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Da Redação
Publicado em 14 de setembro de 2014 às 19h21.
São Paulo – Você já se sentiu esquecido, desvalorizado, ou subestimado? Pois existem empresas que passam por esses mesmos problemas. Mas, há quem goste de investir nelas. As ações dessas empresas, que já tiveram seus tempos áureos, mas estão "fora de moda", são conhecidas no mercado como “fallen angels”, ou em tradução livre, "anjos caídos".
Esse tipo de estratégia de investimento faz parte de uma corrente maior, o value investing, ou investimento de valor, que foi tema do evento “Value Investing Brasil”, realizado nesta semana em São Paulo. De forma resumida, o value investing é uma abordagem de investimento que precifica as ações baseando-se mais nos dados correntes das empresas do que em dados futuros, buscando, entre vários outros aspectos, investir em ativos com bons fundamentos, mas que estão descontados.
O investimento nas fallen angels, no entanto, não é para qualquer um. Ele requer um profundo conhecimento de mercado para que o investidor não aposte no que parece um anjo esquecido, mas na verdade não passa de uma grande furada. “Se a ação é fallen [caída] ela pode fall [cair] ainda mais antes de virar angel [anjo], se ela não for bem escolhida”, afirma Philipe Biolchini, sócio fundador da First Value Capital, gestora de investimentos focada em value investing e finanças comportamentais.
Para que uma fallen angel não seja confundida com um grande mico, é preciso entender de maneira mais profunda seu conceito. De acordo com Biolchini, as fallen angels são empresas lucrativas, pouco endividadas, mas que estão passando por um processo de reavaliação de expectativa que as leva a ter um desconto no seu preço em relação aos seus fundamentos, compensando uma alocação.
Fábio Carvalho, sócio fundador da Orbe Investimentos, gestora de recursos também focada em value investing, acrescenta que as fallen angels costumam ser empresas que já foram grandes estrelas, muito acompanhadas pelos participantes do mercado, mas que por algum motivo despencaram e agora são algumas das empresas "odiadas" da Bolsa.
“São empresas que eram o máximo, mas a opinião da massa mudou para muito pior e elas foram para o extremo oposto, se tornando odiadas. Óbvio que existe motivo para isso, mas elas foram muito prejudicadas pelos exageros do mercado, tornando-se vítimas de supostas verdades absolutas e da necessidade do ser humano de separar tudo em 'caixinhas', em coisas definidas, e classificar empresas de forma muito rígida", explica Carvalho.
Biolchini afirma que é comum que setores sejam afetados por crises e que todas as empresas inseridas no contexto sofram com a fuga de investidores, ainda que algumas delas não tenham motivos para ter uma forte desvalorização. Um exemplo é o setor de energia, cujas empresas, no geral, foram afetadas pelos riscos regulatórios em 2012. “Quando um setor vai mal, as empresas sofrem, mas dentro desse setor sempre se encontra uma oportunidade única”, afirma o sócio da First Value.
Mas se encontrar oportunidades baratas na Bolsa é notadamente o objetivo de quase todo investidor, em que ponto o value investing se diferencia de qualquer outra estratégia? “No fundo o que varia é a forma de se precificar. No value investing, a precificação é feita sobre os dados correntes, não sobre os dados futuros. Em vez de observar as ações do Twitter agora e comprá-las porque elas estão baratas e podem dar lucro em 2016, nós avaliamos os dados atuais das empresas”, explica Philipe Biolchini.
Vantagens
A maior vantagem do investimento em fallen angels é a compra das ações por um preço baixo. Mas a grande sacada é que isso se desdobra em uma série de outros possíveis benefícios para o investidor.
Um deles é o maior espaço para valorização que essas empresas têm. “Quando a empresa já tem uma expectativa negativa embutida nela, basta ficar neutra que ela já terá lucro. Se essas empresas voltam a ter um lucro normal, sem nenhuma grande euforia, a reprecificação já ocorre”, afirma o sócio da First Value. Já uma empresa que está em alta, pode ter um espaço mais limitado para continuar subindo.
Conforme Fábio Carvalho destaca, outra grande vantagem das fallen angels é a margem de segurança que elas oferecem. “Como nós pagamos muito barato por elas, é preciso dar muita coisa errada para se chegue ao ponto de perder dinheiro. Elas trazem a proteção de terem um risco de queda menor do que as ações com múltiplos com alto crescimento implícito”, defende.
Uma das prerrogativas do value investing é justamente o princípio da margem de segurança, que busca permitir ao investidor obter ganhos em seus investimentos independentemente das oscilações do mercado. Formalmente, o value investing e o princípio da margem de segurança nasceram em 1934, com a publicação de “Security Analysis”, livro de Benjamin Graham e David Dodd.
Justamente por ter perdido boa parte de seu patrimônio durante a Grande Depressão, Graham se aprofundou no estudo desses conceitos e em outros que são muito usados no estudo das finanças comportamentais, que se debruça sobre a análise das emoções que estão por trás das tomadas de decisões dos investidores. Por esse motivo, o value investing é frequentemente associado às finanças comportamentais.
O sócio da Orbe conta que nos Estados Unidos a estratégia de investir em empresas em queda é bastante difundida. “É muito normal que lá os participantes do mercado comprem as maiores quedas do mercado indiscriminadamente. Vai ter porcaria no meio? Vai. Mas, mesmo comprando quantitativamente, sem critérios qualitativos, na média as ações vão se recuperar porque sempre há exageros no mercado”, afirma.
Cuidados ao investir e desvantagens das fallen angels
O principal desafio do investimento nas fallen angels é encontrar as empresas que de fato valem a pena. E como analisar uma empresa com propriedade requer experiência, tempo e disposição, esse pode ser um dos maiores entraves para o investidor pessoa física, que normalmente não se dedica exclusivamente ao estudo do mercado.
“A grande sacada para investir nessas empresas é buscar aquelas que estão baratas, mas que têm baixo endividamento e são lucrativas. Todas as empresas têm desafios, mas se elas têm essas duas características, podem superar os ventos contrários mais facilmente”, afirma Biolchini.
Observar o índice preço/lucro (P/L) da ação pode ajudar na tarefa. O P/L reflete o número de anos que se levaria para reaver o capital aplicado, uma medida muito usada para avaliar quão baratos ou caros estão os preços das ações. Para chegar ao P/L é preciso dividir o preço de mercado da ação pelo lucro líquido da empresa divulgado mais recentemente. Quanto menor o quociente, em tese, mais barata está a ação.
Além de analisar as empresas que de fato possuem um interessante valor intrínseco, mas têm sido penalizadas pelo mau humor do mercado, é essencial que o investidor busque empresas líquidas, que sejam negociadas diariamente. "Ao investir em fallen angels, o investidor deve tomar cuidado com algumas small caps de baixíssima liquidez", alerta Philipe Biolchine. As small caps são as ações com volume baixo de negociação. Entre outros motivos, elas podem ser arriscadas porque em alguns casos ficam dias sem ser negociadas, deixando o investidor impossibilitado de resgatar seus recursos a qualquer momento.
Outra orientação crucial é diversificar a aplicação, não concentrando os recursos em uma única ação. “É preciso diversificar por empresas e por setores. Quando a presidente interferiu na regulação do setor elétrico, por exemplo, todas as empresas de energia caíram. O investidor que aplicou apenas nesse setor teve um grande prejuízo”, afirma Fábio Carvalho.
Mas, esse pode ser outro grande empecilho para o pequeno investidor, que por possuir poucos recursos, pode não conseguir montar um portfólio muito diversificado.
O sócio da First Value recomenda que ao investir em fallen angels o investidor monte uma carteira com pelo menos 10 ações. “E 10 empresas ainda pode ser pouco. Eugene Fama investe em fallen angels, mas ele opera de forma muito diversificada, comprando cerca de mil empresas. Individualmente uma delas pode continuar fora, mas fazendo isso o resultado no geral podem ser muito bom", diz Biolchini. Eugene Fama é um dos vencedores do Prêmio Nobel de Economia deste ano e um dos grandes entusiastas do value investing.
Caso o investidor não tenha recursos suficientes para fazer uma boa diversificação, o investimento nas fallen angels pode não ser recomendado. Aplicar na Bolsa apenas comprando fallen angels pode ser muito arriscado, por isso o ideal é que o investidor também tenha carteiras de ações que sigam outras estratégias, além de investir em outros produtos do mercado, para não concentrar seu investimento apenas na Bolsa.
Como toda essa diversificação pode exigir grandes aportes, o sócio da First Value afirma que o investimento em fallen angels ainda é mais comum entre investidores qualificados, que possuem mais de 300 mil reais em aplicações financeiras.
Outra questão que deve ser pesada é que o investimento em fallen angels pode não ser nada animador. “Comprar ação fora de moda é um bom negócio, mas é chato. É chato ficar fora do consenso, em um setor que não está 'bombando' e no qual as pessoas não estão festejando os lucros”, comenta o sócio da First Value.
Por isso, outro requisito básico do investimento é ter um horizonte de longo prazo. “Alguns períodos vão ser piores e para superar esses momentos é preciso investir no longo prazo. Essa filosofia do longo prazo ganhou ainda mais validação com o prêmio Nobel de Economia deste ano”, diz Biolchini.
Além de no longo prazo ser possível mitigar as oscilações das bolsas, como o investimento nas fallen angels é feito quanto elas estão em baixa, o investidor precisará de tempo até que as ações tragam alguma valorização.
Exemplos de fallen angels
Durante o fórum "Value Investing Brasil", Fábio Carvalho ministrou a palestra “Investment Picks: análise aprofundada”, na qual ele citou o caso de duas empresas que hoje, segundo sua opinião, são exemplos de fallen angels bastante promissoras.
As empresas são a Saraiva e a Romi, fabricante de máquinas-ferramenta usadas na cadeia industrial, e dona do curioso fato de ter sido a fabricante do primeiro automóvel brasileiro, o Romi-Isetta.
Dentro da extensa análise feita por Carvalho para justificar o investimento nas empresas, ele explicou que somente os ativos não operacionais da Romi, como seus terrenos e propriedades, já superam o seu valor de mercado atual. E a Saraiva, segundo ele, está sofrendo com o pessimismo do mercado em relação à sua atuação na área de varejo de livros e CDs, o que seria um equívoco já que a empresa tem também uma outra frente de atuação muito forte focada em conteúdos educativos e tecnologia.