Proteção: quando a política dita o tom do mercado, a imponderanbilidade é levada ao limite (Thinkstock/BrianAJackson)
Da Redação
Publicado em 24 de março de 2016 às 09h03.
São Paulo - O noticiário político tem surpreendido até os brasileiros mais calejados, que já viveram episódios nada triviais, como um golpe militar, o confisco da poupança, uma inflação anual de 2.477% e um impeachment. Na atual maré de incertezas, só uma coisa parece certa: qualquer expectativa pode estar redondamente errada.
Todas essas mudanças exigem que o investidor incorpore uma nova postura para encarar transformações repentinas e constantes no mercado. Mas, até que ponto tudo isso é inédito e deve ser considerado como tal? E como guiar as decisões financeiras para passar por essa turbulência toda sem arranhões? EXAME.com consultou economistas e profissionais de mercado para buscar essas respostas. Confira a seguir.
Contexto
Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, acredita que, de fato, o Brasil nunca passou por situação parecida antes. “A gravidade da crise econômica é inédita e também vemos um ineditismo no quadro político: o governo simplesmente perdeu a capacidade de governar”, diz.
O consultor de investimentos Paulo Bittencourt destaca que a bolsa e o mercado de câmbio têm oscilado do inferno ao céu a cada nova notícia, o que coloca o investidor em uma posição delicada e cercada de altos riscos.
“Não existe um arcabouço de fundamentos para guiar o investidor agora. É como se ele estivesse em um cassino e só porque viu as últimas rodadas apostasse nas bolas pretas ou vermelhas: se ele repetir esse processo infinitamente ele terá 50% de chances de acertar ou errar, mas o seu caixa vai acabar porque os recursos são finitos”, afirma o consultor.
Se antes os investidores trabalhavam com dados como expectativa de inflação, juros e PIB para tomar suas decisões, agora é necessário trabalhar com uma nova variável: a imponderabilidade.
Ainda que o noticiário sempre traga surpresas, as revelações da Operação Lava Jato, a divulgação dos polêmicos grampos telefônicos do ex-presidente Lula e os rumores sobre impeachment parecem ultrapassar o nível do inesperado.
Zeina Latif concorda que a política tem ditado as regras do jogo no mercado, mas em sua opinião nada disso aconteceria não fosse a crise econômica. “O país poderia estar cheio de escândalos, mas se estivesse crescendo essas questões ficariam em segundo plano. Em 2015, o país estava indo para o buraco e os partidos estavam discutindo picuinhas. Era razoável que o setor produtivo e a sociedade reagissem. A economia em crise empurra para soluções políticas”.
A famosa frase de James Carville, estrategista de Bill Clinton que apostou que George Bush - que gozava de alta popularidade após vencer a Guerra do Golfo - perderia as eleições americanas de 1992 por causa da recessão resume o sentimento que paira no ar: “É a economia, estúpido”.
Os indicadores não deixam muitas dúvidas: a economia brasileira está vivendo alguns de seus piores anos. Ricardo Amorim, economista e diretor da Ricam Consultoria, compilou dados do IPEA e do IBGE que mostram que, se a queda de 3,6% no PIB esperada para este ano se concretizar, a economia registrará seu pior resultado médio em um triênio desde 1900.
No gráfico abaixo, elaborado por Amorim, é possível ver que os triênios iniciados em 1930, 1980 e 1990 registraram uma queda média do PIB de 1,4%, 2,1% e 1,3%, respectivamente. São resultados melhores do que a queda média esperada de 2,5% para o triênio que se encerrará em 2016.
“O país nunca teve uma queda acumulada tão aguda. Para resolver a questão fiscal, existem dois caminhos: corte de gastos do governo, e a Dilma não fará isso porque não é a linha dela; ou aumento de impostos, e o Congresso não deixa”, comenta Amorim.
Hora de vender ou comprar?
Com um quadro que combina grandes incertezas, pessimismo e surpresas nada óbvias, onde o investidor deve se posicionar?
Para Amorim, a bolsa está muito barata e representa uma oportunidade de ganho no longo prazo. “Para quem tem alguma convicção se a Dilma cai ou não é simples: acha que a Dilma vai cair? Compre bolsa porque se acontecer o mercado terá forte alta com a expectativa de mudanças na política econômica, melhora da economia e dos lucros das empresas. Acha que a Dilma não vai cair? Fique longe da bolsa porque com ela no poder e sem ajuste fiscal, não haverá retomada da confiança e os investimentos das empresas e o consumo continuarão em baixa, com impactos negativos nos resultados das empresas”, diz.
Por mais que a novela do impeachment tome rumos totalmente imprevisíveis a cada capítulo, consultorias arriscam seus palpites. Reportagem do jornal Folha de S.Paulo destaca que a probabilidade de impeachment é de 70% para as consultorias MB Associados e Tendências e de 65% a 75% para a consultoria norte-americana Eurasia.
Estimativas à parte, é essencial entender a complexidade do mercado financeiro e ter em mente que seus movimentos podem não ser tão óbvios. “Um mercado como o de trigo, por exemplo, segue um padrão internacional, então as pessoas envolvidas têm mais ou menos o mesmo nível de informação. Já o mercado financeiro é mais fluido, existe uma assimetria de informações”, afirma Paulo Bittencourt.
Uma analogia muito usada para explicar o mercado, segundo Bittencourt, é o movimento do oceano, que tem ondas de diferentes frequências. Quem conhece seus movimentos sabe que as ondas curtas indicam que uma tempestade virá, mas quem não conhece só percebe a tempestade quando ela de fato chega.
Algo parecido acontece no mercado financeiro: alguns participantes, que percebem as ondas curtas, se movem mais rápido que outros, que não conhecem a fundo seus movimentos. “Alguns participantes do mercado captam a informação primeiro e operam e outros vêm meio a reboque. No final, ambos se encontram na praia, mas o que diferencia seus ganhos é o momento em que eles operam”, diz Paulo Bittencourt.
A questão é que agora nem mesmo os marinheiros mais experientes estão conseguindo antecipar tempestades já que diversas premissas caíram por terra. Ainda que o mercado seja sempre imprevisível, antes da crise era possível contar com certa dose de ponderabilidade no sentido de que os períodos dos mandatos tinham data certa para começar e terminar e os políticos que estariam no cargo durante os quatro anos do governo eram conhecidos.
Agora já não é possível mais trabalhar com base nessa sustentação política. “Os fenômenos políticos mandam ventos que não estavam no contexto e que criam perturbações em outras áreas”, afirma Bittencourt.
Proteja-se contra riscos extremos
Para aqueles que não têm sangue frio para lidar com surpresas desagradáveis, uma boa saída pode ser um plano de contingência para se proteger contra riscos extremos, por mais que isso implique abrir mão de uma oportunidade de ganho.
Se uma família, por exemplo, tem a possibilidade de pagar as despesas de uma viagem em dólar obtendo 10% de desconto, mas está em dúvida se deve esperar uma cotação melhor, já que a moeda aos 3,68 reais não está exatamente barata, talvez seja o caso de não arriscar neste momento.
“Como existem prós e contras, é preferível ficar na ponta que limita o prejuízo. Ao fechar a viagem agora, a chance de pagar as despesas com uma cotação mais favorável se perde, mas ao mesmo tempo a família afasta um risco extremo, que existe, de a moeda subir a 5 reais e inviabilizar a viagem”, recomenda Paulo Bittencourt.
Esse tipo de decisão talvez seja indicado a pessoas que têm uma postura mais conservadora e não toleram correr nenhum tipo de perda. Porém, um investidor com maior apetite ao risco poderia comprar a moeda aos poucos e combinar consigo mesmo que toda vez que o dólar cair a uma cotação "X", uma parcela dos recursos necessários será comprada.
Um comportamento mais reflexivo pode ajudar
Fazer um planejamento para se blindar contra peças que a sua própria mente pode pregar é uma atitude muito encorajada no âmbito das finanças comportamentais, vertente da psicologia econômica que investiga as emoções por trás das decisões financeiras.
Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia de 2002 e um dos principais nomes das finanças comportamentais, diz que o nosso pensamento se divide em duas partes: uma rápida, criativa, intuitiva e emocional e outra lenta, analítica, deliberativa e lógica. Como temos o ímpeto de responder pela forma rápida para evitar a dor e buscar o prazer, nosso desafio é trabalhar o lado financeiro devagar.
Assim, diante de circunstâncias que dificultam a tomada de decisão, como as atuais, agir com o pensamento devagar é uma orientação que pode se encaixar nas mais diversas decisões.
Vigie suas emoções
Vera Rita de Mello Ferreira, consultora e professora de psicologia econômica e membro do Núcleo de Estudos Comportamentais da CVM, é uma das principais estudiosas das finanças comportamentais no Brasil. Sua principal recomendação para quem busca organizar o pensamento neste cenário de crise é evitar seguir a manada. “Com essa polarização absoluta, o investidor pode acabar dando ouvido de forma indiscriminada a quem tem uma posição política parecida com a dele e misturar as coisas, investindo onde não deveria”, diz.
A professora também recomenda evitar o comportamento de aversão à perda, tipo de atitude que pode levar o investidor a manter um ativo que está em queda por não querer realizar o prejuízo.
A queda de preços no mercado imobiliário, por exemplo, pode levar um investidor a postergar a venda do seu imóvel para evitar que a transação ocorra com desconto. No entanto, ao manter o imóvel e seus custos de condomínio, ele pode perder mais dinheiro do que se abrisse mão do bem a um preço menor.
Com tantas emoções influenciando o mercado, Vera Rita diz que se a decisão de investimento não precisar ser tomada com urgência, o ideal é esperar para agir com calma e buscar a opinião de profissionais de mercado, que podem saber melhor como separar fatos de rumores.
Atitudes irracionais, como as citadas acima, encontram um campo fértil para germinar em momentos de crise, quando a sobrecarga de informações é levada ao limite. "Com as notícias políticas ocupando boa parte do nosso tempo, não sobra cabeça para outras coisas. É como se tivéssemos que girar 500 pratinhos ao mesmo tempo, a cognição fica prejudicada e provoca uma espécie de curto-circuito", diz Vera Rita.