Dinheiro: Se o jogador já não tinha educação financeira antes, enriquecer não resolverá o problema, diz Dana Hammonds, diretora da NFL Players Association (Thinkstock/Willard)
Da Redação
Publicado em 12 de novembro de 2015 às 04h00.
São Paulo - Artistas, jogadores de futebol e ganhadores de loteria têm algo em comum além do volume milionário de dinheiro: eles perdem tudo que têm com a mesma rapidez com que conquistaram com certa frequência. Para evitar esse desfecho, jogadores da Liga Nacional de Futebol Americano, a NFL, tem à sua disposição um programa que os ensina a administrar seu dinheiro da melhor forma.
Em visita ao Brasil, para participar de um evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF), a responsável pelo projeto, Dana Hammonds, concedeu uma entrevista a EXAME.com para contar mais detalhes sobre o programa.
Dana é a diretora sênior da NFL Players Association (NFLPA), o sindicato dos jogadores da NFL. O Financial Education & Advisors Program (Programa de consultoria e educação financeira) é uma das iniciativas da NFLPA para assessorar os jogadores financeiramente. Seu principal objetivo é prover informações aos atletas para evitar que eles terminem suas carreiras no ostracismo e em más condições financeiras.
Com salários que passam dos 20 milhões de dólares ao ano, a realidade desses jogadores pode parecer muito diferente da sua, mas segundo Dana, os problemas financeiros enfrentados por eles são iguais aos de qualquer outra pessoa.
Na entrevista a seguir, Dana mostra como o programa funciona, revela as principais dicas passadas aos jogadores e fala sobre conceitos de educação financeira que se encaixam perfeitamente não só para ricaços, como para aqueles que ainda não têm alguns milhões acumulados na conta, mas querem chegar lá um dia. Confira.
EXAME.com - Quais são os erros mais comuns entre os jogadores?
Dana - Eles são pessoas como quaisquer outras e os erros são muito parecidos, a diferença é que eles têm mais dinheiro. São jovens, na casa dos 20 anos, recém-formados, que precisam se educar financeiramente.
Nos Estados Unidos é algo que não é ensinado nem no nível superior. A menos que você venha de uma família muito rica, também não é algo discutido na mesa do jantar. Eles vêm de situações de pobreza muitas vezes para, de repente, ter um salário de 40, 50 mil dólares ou mais. Se eles não sabiam lidar com dinheiro antes, eles continuam sem saber depois.
EXAME.com - Como vocês mostram a eles a importância de se planejar financeiramente?
Dana - Nós falamos sobre orçamento, como se planejar, mas nós buscamos mostrar como a vida é para que eles entendam a importância de cuidar bem do dinheiro. Nós definimos objetivos e metas para que eles se sintam motivados, falamos sobre investir e planejar a aposentadoria. É muito difícil fazer alguém com 20 anos pensar em aposentadoria, mas quando falamos que isso é uma questão viver a vida da melhor maneira que você pode, eles captam perfeitamente a mensagem.
EXAME.com - Quais são os principais objetivos do programa?
Dana - Nós queremos que os jogadores entrem na NFL saudáveis e saiam da mesma forma, fazendo uma transição tranquila para sua segunda carreira. Nós não focamos apenas na educação financeira, também fazemos aconselhamento de carreira, fornecemos orientação jurídica e outros serviços.
EXAME.com - Como funciona o programa na prática?
Dana - O programa inclui quatro frentes de atuação: educação financeira, acreditação de planejadores financeiros, administração de crédito e identificação de roubos. Os planejadores que se inscrevem no programa de acreditação passam por uma extensa seleção e o grande benefício para os atletas é que nós acreditamos apenas profissionais que atendem a rígidos critérios. Caso os jogadores contratem o serviço de um deles, eles precisam pagar. As outras frentes já são mais focadas em prover informações, de graça, para ajudar os jogadores.
EXAME.com - Quais ações vocês realizam no dia a dia para chegar até os jogadores?
Dana - Nós enviamos e-mails, realizamos conferências, ligações telefônicas e encontros pessoais. Eu viajo muito para conversar com os jogadores, para dizer um oi e evidenciar o nosso trabalho. Nós não esperamos até que eles tenham algum problema, nós vamos até eles.
Às vezes eu vejo que um deles tem um novo bebê e pergunto como as coisas estão indo. É muito pessoal. Muitas vezes eles me ligam para dizer que têm algum problema. Um dos jogadores, por exemplo, me ligou para dizer que aposentou sua mãe quando entrou na NFL e depois de quatro anos percebeu que não podia sustentá-la. Ele perguntou o que fazer e juntos chegamos a uma solução.
EXAME.com - Nós vemos que aqui muitos jogadores e atores recebem pedidos de ajuda de familiares ou propostas de negócios mirabolantes. Vocês veem isso lá?
Dana - Sim, com muita frequência. E como eles não têm a experiência para analisar esses investimentos, é como se o cérebro deles os puxasse para algo que diz: “Esta não é necessariamente uma ideia ruim e eu não quero que essas pessoas pensem que eu sou apenas um estúpido jogador de futebol, então OK, eu vou fazer isso”, só para descobrir que era o pior investimento possível.
EXAME.com - Seria possível dizer que o que eles vivem é parecido com o que passam os ganhadores de loteria? Muitos perdem tudo em pouco tempo porque não sabiam administrar suas finanças antes e ganhar dinheiro não os faz saber como administrar depois.
Dana - Você tem toda razão. A única diferença dos jogadores da NFL para o resto é que 98% deles têm educação superior e eles podem se especializar em diferentes áreas, como educação física, administração, ou outras. Então, o jogador que tem um diploma em administração vai ter mais conhecimento para analisar propostas de negócios do que outros.
O erro mais frequente em termos de dinheiro repentino, seja entre jogadores, artistas ou ganhadores de loteria é que eles acham que o dinheiro repentino subitamente te faz ser conhecedor e maduro, e ele não faz.
EXAME.com - Por causa do esforço excepcional que eles fazem para ser bons jogadores, eles deixam de cuidar de outros aspectos, como da educação?
Dana - Com certeza. Quando eles se tornam jogadores profissionais é tudo sobre futebol e pouco sobre qualquer outra coisa. A parte triste é que no fim da carreira eles precisam fazer uma transição que não consiste apenas em perder renda, mas em perder suas identidades como jogadores e celebridades.
EXAME.com - Como o programa de educação financeiro da NFLPA é sustentado?
Dana - Na maioria dos estados, os jogadores são obrigados a pagar taxas à NFLPA, apenas em seis ou sete estados não é obrigatório. E o sindicato sustenta o programa. Mas, sendo obrigatório ou não, mais de 90% optam por contribuir. Já a acreditação é sustentada com a taxa de inscrição paga pelos próprios planejadores. Como a associação não é lucrativa, todo o dinheiro gerado no programa é revertido a ele.
EXAME.com - O que poderíamos fazer no Brasil para melhorar a forma como cuidamos dos nossos atletas?
Dana - A educação é a chave. Eles devem aprender não apenas qual é a melhor forma de lidar com seu orçamento e quanto investir, mas como trazer esse dinheiro quando a carreira acaba. Nós falamos sobre a curta duração de suas carreiras para tentar mostrar como o planejamento é importante e tentamos prover recursos para que eles façam essa transição.
O ideal seria que o Brasil pudesse criar organizações para os artistas e atletas que pudessem orientá-los sobre como criar fontes de renda adicionais, fora da sua carreira artística, para ajudá-los a verem a si mesmo de uma forma maior do que eles estão vendo naquele momento.
EXAME.com - Até porque essas carreiras terminam rápido.
Dana - Sim. E isso acontece a despeito do fato de quem você é. É muito difícil, mas eles precisam achar formas de se reinventar. Por um lado, nós devemos fornecer informações sobre como administrar o dinheiro, mas outra questão fundamental é ajudá-los a fazer uma transição para outra carreira ou até começar a fazer alguma coisa enquanto ainda são jogadores.