Pessoas brigando: direitos dos herdeiros não podem ser anulados por ameaças, vendas desconhecidas ou falta de inventário (T Turovska/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 23 de abril de 2024 às 06h00.
Última atualização em 24 de abril de 2024 às 12h19.
Brigas entre irmãos e meio-irmãos, doações desconhecidas pelos demais herdeiros antes da morte, cônjuge que não aceita a separação, posse de imóveis antes do inventário: o momento da herança pode ser conflituoso e deixar herdeiros exasperados. Contudo, na falta de um acordo cordial, mesmo os casos mais 'cabeludos' têm solução na Justiça.
É o que apontam os advogados Samir Choaib, sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo, Advogados Associados, e Marcelo Tapai, sócio do escritório Tapai Advogados. Ambos respondem semanalmente às dúvidas sobre herança de leitores da EXAME.
O problema é que algumas ações judiciais têm prazo de prescrição. Ou seja, se tornam nulas quando se passa muito tempo desde a morte do detentor dos bens divisíveis. Portanto, mesmo que seja difícil encarar alguns conflitos, os herdeiros devem buscar soluções o quanto antes. Isso porque, passados esses prazos prescricionais, o herdeiro pode perder o direito a reclamar o seu quinhão da herança ou até ficar sujeito a encargos governamentais.
Veja abaixo oito casos 'cabeludos' que envolvem herança e suas respectivas soluções:
Resposta de Samir Choaib
Inicialmente, consoante previsto no artigo 1.791 do Código Civil, “A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros”, sendo certo que até a partilha dos bens, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e à posse da herança, será indivisível, regulamentando-se pelas normas relativas ao condomínio.
Assim, independentemente do tempo decorrido após a morte da genitora em questão, os bens por ela deixados só poderão ser legalmente transmitidos para seus herdeiros após realizada a partilha de bens em sede de inventário. Do mesmo modo, nenhum sucessor tem direito imediato a bem exclusivo da herança, sendo necessário a realização de inventário, judicial ou extrajudicial, para assim determinar o destino do patrimônio da pessoa falecida.
Portanto, se um herdeiro recebeu frutos do acervo patrimonial mais do que o outro, ainda que de boa-fé, deve devolver, de modo que cada um receba o valor de forma igualitária, o mesmo valendo para a hipótese daquele herdeiro que ocupa exclusivamente imóvel deixado pelo falecido, uma vez que deverá pagar aos demais valores a título de aluguel proporcional, quando demonstrada a sua ocupação exclusiva (REsp nº 1.704.528/SP).
Para tanto, faz-se necessário ingressar judicialmente com Ação Arbitramento de aluguel em face seus irmãos, justificado pelo uso exclusivo o bem imóvel ainda não partilhado, sendo certo que tal ação possui prazo prescricional de 3 anos, contados a partir da notificação a ser encaminhada aos demais herdeiros, em razão do não recebimento de sua parte nos frutos do acervo hereditário.
Por sua vez, o prazo para propositura da Ação de Inventário ou realização de Inventário Extrajudicial é de 60 dias contados a partir da data do óbito, o que não impede a sua propositura após decorrido o período fixado, mas acarretará a imposição de encargos fiscais estabelecidos pela Fazenda Pública do Estado em que será realizada a partilha, e/ou onde estiver situado eventual bem imóvel deixado pela falecida.
Sobre a falta de condição para a ingressar com ação no judiciário, existe no ordenamento jurídico a possibilidade de dispensa do pagamento das despesas processuais, mediante declaração de hipossuficiência, também conhecida como ‘declaração de pobreza’. Além disso, o inciso LXXIX, do artigo 5º da Constituição Federal, prevê a possibilidade de assistência judiciária gratuita, sendo fornecido assim um defensor público.
Resposta de Marcelo Tapai
Os bens que integram a herança pertencem aos herdeiros a partir do falecimento. Porém são indivisíveis até que seja determinada a partilha.
Deste modo, se um dos herdeiros se apoderar de um imóvel deixado pelo falecido, excluindo o direito dos demais, é possível ingressar com uma medida judicial para reaver a posse do bem.
Além disso, o herdeiro que ocupa o imóvel objeto de herança, sem o consentimento dos demais herdeiros, deverá indenizá-los pelo valor do aluguel proporcional ao período em que perdurar a ocupação exclusiva do bem. Em outras palavras, os demais herdeiros poderão exigir o pagamento de aluguel daquele que está usando o imóvel de forma exclusiva.
É importante destacar que se houver o uso indevido do imóvel, aqueles que se sentirem lesados deverão agir o quanto antes, pois o pagamento do aluguel será exigível somente depois do questionamento formal dos demais herdeiros. Por isso, é recomendável o envio de uma notificação extrajudicial. Não solucionado o problema, será necessário ingressar com uma ação judicial para resolver a questão.
Resposta de Samir Choaib
Todos os filhos de qualquer natureza, nascidos durante ou fora do casamento, são iguais perante a lei e possuem os mesmos direitos para efeitos sucessórios, razão pela qual não podem ser excluídos da herança, ressalvados os casos graves de exclusão por indignidade declarada judicialmente ou por deserdação decorrente de ato de vontade manifestada em testamento.
Por sua vez, o reconhecimento de paternidade, independentemente de ser voluntário ou determinado judicialmente, não pode ser revogado, nem mesmo quando revogado o testamento, ocasião em que subsistirá exclusivamente o reconhecimento da paternidade.
Contudo, em casos de reconhecimento de paternidade decorrente de vício de consentimento (erro, dolo, coação, simulação ou fraude), é possível a desconstituição do registro civil, mediante a propositura de ação negatória de paternidade cumulada com anulação de registro civil, desde que comprovada a falsidade ou erro no ato registral, capaz de ilidir a vontade do indivíduo que acredita ser o pai biológico, bem como comprovada a inexistência de relação socioafetiva entre o filho e o pai registral.
Isso porque, não se pode obrigar o pai registral induzido em erro, manter uma relação com o suposto filho, com quem não criou vinculo socioafetivo, baseada no vício de consentimento, imponde-lhe os deveres de paternidade, sem que o mesmo queira assumir essa posição de maneira voluntária.
Não obstante, quando alguém se declara pai biológico ciente de que não o é, o que se conhece como “adoção à brasileira”, estabelecendo vínculo afetivo com a criança, o interesse desta se sobrepõe a verdade biológica, não sendo possível a anulação do registro de nascimento por vontade do pai registral.
Assim, no caso presente, enquanto não desconstituído o registro civil, por meio de sentença judicial proferida em competente ação anulatória, e desde que comprovado o vício de consentimento e a inexistência do estado de filiação, decorrente de convivência familiar e da afetividade, não se pode afastar a suposta filha de sua herança.
Não obstante, por meio de doação em vida ou testamento, é possível dispor de metade de patrimônio, reservando-se obrigatoriamente às filhas herdeiras a outra metade do patrimônio, denominada ‘legítima’.
Resposta de Marcelo Tapai
Quando um imóvel possuir mais de um proprietário, temos o chamado condomínio. Diferente do que muita gente pensa condomínios não são somente os edifícios, mas qualquer propriedade com mais de um dono.
Se qualquer um desses proprietários de frações ideais não quiser mais ficar com o imóvel, poderá vender a sua parte para um dos condôminos. Se nenhum deles manifestar vontade na compra e não houver unanimidade quanto à venda, qualquer condômino pode ingressar com uma ação judicial para que o juiz determine a venda forçada do imóvel.
Para tanto, será nomeado um perito para avaliar o imóvel, prevalecendo o direito de preferência de aquisição do bem por qualquer dos condôminos. Caso não haja interesse de nenhum deles, então a venda poderá ser realizada a terceiros.
Essa venda, em regra, será realizada por leilão público, inicialmente pelo valor da avaliação. O grande problema é se o imóvel não for arrematado em primeira praça, pois poderá ser vendido em segunda praça por valor inferior ao da avaliação, causando prejuízo a todos os condôminos.
Resposta de Samir Choaib
O herdeiro necessário que não participou do inventário e da partilha de bens e busca receber o seu quinhão hereditário pode, segundo o artigo 1.824 do Código Civil, propor ‘Ação de Petição de Herança’ para reconhecimento do seu direito sucessório e restituição dos bens erroneamente partilhados.
Dessa forma, a ausência de um dos herdeiros na divisão dos bens representa vício insanável na distribuição igualitária dos bens, razão pela qual busca-se por meio da ‘Ação de Petição de Herança’ a nulidade da partilha anteriormente celebrada.
Contudo, tal ação deverá ser proposta pelo herdeiro preterido no prazo de até 10 anos, contados a partir da abertura da sucessão (data do óbito), sob pena de restar prescrito seu direito, consoante previsto no artigo 205 do Código Civil.
Nesse sentido, em consonância com o entendimento do STJ, o prazo prescricional para o ajuizamento da ‘Ação de Petição de Herança’ corre a partir da abertura da sucessão, ainda que o herdeiro não saiba dessa sua condição jurídica ou não tenha conhecimento da morte do autor da herança (AResp de n° 479.648/MS).
Com esse entendimento, sobre o caso em questão, se a abertura da sucessão ocorreu há mais de 10 anos, por mais que o herdeiro não tenha tido conhecimento da morte de seu pai, ocorreu o fenômeno da prescrição, não sendo possível pedir o seu quinhão na herança.
Resposta de Marcelo Tapai
Todos os bens móveis e imóveis deixados pelo falecido integram a herança e devem ser indicados no inventário para futura partilha entre os herdeiros. Antes da partilha nenhum bem poderá ser vendido ou doado.
Sendo assim, um dos herdeiros não pode doar os bens móveis que guarneciam a residência do falecido, sem o consentimento dos demais ou autorização judicial, sob pena de responder pelos prejuízos causados aos demais herdeiros.
Na hipótese de um herdeiro dispor de algum bem, sem a anuência dos demais, poderá perder o direito que teria sobre os bens sonegados, além do dever de indenização aos demais herdeiros prejudicados, se for o caso.
Resposta de Samir Choaib
Inicialmente, cumpre esclarecer que a falta de condição mental para manifestação da vontade, quando não declara previamente por meio de ação de interdição, requer a existência de prova inequívoca e robusta suficiente para comprovar a ausência de capacidade no momento da celebração dos negócios jurídicos.
A eventual debilidade de saúde que leva à dependência do acompanhamento de algum filho ou outro familiar não significa, necessariamente, que a pessoa não pudesse exprimir sua vontade. Assim, a ação de anulação de negócio jurídico imprescinde de absoluta e inquestionável comprovação da falta de saúde mental para a prática dos atos da vida civil.
Não obstante, a pessoa que tenha herdeiros necessários só pode doar até o limite máximo da metade de seu patrimônio, considerando que a outra metade denominada “legítima” pertence aos herdeiros necessários da pessoa doadora, quais sejam: os descendentes (filho, neto, bisneto), os ascendentes (pai, avô, bisavô) e o cônjuge sobrevivente, desde que, ao tempo da morte do outro, não estejam separados de fato há mais de dois anos.
Isso porque, a doação possui limites na lei, sendo, portanto, nula a doação de todos os bens da pessoa sem reserva de parte deles, ou renda suficiente para a sobrevivência do próprio doador.
Além disso, não é possível o doador, no momento da sua liberalidade, doar mais do que poderia dispor em testamento, ou seja, não pode doar mais do que a parte legítima reservada aos herdeiros necessários que, no Brasil, corresponde a 50% do patrimônio, sendo a parte excedente conhecida como doação inoficiosa. Assim, a doação feita tanto a herdeiros necessários, quanto a terceiros, deve obedecer ao teto legal, não havendo distinção. Ultrapassado esse limite, a doação é nula.
Importante dizer que esse excedente é auferido no momento da doação, com base no patrimônio existente naquela data. Portanto, a lei não estabelece a nulidade de toda a doação, mas somente do que exceder a parte disponível. Se a coisa for indivisível, a nulidade alcançará toda a doação.
Por sua vez, a ação anulatória de doação inoficiosa somente pode ser proposta pelos herdeiros do doador, o que, no presente caso, dado o falecimento prévio de seu marido em relação ao seu sogro, competirá somente aos seus filhos (netos), considerados herdeiros necessários. Isso porque, o direito sucessório do cônjuge sobrevivente ocorre somente em relação aos bens recebidos em vida por seu cônjuge e existente ao tempo de sua morte, não contemplando dessa forma os bens de seu sogro.
Por fim, o prazo prescricional para a propositura da ação anulatória de doação inoficiosa é de 10 anos, contados da data do registro do ato jurídico que se pretende anular, o que pode ser iniciado antes se ficar comprovado que, em momento anterior ao registro, houve ciência inequívoca do ato por parte do herdeiro prejudicado.
Resposta de Samir Choaib
De início, é importante esclarecer que os efeitos patrimoniais de decorrentes do fim do casamento, em razão do falecimento de um deles, é diferente dos efeitos decorrentes do divórcio.
Assim, em caso de casamento sob o regime da comunhão parcial de bens, no divórcio serão partilhados tão somente os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, bem como os frutos dos bens comuns ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Por sua vez, em caso de falecimento de um dos cônjuges pelo regime de comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente terá direito à metade dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, a título de meação, e concorrerá a título de herança com herdeiros necessários do falecido, quais sejam, descendentes (filho, neto, bisneto) ou ascendentes (pai, avô, bisavô), sendo que os mais próximos excluem os mais remotos, nos bens particulares adquiridos antes ou depois do casamento, por herança/doação).
Na hipótese de casamento sob o regime da separação absoluta de bens, no divórcio não será partilhado nenhum bem, ficando cada cônjuge com a titularidade exclusiva dos bens que já possuíam ao se casar e daqueles adquiridos na constância do casamento.
No entanto, em caso de falecimento de um dos cônjuges neste regime, ao cônjuge sobrevivente é assegurado o direito de herança sobre todos os bens deixados pelo falecido, em concorrência com os herdeiros necessários desse último.
Comunhão parcial de bens: tire todas as dúvidas sobre o regime de casamento
Por outro lado, no regime da ‘comunhão universal de bens’ o cônjuge não concorre com os descendentes ou ascendentes, mas tem direito à meação de todo o patrimônio, particulares e comuns, seja em caso de rompimento do casamento por divórcio, seja por morte do outro cônjuge.
Por sua vez, a separação de fato, devidamente demonstrada por meio de prova inequívoca, põe fim a comunicação de bens e desse modo tudo o que foi adquirido onerosa ou gratuitamente após a separação de fato não integra o patrimônio comum do ex-casal, independentemente do regime de bens adotado, ainda que os cônjuges permaneçam no estado civil de casados.
Ademais, de acordo com a nossa legislação civil, somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
No caso, sendo possível a devida comprovação da separação de fato, os bens advindos de herança de seus pais não entram na partilha de bens, independentemente do regime de bens do casamento, na medida em que a separação cessa os direitos, deveres e efeitos patrimoniais do casamento.
Não obstante, enquanto que para fins sucessórios a legislação estabeleça um prazo de 2 anos para comprovação do tempo da separação de fato, ou prova de que o convívio se tornou insuportável por culpa do cônjuge sobrevivente, para fins de divórcio não há um prazo mínimo para sua caracterização.
No entanto, de acordo com o STJ, em resposta a tal questão no julgamento do Recurso Especial nº 1.660.947/TO, “a separação de fato comprovada por período razoável de tempo, ou seja, no mínimo 1 ano, produz os mesmos efeitos da separação judicial, sendo, portanto, circunstância que enseja a dissolução do vínculo matrimonial e não impede o curso do prazo prescricional nas causas envolvendo direitos e deveres matrimoniais”.
Por fim, cabe ponderar que caso um dos indivíduos do casal se recuse a assinar o divórcio, não é necessária a concordância dos dois ex-cônjuges para que isso aconteça, sendo necessário apenas a formalização do pedido judicial assinado pela parte e seu advogado.
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