Quem recebe uma bolada em uma ação judicial deve separar valores tributáveis e não tributáveis (GettyImages)
Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2012 às 13h23.
São Paulo – Se sobreviver a um arrastado processo judicial não é fácil, pode ser ainda mais complicado declarar os valores recebidos ao ganhar uma ação. Para cada tipo de ação judicial existem regras específicas sobre o que é ou não é tributável e onde cada valor deve ser declarado. Mas atenção: só se deve declarar a quantia no ano em que ela for de fato resgatada na boca do caixa.
A regra geral é que tudo que é considerado verba indenizatória não é tributável, e deve ser declarado como Rendimentos Isentos e Não Tributáveis. No caso de ações judiciais, como o valor é depositado em juízo e liberado pelo banco, a fonte pagadora é a instituição financeira, devendo constar seu nome e CNPJ.
A Lei entende que verbas indenizatórias não constituem renda, e, portanto, não devem ser tributadas. Renda são os valores recebidos em um determinado período que tendem a aumentar seu patrimônio; a indenização, porém, nada mais é que uma recomposição do seu patrimônio – algo que deveria ter sido pago no passado e não foi, ou uma compensação por uma perda material ou emocional, por exemplo.
O problema é separar o que é verba indenizatória e o que não é. Dentro dos valores pagos por uma empresa em uma ação trabalhista, por exemplo, podem constar pagamentos a título de indenização e outros que não sejam considerados como tal. No caso de acordos extrajudiciais, a questão é ainda mais nebulosa – as partes precisam definir, no ato do acordo, o que é e o que não é indenização.
Outra regra geral é que, quando for o caso, os honorários advocatícios podem ser deduzidos do valor líquido recebido a título de rendimento tributável – ou seja, valores não indenizatórios. Esse tipo de rendimento costuma existir em ações trabalhistas e ações de aposentadoria na esfera federal, em que existe uma parte tributável e outra não tributável.
O abatimento dos honorários é feito da seguinte forma: o contribuinte declara o valor pago a título de honorários na ficha de “Pagamentos e Doações Efetuados”, sob os códigos 60 ou 61, referentes, respectivamente, a honorários advocatícios referentes a processos trabalhistas e não trabalhistas, respectivamente.
Veja a seguir as especificidades de cada tipo de processo ou de indenização na hora de declarar os valores recebidos no IR:
Danos morais
Valores recebidos a título de danos morais são verbas indenizatórias, não importando se a origem é uma ação trabalhista, de aposentadoria ou qualquer outro tipo de ação judicial. A Justiça, na figura do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconhece esses valores como indenização, assim como a própria Procuradoria da Fazenda. Acontece que a Receita Federal ainda não reconhece a quantia recebida por danos morais como verba indenizatória em seus procedimentos.
Ou seja, o contribuinte fica entre a cruz e a espada. O correto seria declarar os valores recebidos a título de danos morais como Rendimentos Isentos e Não Tributáveis; contudo, como a Receita os enxerga como rendimentos tributáveis, certamente o contribuinte vai cair na malha fina se assim o fizer. Porém, o contribuinte não será cobrado judicialmente, uma vez que a responsável pela cobrança – a Fazenda – reconhece a verba como indenizatória.
“Inclusive na seção de perguntas e respostas sobre IR consta que verbas recebidas por danos morais devem ser declaradas como renda tributável”, diz Leonardo Pessoa, professor de Direito Tributário do IBMEC-RJ. “Minha orientação é declarar a quantia como Rendimentos Isentos e Não Tributáveis, porque isso já está reconhecido pela Justiça”, diz.
Pessoa explica que, ao cair na malha fina, o contribuinte deve recorrer. Mesmo que perca na esfera administrativa, a cobrança não será levada à Justiça pela Fazenda. “Até que todo o processo administrativo seja concluído, a Receita provavelmente já terá se atualizado na questão. Acredito que isso seja uma questão de tempo”, diz o professor. Ainda assim, se o nome do contribuinte for inscrito na Dívida Ativa da União, ele terá que entrar na Justiça para não permanecer inadimplente.
Ter essa indisposição pode ou não valer a pena. Se a quantia recebida for pequena, o imposto a pagar também será, e pode valer mais a pena declarar os valores como rendimentos tributáveis. Contudo, se o valor da indenização for grande, pode valer mais a pena seguir a orientação do especialista. Para indenizações milionárias, o imposto a pagar será de centenas de milhares de reais.
Ações trabalhistas
O dinheiro recebido ao ganhar uma ação trabalhista possui regras específicas de declaração. No montante pode constar uma série de valores, como juros e correção monetária, FGTS, multa, décimo terceiro salário, férias, aviso prévio, horas extras e danos morais. A quantia é resgatada de uma só vez, e no bolo se confundem todos esses valores. Porém, é necessário ter a discriminação de todos eles separadamente, a fim de declará-los corretamente.
O seu advogado deve, portanto, entregar-lhe a planilha que consta dos autos, com a discriminação de cada quantia. Na hora de declarar, é preciso separar do bolo os juros, o FGTS, indenização sobre o décimo terceiro (os valores que não foram pagos na época em que o trabalhador estava empregado), as férias indenizadas (também os valores não pagos na época em que o trabalhador estava empregado) e o aviso prévio.
Esses valores devem, em seguida, ser declarados em “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”, pois constituem a parte indenizatória da bolada que o contribuinte levou. O restante será declarado na ficha de número 11, “Rendimentos Recebidos Acumuladamente – RRA”. Declarar nesse campo é o que garante que o contribuinte vai se enquadrar na faixa de tributação que seria utilizada caso ele tivesse recebido os valores mensalmente enquanto ainda trabalhava na empresa ré – o que teria sido o correto. Se declarar o valor como rendimento tributável comum, o contribuinte vai cair na faixa da alíquota de 27,5%.
Era o que ocorria até fevereiro de 2011. Mas a Justiça considerou esse tipo de tributação injusta, pois o ganhador da ação deveria ter recebido aqueles valores de maneira fracionada enquanto ainda trabalhava na empresa. Em função disso, a Receita Federal publicou, em fevereiro do ano passado, a Instrução Normativa número 1.127, em que reconhece que os rendimentos tributáveis recebidos ao se ganhar uma ação trabalhista devem ser divididos pelo número de meses durante os quais o trabalhador esteve vinculado a empresa. Em seguida, deve incidir a alíquota referente à faixa de renda mensal em que o contribuinte se enquadraria.
“Pela regra antiga, se o sujeito recebesse 1.000.000 de reais de renda tributável, teria que pagar 275.000 reais só de IR. Hoje em dia, muita gente que seria tributada em alíquotas mais altas, pela nova regra já se enquadra até como isento”, observa o professor. É por isso que é preciso declarar como RRA. Esse campo já existia no ano passado, pois a Instrução Normativa reconheceu que a nova regra deveria valer a partir de 28 de julho de 2010. Mas segundo Leonardo Pessoa, muita gente ainda não sabia disso e acabou declarando tudo como rendimento tributável comum.
“Se no cálculo do IR incidir a alíquota errada, por desinformação do juiz, o contribuinte deve impugná-lo, mostrar que a Instrução Normativa lhe garante o direito a outra alíquota e pedir novo cálculo”, orienta Pessoa.
O pagamento do IR sobre a parcela de rendimento tributável recebida por quem ganhou a ação é de responsabilidade da fonte pagadora. Então, o contribuinte não precisa se preocupar com essa parte. Na declaração, deve informar como fonte pagadora o nome e o CNPJ do banco, tanto para o que é RRA quanto para os rendimentos não tributáveis. Já o que for recebido a título de dano moral deve ser declarado conforme a regra já descrita acima.
Ações referentes a aposentadorias e pensões
O funcionamento das ações de pensionistas e aposentados é parecido, em termos de IR. Uma ação como essa pode ser movida se, por exemplo, a pessoa tiver um pedido de aposentadoria negado. Ou então quando ocorre revisão de cálculo. Se ganhar a causa, essa pessoa terá direito a receber todas as quantias que deveria ter recebido desde o pedido de aposentadoria ou revisão até a conclusão do processo. “Se o processo se arrastar por dez anos, você vai ter direito a receber as quantias que deveriam ter sido pagas nesses dez anos”, explica Pessoa.
Assim como nas ações trabalhistas, o ganhador da ação deve obter com seu advogado a planilha de cálculo que consta dos autos e separar os juros e a multa do principal. Além, é claro, de deduzir os honorários. Tudo que é referente a juros e multa será declarado como “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”. O restante, sem os honorários, como “Rendimentos Recebidos Acumuladamente” - RRA. A fonte pagadora é o banco, e deve constar seu CNPJ. Se houver dano moral, as quantias referentes a ele devem ser declaradas como já descrito acima.
Outras ações judiciais
Em outras ações judiciais, os valores recebidos a título de dano material são todos considerados verba indenizatória, devendo ser declarados como “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”. É o que ocorre, por exemplo, em processos movidos contra empresas que tenham infringido direitos do consumidor. Eventuais valores referentes a danos morais também devem ser declarados conforme o descrito acima para esse tipo de quantia. Novamente, é preciso declarar o banco como a fonte pagadora, com seu nome e CNPJ.
Acordos extrajudiciais
No caso de acordos extrajudiciais, devem ser estabelecidos, no ato do acordo, quais valores são indenizatórios e quais não são, para que cada um deles seja discriminado em campo próprio, de acordo com as regras já descritas acima. “Se não for feita essa discriminação, será preciso pagar IR sobre todo o montante”, diz Leonardo Pessoa.
Já a fonte pagadora pode ser discriminada de duas formas: se ficou estabelecido que o réu deve depositar o valor na conta de quem ganhou a ação, a fonte pagadora é o próprio réu – pessoa física ou jurídica, com seu respectivo CPF ou CNPJ. Contudo, se a quantia já estiver garantida por depósito prévio feito em juízo, vale a regra dos casos judiciais: a fonte pagadora é o banco, devendo ser discriminado seu nome e CNPJ.