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Chef prova que 'marmitas gourmet' trazem satisfação e economia (das grandes) para quem trabalha fora

Rui Morschel, cozinheiro e ex-MasterChef detalha seu sucesso em meio à alta procura por conteúdos de comida feita em casa; especialista da FGV explica as vantagens da prática para aqueles que estão no trabalho presencial

Rui Morschel: curitibano ganhou notoriedade no MasterChef e se dedica atualmente à produção de conteúdo sobre gastronomia  (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Rui Morschel: curitibano ganhou notoriedade no MasterChef e se dedica atualmente à produção de conteúdo sobre gastronomia (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Mateus Omena
Mateus Omena

Repórter

Publicado em 9 de abril de 2025 às 06h29.

Última atualização em 9 de abril de 2025 às 10h22.

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A maior parte dos trabalhadores brasileiros (56% do total) leva marmita ou lanche para se alimentar no ambiente de trabalho, segundo a pesquisa Panorama da Alimentação no Trabalho,  realizada pelo Instituto QualiBest. Com o retorno ao trabalho presencial e o aumento dos custos de comer fora, as "marmitas gourmet" se tornaram populares entre aqueles que procuram refeições mais sofisticados e que podem ser preparados em casa.

Essa preferência ganhou destaque nas redes sociais, com produtores de conteúdo compartilhando receitas diferenciadas — com o mesmo capricho de restaurantes finos —, elaboradas especialmente para os potinhos de marmita. Muitas deles vão além da tradicional combinação de arroz com feijão, e dão espaço para ingredientes pouco usados na vida rotineira. É nessa onda que influenciadores como Rui Morschel se tornaram referências, oferecendo receitas refinadas e práticas para quem vive na correria, mas faz questão de comer da melhor maneira possível.

O cozinheiro de 33 anos se tornou conhecido na internet após sua participação na 5ª edição do MasterChef Brasil (exibido pela rede Bandeirantes), em 2018. Na época do programa, ele somava 150 mil seguidores no Instagram, mas foi durante a pandemia que seu perfil disparou. Atualmente, ele já ultrapassa a marca de 1,2 milhão de seguidores na rede social e mais de 47 mil inscritos em seu canal no YouTube.

Engenheiro de formação, o paranaense descobriu a paixão pela gastronomia ao adotar o hábito de preparar as próprias marmitas para os almoços no trabalho. Aos poucos, o costume ganhou função terapêutica, por ajudá-lo a fugir do estresse do antigo emprego como gerente de projetos no mercado financeiro, em São Paulo.

"Em 2017, comecei a trabalhar para um banco e passava 14 horas no escritório. Chegava em casa por volta das 22h e ficava horas cozinhando minhas refeições para os próximos dias. Eram os meus momentos para relaxar", recorda Morschel, em entrevista à EXAME.

"Entrei nas redes sociais por um empurrão de uma amiga, que me aconselhou a divulgar fotos das minhas receitas no Instagram, na época do lançamento do carrossel para os posts. Entre 2017 e 2018, meu perfil cresceu bastante, com as pessoas interagindo com as minhas fotos e meus stories. Em 2018, essa mesma amiga insistiu que eu tinha que ir além, e me inscreveu no MasterChef."

A participação no reality show deu a Morschel a coragem para transformar a gastronomia em profissão. "Fiz a transição de carreira nesse período. Isso exigiu muito planejamento. Economizei bastante dinheiro para me manter durante um longo tempo sem emprego fixo e me arrisquei. De lá para cá, fiz muitas coisas. Estudei, já dei consultoria e trabalhei como cozinheiro em restaurantes. Hoje, estou empreendendo com conteúdos dos meus canais digitais, de onde vem a minha renda principal".

Em seus perfis, o cozinheiro traz receitas refinadas, como Bacalhau à Lagareiro, Focaccia sem glúten e Tartiflete. Até outras mais conhecidas em casa, como Strogonoff, lombo assado e diversos tipos de saladas. No canal do YouTube, Morschel apresenta a série "Marmitas do Ruizão", com vídeos curtos que ensinam detalhadamente o preparo de pratos para levar no horário do almoço. Com opções geralmente encontrados em restaurantes, que variam do Boeuf Bourguignon (clássico da culinária francesa) até massas italianas e receitas vegetarianas.

O chef conta que a produção de vídeos de receitas para marmitas se tornou uma de suas principais estratégias para as redes sociais, após acompanhar os feedbacks de seus seguidores. "Além do consumo de conteúdos, as pessoas passaram a confiar mais nos influenciadores digitais. E a gastronomia se aproveitou disso. A inflação e o aumento do custo de vida forçaram muitas pessoas a cozinharem em casa, e essa mudança se ligou ao desejo delas de comer bem. Minha missão é mostrar que isso é possível."

As marmitas conquistaram o high society?

A 'febre' por conteúdos de "marmitas gourmet" acompanha as tranformações no consumo e na vida profissional dos brasileiros. De acordo com um recente estudo da Kantar Consultoria, o custo das refeições fora de casa subiu 23%, no mesmo momento em que o retorno ao trabalho presencial ganhou força, entre o quarto trimestre de 2022 e o mesmo período de 2023.

As condições impostas pela pandemia levaram as pessoas a buscar uma alimentação mais saudável, incluindo as classes A e B. Entre os consumidores de maior renda, a adoção desse comportamento foi motivada pelo desejo de uma rotina mais equilibrada e com benefícios ao estilo de vida.

O levantamento aponta que, entre 2022 e 2023, o número de vezes em que pessoas das classes mais altas levaram comida de casa para os escritórios teve um crescimento expressivo de 112% — saltando de 46 milhões para 98,3 milhões de ocasiões por semana. Com isso, a participação desses consumidores que adotam a prática, incluindo lanches e bebidas como sucos, aumentou de 36,5% para 41,5%.

Embora não possa mensurar quais classes são mais impactadas por seu trabalho, Rui Morschel acredita que os conteúdos de marmitas se tornaram virais na internet pela necessidade das pessoas por soluções rápidas para uma rotina cada vez mais complexa. "Quando morava sozinho, cozinhava coisas que realmente gostava em uma quantidade que durasse dias e o que sobrava eu guardava para levar ao trabalho. Então, quis levar essa praticidade para internet e muitas pessoas rapidamente se conectaram com isso".

'Cozinhar não é um bicho de sete cabeças'

Mesmo assim, o chef percebeu que a maioria dos seguidores segue suas receitas apenas uma vez e essa resistência é provocada pela falta de disponibilidade para cozinhar. "As pessoas não querem ficar tanto tempo em frente a um fogão, principalmente para pratos que já conhecem. Por isso, trago alternativas aos pratos triviais. Mostro, por exemplo, que fazer uma carbonara é mais simples e rápido do que imagina, basta ver o que tem na sua dispensa. Quero convencer as pessoas que vale a pena dedicar tempo para cozinhar aqueles pratos caprichados do fim de semana, pensando também nas refeições dos dias úteis".

Nesse desafio, as habilidades adquiridas no antigo emprego, como comunicação e oratória, fazem a diferença ao descomplicar o preparo de receitas. "No fundo, o que as pessoas procuram é identificação e aprendizado. Muitos seguidores já escreveram para mim elogiando minha didática e clareza ao mostrar como é fácil preparar um prato que veio de um restaurante renomado. Elas entendem que cozinhar não é um bicho de sete cabeças."

Para conquistar o público, Rui também esclarece em seus vídeos não apenas o tempo de preparo de cada receita, como também o custo por porção dos ingredientes. "São informações que estão presentes em todos os meus conteúdos. Mesmo que a maioria dos brasileiros tenha dificuldade de fazer planejamento financeiro na hora das compras, acho necessário mostrar que preparar algo refinado não é tão caro como parece".

As marmitas sempre foram usadas para driblar o alto custo de comer fora, mas Morschel acredita que a gourmetização das 'quentinhas' deu um novo valor a elas. "A ideia da marmita barata em isopor, muitas vezes associada aos trabalhadores de baixa renda, ficou para trás. As pessoas obviamente sempre vão querer opções que não pesem tanto no bolso. Mesmo assim, as marmitas ganham novo significado desde que a qualidade e o valor nutricional sejam prioridades. Além da otimização que elas trazem para a rotina."

IPCA-15 fica em 0,64% em março, pressionado por preço dos alimentos e combustíveis

Levar marmita é realmente vantajoso para as finanças?

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), indicador que é a prévia da inflação oficial do Brasil, fechou o mês de março em 0,64%. Segundo o IBGE, o resultado foi influenciado, principalmente, pelos grupos de Alimentação e bebidas, com alta de 1,09% e impacto de 0,24 p.p. no índice geral.

A alimentação no domicílio subiu 1,25% em março, aceleração de 0,63% frente ao mês de fevereiro. Entre os itens que mais contribuíram para a alta estão o ovo de galinha (19,44%), o tomate (12,57%), o café moído (8,53%) e as frutas (1,96%). A alimentação fora do domicílio também subiu, de 0,56% em fevereiro para 0,66% em março . A principal contribuição veio da alta nas refeições servidas em restaurantes, que passaram de 0,43% para 0,62%.

Para economizar em meio ao aumento dos preços dos alimentos e à alta da inflação, levar marmitas para o trabalho ou faculdade se tornou uma prática quase indispensável na rotina de muitos brasileiros.

"Comer fora de casa sempre foi um desafio, tanto pelo preço dos alimentos, quanto pelas taxas de serviço. As despesas com supermercado estão subindo mais que a inflação média. Tudo isso impacta o custo de vida no momento em que as empresas deixam de lado os modelos de trabalho híbrido e home office", comenta André Braz, economista e coordenador de Índices de Preços do FGV Ibre.

O especialista conta que, para driblar os custos de serviços de alimentação, muitas pessoas também têm recorrido às marmitas para refeições durante o lazer em locais públicos. Mas, essa solução pode ter um custo elevado. "Levar comida para praias e parques sempre foi costume entre famílias, só ficou mais intenso recentemente. Mesmo que a preparação dos alimentos em casa traga um controle financeiro, essa tática tem um preço, porque houve gasto de dinheiro, de gás de cozinha, eletricidade e tempo".

Outra variável ressaltada por Braz envolve os alimentos escolhidos para as refeições, principalmente as "marmitas gourmet", com pratos refinados semelhantes aos encontrados em restaurantes. "Esse estilo ganhou impulso com as redes sociais. Essas marmitas continuam sendo opções econômicas, mas o que pode doer nas finanças dos brasileiros é a quantidade das proteínas, como carnes, peixes e ovos, pois ficaram mais caros", explica.

E reforça: "Hortaliças, frutas e legumes tiveram aumento com a inflação, porém em uma proporção menor. Embora o consumidor queira um prato mais especial, com salmão e acompanhamentos, por exemplo, ele pagaria em média R$ 70 em um restaurante, enquanto em casa, levando em conta o controle da proporção e dos recursos para o preparo, esse mesmo prato sairia por pelo menos R$ 30. Então, a marmita gourmet tem suas vantagens. "

Para economizar o máximo possível na hora das compras, o economista recomenda: "Não deixe de ir ao supermercado sem uma lista dos itens que pretende levar. Muitas pessoas caem na armadilha de não se organizar. Além disso, sempre fique atento às promoções entre estabelecimentos concorrentes, pois essa disputa pode mostrar onde é mais vantajoso comprar. Use a internet para pesquisar onde determinados alimentos estão mais baratos. Priorize frutas, legumes e hortaliças da estação. E, por último, dê uma chance aos atacadistas, que geralmente oferecem produtos por preços mais atraentes."

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