Omnisient: Jon Jacobson, CEO, e Anton Grutzmacher, CRO (Omnisient/Divulgação)
Repórter de finanças
Publicado em 5 de julho de 2025 às 10h00.
Sua geladeira queimou e você precisa comprar uma nova, mas não tem o dinheiro à vista. A solução? Parcelar no cartão de crédito. Mas há um problema: seu score é muito baixo e o banco negou o cartão. Esse é a situação de 35 milhões de pessoas no Brasil, ou 21,7% da população adulta que não tem acesso ao crédito, segundo os dados mais recentes do Serasa.
É no meio desse cenário dos ‘invisíveis ao crédito’ que a fintech Sul-Africana, Omnisient, chega ao Brasil, querendo democratizar esse acesso. Criada em 2019 por Jon Jacobson e Anton Grutzmacher, a fintech ganhou notoriedade em seu país de origem ao tornar 3,2 milhões de pessoas elegíveis à crédito, dentro de um universo de 8 milhões que não possuíam score.
“Desenvolvemos uma tecnologia com foco total em privacidade, que permite que empresas colaborem de forma segura e construam ecossistemas de dados capazes de enfrentar grandes desafios sociais — como a exclusão financeira”, explica Anton Grutzmacher, cofundador e CRO da empresa.
A tecnologia da Omnisient utiliza dados alternativos, baseado em hábitos de consumo dos 'invisíveis' ao crédito para mostrar a quem financia que é possível, sim, encontrar bons pagadores sem ser pelos critérios tradicionais. “São dados de consumo, provenientes do varejo”, explica Bruna Iorio, Head de Growth da Omnisient na América Latina.
Hoje, os bancos usam dados de birôs de crédito para analisar o risco de inadimplência antes de liberar empréstimos. Essas bases reúnem informações como número de dívidas, histórico de pagamento e consultas ao CPF. Além disso, os bancos consideram o relacionamento do cliente com a instituição e, com o open finance, acessam extratos e dívidas de outros bancos — ou seja, dados tradicionais.
“Mas muitas pessoas não têm esses dados formalizados para participar desses birôs. Elas se tornam invisíveis, porque o banco não consegue passar elas por essa análise de crédito e acabam ficando de fora”, pontua Iorio.
Na lógica dos dados alternativos, a rotina de compras no supermercado, na farmácia, ou lojas de roupa ajudam, com a mediação da Omnisient, a alimentar os scores de crédito internos dos bancos. E o que esses hábitos têm em comum? Frequência, constância.
“Esses dados falam sobre a pessoa, falam o que ela está comprando, que tipo de consumo que ela faz, em que valor, em que lugar, com qual frequência”, aponta a Head de Growth na América Latina.
Não quer dizer que o consumidor esteja sendo vigiado por um Big Brother ou algo do tipo. A Omnisient faz tudo de forma anônima, até a última etapa, garante, para proteger os dados.
'Não é luxo, é luta': Sem poupança, mulheres recorrem a empréstimos para pagar as contasVamos super que um banco quer atrair novos clientes com bom perfil de crédito. Ele colabora com um varejista parceiro e, por meio da plataforma da Omnisient, identifica — com os dados anonimizados— um grupo de consumidores com comportamento compatível com o de bons pagadores.
Essas pessoas recebem uma campanha do varejista. O banco ainda não sabe quem são (devido aos dados em anônimos). Se alguém se interessar pela oferta e consentir com a identificação, o banco acessa os dados e pode fazer uma proposta personalizada.
E onde entra a anonimização? A tecnologia da empresa permite que bancos, varejistas, seguradoras e outras companhias compartilhem dados de forma colaborativa e segura, sem nunca expor dados pessoais como CPF, nome ou telefone. Durante todo o processo de correspondência, análise e troca de dados entre empresas, a criptografia mantém informações pessoais sob sigilo.
Isso garante que a operação esteja em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Brasil, e com legislações de privacidade equivalentes em outros países.
“Isso era especialmente crítico no setor financeiro. Os bancos tentam resolver o problema da inclusão há décadas, mas não conseguiam executar estratégias baseadas em dados alternativos, por causa das barreiras regulatórias e de compartilhamento de dados”, diz Anton Grutzmacher, CRO da empresa.
“Por isso, além de garantir privacidade, nossa plataforma também oferece recursos embarcados de inteligência artificial e machine learning. Isso permite que os bancos executem seus modelos de risco dentro da própria estrutura, sem que os dados brutos precisem ser compartilhados”, garante o CEO Jon Jacobson, em entrevista à EXAME.
Com quatro rodadas de investimento, a Omnisient já arrecadou mais de US$ 18 milhões. Tudo começou com um capital inicial de US$ 250 mil. Depois, em fevereiro de 2020, em uma rodada seed, a fintech levantou US$ 750 mil, seguidos por US$ 1,5 milhão em 2021 e US$ 3,5 milhões em 2022.
Agora, em junho de 2025, a Omnisient acaba de concluir a rodada Série A, com um total de US$ 12,5 milhões captados, destinados à expansão internacional e ao desenvolvimento contínuo do produto.
Esse aporte contou com investimento estratégico da Arise, um fundo que investe em bancos líderes na África, e que tem como foco a promoção da inclusão financeira no continente. "Essa parceria vai nos ajudar a levar nossa solução a novos mercados e ampliar nosso impacto”, explica o CEO.
E nessa expansão internacional está o Brasil. Recém-chegados por aqui, a fintech garante que já fechou parceria com uma grande varejista. “Você pode considerar que as top cinco varejistas que a gente tem hoje no Brasil, estamos conversando”, comenta Iorio.
Para o CEO, depois de comprovarem o impacto da plataforma na África do Sul, o Brasil “surgiu naturalmente como o próximo passo”.
“O Brasil compartilha muitos dos desafios estruturais da África do Sul: grande parcela da população desbancarizada, desigualdade de renda e, ao mesmo tempo, setores de varejo e financeiro bem desenvolvidos. Mas é um mercado muito maior, o que amplia a escala do impacto possível e da inclusão financeira”, comenta Jacobson.
Segundo Grutzmacher, o que também torna o Brasil especialmente atrativo é o seu nível de maturidade em dados. Isso é essencial, porque a tecnologia da Omnisient não atua dentro da estrutura interna de uma empresa: ela permite a colaboração entre diferentes empresas.
“E para isso funcionar, cada parte precisa saber como extrair, preparar e proteger seus próprios dados de maneira eficiente. Por isso, antes de tudo, é preciso que os parceiros saibam trabalhar bem com seus dados, e o Brasil tem esse preparo.”
E a última novidade da empresa é que, nesta semana, a TransUnion se tornou sócia minoritária e parceira estratégica global da Omnisient. Como parte da parceria, a TransUnion vai distribuir a plataforma, APIs e casos de uso com dados alternativos através de sua rede global.
“Omnisient” que remete ao conceito de “onisciência”, ou seja, o conhecimento amplo e profundo, também quer ser onipresente: a base de dados da companhia já conta com 200 milhões de consumidores, de mais de 100 empresas, com dados, principalmente, dos Emirados Árabes, Reino Unido, Estados Unidos e Brasil.