Usuários de drogas que formam as cracolândias migram para regiões já em processo de desvalorização (Cátia Toffoletto/Flickr)
Da Redação
Publicado em 30 de dezembro de 2013 às 18h10.
São Paulo – Nas últimas duas semanas, dois desastres de coincidência assustadora alarmaram o país: o desabamento repentino de três prédios na cidade do Rio de Janeiro e de outro edifício em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Para quem investe em imóveis ou busca a casa própria, fica a dúvida: será que notícias como essas podem levar à desvalorização da região em que ocorreram os eventos?
O mercado imobiliário brasileiro continua pujante, e embora a valorização já esteja mais modesta, quase ninguém acredita numa queda de preços em breve. Notícias negativas, porém, tendem a provocar reações passionais nas pessoas, com consequências reais. Quando há um desastre aéreo, por exemplo, cai o número de pessoas que viajam de avião; e uma casa onde se sabe ter havido um assassinato certamente terá dificuldade de ser vendida.
Mas no mercado imobiliário, as notícias ruins isoladamente não têm grande repercussão, apenas se estiverem inseridas dentro de um contexto negativo mais amplo. “Os fatores que desvalorizam um imóvel são problemas de longo prazo”, afirma o consultor imobiliário Alex Strotbek, que já atuou nos mercados de São Paulo e do Rio.
De acordo com ele, ao contrário da valorização - que pode ser rápida, repentina e provocada por uma melhoria pontual numa região - a queda dos preços dos imóveis demora mais para acontecer, e é resultado de anos de descaso do poder público e da fuga da iniciativa privada para regiões mais bem estruturadas.
Desvalorizações por motivos isolados são bem mais raras. “Os problemas pontuais são consequências da falta de investimento”, diz o consultor, para quem os desastres não passam de manifestações de anos de descaso. Na opinião de Strotbek, portanto, apenas os desabamentos nas duas cidades não são suficientes para desvalorizar as respectivas regiões.
O que desvaloriza uma região
Os fatores que podem levar à desvalorização de uma região no médio e longo prazo se relacionam principalmente com o descaso do poder público. A ausência ou falta de renovação do plano diretor da cidade, permitindo construções desenfreadas e fora do gabarito, tendem a aumentar a população local acima do limite, e consequentemente agravar problemas como engarrafamentos, insuficiência na coleta de lixo, enchentes e até criminalidade.
Todos esses problemas desvalorizam uma região, mas vão ocorrendo lenta e gradativamente, à medida que a falta de investimentos públicos e privados vai permitindo que eles se agravem. O caso "Cracolândia" paulista é emblemático, pois a reunião de usuários de drogas só agravou uma desvalorização que já estava em curso.
“Os usuários de drogas que ali viviam foram migrando aos poucos. A região já estava desvalorizada, porque já havia vários imóveis desocupados e abandonados, que foram ocupados por usuários e outras pessoas que ali chegaram. A iniciativa privada não cuidou de seus imóveis e a prefeitura foi negligente”, diz Strotbek.
Existem também fatores “naturais” que desvalorizam uma região. Trata-se do seu ciclo de desenvolvimento: elas se valorizam até o surgimento de uma nova região que atenda melhor às necessidades do seu público. Caso a antiga área não tenha recebido investimentos e se renovado, ela perde público para a nova região e se desvaloriza.
Em geral, empresas e comércio iniciam esse movimento, migrando para bairros onde a infraestrutura viária e de transportes, a segurança e a modernidade das construções atendam melhor a suas necessidades. A migração das empresas da Avenida Paulista para a região da Faria Lima e da Berrini não desvalorizou a Paulista, que continuou adequada para abrigar empresas. Mas em outros casos, as regiões antigas realmente se tornam obsoletas.
“É o que acontece quando o comércio de rua migra para shoppings por questões de falta de infraestrutura e segurança. As empresas vão para onde existe mais conforto e mais espaço para as suas sedes”, diz Strotbek.
E como a antiga região pode segurar seu público e continuar valorizada? Adequando-se às novas necessidades. Uma região onde os prédios não foram renovados vai perder inquilinos para onde há prédios novos, mais inteligentes e econômicos. “Fazer retrofits e adequar os edifícios internamente é essencial nesse sentido”, diz o consultor.
Desvalorização por motivo pontual
Ao contrário da desvalorização, que é geralmente lenta e gradual, a valorização de uma área pode se dar por motivos pontuais e até repentinamente. Quando se anuncia uma nova estação de metrô – desde que a população encare isso como uma vantagem, é claro – os imóveis e aluguéis do entorno rapidamente vão subir de valor. Foi o que aconteceu, por exemplo, no Jardim Oceânico, sub-bairro da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, que vai receber uma estação de metrô ligada à Zona Sul.
Porém, existe pelo menos um caso em que a desvalorização pode ocorrer por motivo isolado: em caso de superoferta de imóveis numa região. Pode ocorrer em regiões em desenvolvimento e rápida valorização que desencadeiam uma verdadeira euforia. Os lançamentos se multiplicam até atingirem o ponto de não serem absorvidos pela demanda, evidenciando uma falta de limites nas expectativas das incorporadoras.
“Foi o que aconteceu na Avenida Embaixador Abelardo Bueno, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. É uma avenida com vocação comercial, onde houve uma oferta excessiva de novos empreendimentos corporativos”, diz Strotbek.