CVM: as cotas haviam sido suspensas por uma deliberação que alertava para suspeita de fraude e risco de pirâmide financeira (CVM/Divulgação)
Marília Almeida
Publicado em 27 de setembro de 2018 às 17h06.
O Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu revogar a suspensão de negociação das cotas do fundo Mérito Desenvolvimento Imobiliário, administrado pela Planner Corretora e gerido pela Mérito Investimentos.
As cotas haviam sido suspensas em 18 de julho, por uma deliberação que alertava para suspeita de fraude e o risco de pirâmide financeira, pois o fundo distribuía parte dos ganhos obtidos com a taxa cobrada na emissão de novas cotas.
Assim, a cada aumento de capital, parte do valor era distribuída para os demais investidores, representando até 23% do valor do rendimento do fundo. O percentual cobrado de taxa dos novos cotistas também foi aumentando com o passar do tempo, chegando a 20% no mais recente.
Volta na quinta-feira
A volta ao pregão da B3 foi autorizada porque a CVM entendeu que a Planner e o gestor corrigiram a forma como calculavam o rendimento do fundo e a avaliação dos empreendimentos em que a carteira investia, além de modificar a periodicidade da distribuição de ganhos, de mensal para trimestral.
Queda de 10% no patrimônio do fundo
Com os ajustes exigidos pela CVM, o patrimônio do fundo vai cair R$ 20 milhões, ou o equivalente a uma perda de 10% em relação ao divulgado em agosto. Essa queda patrimonial, e mais as mudanças no cálculo do rendimento e em sua periodicidade, devem ter impacto sobre os valores das cotas. O fundo teve de reapresentar seus balanços mensais de dezembro de 2017 até agosto de 2018.
A decisão de suspender de imediato as negociações provocou muitas críticas à CVM, que só tinha usado a suspensão antes em casos de irregularidades cometidas por empresas não reguladas e uma vez em um caso de um fundo de recebíveis não padronizados (Fidc) em 2014. Apesar da liberação das negociações, o processo sancionador que vai analisar o comportamento da Planner e da Mérito na administração e na gestão do fundo vai continuar e pode resultar na punição dos responsáveis.
Cálculo do rendimento foi alterado
Uma das mudanças exigidas pela CVM foi na forma como o fundo calculava o rendimento, que era sobre a valorização dos preços dos imóveis nos quais investia, o chamado valor justo. A CVM alertou que, como o fundo aplicava em projetos de desenvolvimento imobiliário, deveria calcular os valores pelo valor histórico atualizado pelas despesas e novos investimentos apenas. O ganho só deveria ser incorporado nos momentos em que o imóvel ou empreendimento fosse vendido e o ganho de capital efetivamente entrasse para o fundo.
A razão é que o Mérito é um tipo de fundo imobiliário de desenvolvimento, diferente do chamado “fundo de renda”, que compra imóveis prontos e os aluga, garantindo assim um rendimento estável e previsível por períodos mais longos. Além da forma de calcular o rendimento, a CVM considerava que o fundo deveria ter sistemas que pelo menos garantissem que a atualização dos valores dos empreendimentos fosse feita de maneira segura, com algum tipo de auditoria e com transparência, para evitar distribuir mais ganhos que o correto, deixando perdas para os investidores que ficassem com as cotas.
Por tudo isso, além da reavaliação do patrimônio do fundo por um valor 10% menor, as mudanças no cálculo devem impactar bastante a rentabilidade do Mérito, que distribuía ganhos de acordo com a atualização do valor do imóveis nos quais investia. O fato de o fundo investir no desenvolvimento de empreendimentos, de retornos diversos, e mesmo assim distribuir rendimentos constantes e regulares, chamou a atenção da CVM.
No começo, o investidor reclamou da ação mais incisiva, mas aos poucos foi percebendo que a CVM agiu corretamente ao suspender as cotas. Segundo analistas, a ação da CVM foi necessária para restabelecer a ordem, e evitou um problema maior, pois o fundo se preparava para crescer mais. O Mérito havia pedido autorização para fazer um aumento de capital de R$ 225 milhões, o que o faria dobrar de tamanho, cobrando uma taxa de 20% sobre as novas cotas. A nova emissão tornaria o problema muito mais sério no futuro pois poderia ampliar o risco e o número de cotistas, hoje já bastante elevado, acima de 8 mil. Por isso, a CVM resolveu se antecipar e interromper as negociações das cotas.
Na visão de um especialista, a ação rápida da CVM impediu que novos investidores comprassem as cotas, sendo iludidos ou querendo ser iludidos pela rentabilidade elevada e constante do fundo, mas que não seria sustentável no futuro. Ao mesmo tempo, a ação serviu de exemplo para que outros no mercado não tentem repetir o mesmo sistema, evitando novos casos. Serviu ainda para mostrar aos investidores como funcionam os fundos imobiliários e suas diferenças.
Apesar da liberação das cotas e da correção na forma de calcular o rendimento, as atuações da Planner e da Mérito continuarão sendo avaliados pela CVM no processo sancionador. Com as investigações e os dados levantados, a autarquia deve preparar um termo de acusação com as possíveis irregularidades que será analisado pela procuradoria especial. Os acusados poderão negociar um termo de compromisso para encerrar o processo. Se o termo não for aceito, haverá o julgamento pelo Colegiado. O administrador e o gestor estão sujeitos a punições estabelecidas pela Lei 6.385, que prevê multa e inabilitação para casos de irregularidades.