes

Os problemas de liquidez devem ficar menores com o tempo. A tendência é que muitos fundos alterem seus estatutos para permitir esse tipo de investimento. No longo prazo, outros fundos podem ser criado com a finalidade específica de investir em BDRs - ainda que nenhum grande banco confirme ter esse plano até agora. O mercado ainda acredita que, no futuro, a CVM deverá permitir que fundos de pensão e pessoas físicas qualificadas (aquelas que têm mais de 300.000 reais em aplicações financeiras) também possam investir diretamene em BDRs.

A Bovespa tambem já realiza esforços para aumentar a liquidez dos BDRs no curto prazo. Acorretora Indusval foi escolhida para atuar como formador de mercado dos papéis. Isso quer dizer que a instituição se compromete a sempre colocar uma ordem de compra e outra de venda de mil papéis para todas as dez grandes empresas estrangeiras com BDRs negociados na Bovespa. O problema é que a cotação estabelecida para a execução dessas ordens pode ser até 7% inferior à última transação realizada no mercado. "Mas, na prática, trabalhamos com um spread bem menor", diz Alexandre Atherino, sócio-diretor da corretora Indusval. "Por um pouco menos que o valor de mercado, vale a pena eu comprar um BDR e depois revendê-lo no exterior para me apropriar desse pequeno ganho."

Ele acredita que logo essas operações de arbitragem entre BDRs no Brasil e ações no exterior serão uma das grandes provedoras de liquidez para os novos papéis. Hoje, esse tipo de operação já é bastante popular no sentido contrário. Muitos investidores americanos compram American Depositary Receipts (ADRs) de empresas brasileiras nos EUA para revendê-los na Bovespa com um pequeno lucro, e vice-versa.

Outra estratégia envolvendo BDRs deve ser utilizada por fundos long-short, que operam comprados em uma ação e vendidos em outra para tentar ganhar com a diferença de desempenho entre as duas. Agora os investidores poderão comprar ações da Natura e vender BDRs da Avon, comprar ExxonMobil e vender Petrobras ou comprar Bank of America e vender Itaú Unibanco, entre outras opções. A vantagem desse tipo de operação é eliminar o chamado "risco de mercado", já que a queda do preço do petróleo, por exemplo, tende a ter um efeito negativo parecido tanto para as ações da Exxon quanto para as da Petrobras.

Por último, os investidores veem uma oportunidade de diversificação a partir do lançamento desse novo produto. Todos os dez BDRs lançados (Apple, Google, Bank of America, Arcelor Mittal, Goldman Sachs, Avon, Walmart, ExxonMobil, McDonald's e Pfizer) são de empresas globais que podem aproveitar o crescimento dos países emergentes. Paralelamente, são companhias que tendem a ser bastante beneficiadas no momento em que a economia americana der sinais mais firmes de recuperação - para a alegria de Warren Buffett e de seus seguidores.

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