Petrobras: capitalização pode ser oportunidade de compra se governo ajudar (.)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
O ambicioso plano de investimentos da Petrobras deu um importante passo nesta madrugada, quando o Senado aprovou o projeto que prevê a capitalização da estatal. Agora ainda falta o governo definir alguns termos da oferta bilionária de ações da companhia a ser realizada nas próximas semanas. Para o investidor, no entanto, já é hora de começar a avaliar se vale a pena entrar ou ficar de fora da operação. O Portal EXAME ouviu cinco analistas de mercado e gestores sobre a capitalização. Quatro afirmaram que o grande atrativo da oferta é que as ações da Petrobras estão muito baratas enquanto apenas um disse que só será possível fazer uma recomendação quando todos os termos do aumento de capital forem anunciados. Para quem pode investir com um horizonte de longo prazo, no entanto, é consenso que a oferta da estatal consiste em uma ótima opção independentemente do que for definido.
Segundo os profissionais de mercado, o preço das ações da Petrobras ficou atraente por conta da própria oferta. A estatal pediu para seus acionistas autorização para emitir até 150 bilhões de reais em ações. No mercado, entretanto, estima-se que a capitalização possa alcançar até 50 bilhões de dólares. Como trata-se de umas maiores ofertas já realizadas em todo o mundo, ninguém é capaz de garantir que haverá demanda por tantos papéis. Na dúvida, muitos investidores venderam as ações da Petrobras que já detinham para recomprá-las por um preço menor no futuro.
Tanto que as ações preferenciais da estatal, as mais negociadas da bolsa brasileira, acumularam neste ano uma desvalorização de 19,5% e fecharam esta quarta-feira cotadas a 29,55 reais. No mês passado, em meio ao agravamento da crise europeia, as ações preferenciais da Petrobras atingiram o patamar de 26 reais logo após o presidente da empresa, José Sergio Grabrielli, dizer que a oferta pública bilionária aconteceria independentemente das condições de mercado. Durante os momentos de maior estresse, as perdas dos papéis em 2010 chegaram a superar as da BP, a petroleira que está destruindo o Golfo do México com um vazamento de óleo irreparável.
Apesar da recuperação dos últimos dias, as ações continuam com preços atraentes. O quadro abaixo mostra o preço-alvo da corretora Link para as cinco maiores empresas da Bovespa. Nenhum ativo possui um potencial maior de valorização que os papéis da estatal:
Ação | Preço-alvo (em R$) | Potencial de alta (em %) |
---|---|---|
PETR4 | 48,2 | 63,1 |
VALE5 | 62 | 53,4 |
ITUB4 | 46,5 | 38,8 |
AMBV4 | 195 | 9,9 |
BBDC4 | 41,7 | 43 |
Fonte: corretora Link Trade |
Problemas
Mas se todo mundo sabe que as ações estão baratas, por que a demanda não dispara trazendo consigo as cotações? A resposta consensual é que ninguém terá pressa em adquirir grandes posições enquanto não forem conhecidos os detalhes do aumento de capital. O mercado está particularmente interessado nas respostas para duas perguntas: 1) Qual será o tamanho da oferta pública; e 2) Qual será o valor do petróleo cedido pela União à Petrobras? Como o governo é o controlador da empresa e vai tomar essas duas decisões sozinho, o temor é de que os interesses da União se sobreponham aos dos demais acionistas. "Se eles fizerem besteira, as cotações explodem. E há espaço para fazer besteira", diz Ricardo Araujo, responsável pelos fundos internacionais da Itaú Asset Management, a segunda maior gestora de recursos do Brasil.
Pelo modelo aprovado no Congresso, a capitalização deve ser feita pelo modelo de cessão onerosa. Esse processo envolve duas etapas. Na primeira, o governo compra ações da Petrobras na oferta pública pelo preço definido no processo de "bookbuilding" (livro de ofertas). O pagamento à estatal é feito por meio de títulos públicos. Na etapa seguinte, a Petrobras devolve esses mesmos títulos para o governo em troca do direito de explorar 5 bilhões de barris em reservas provadas na costa brasileira. Para definir o preço que será pago por cada barril de petróleo, a Petrobras contratou a consultoria americana DeGolyer & MacNaughton.
Segundo Adriano Pires, diretor da consultoria CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), em experiências internacionais parecidas - mas não iguais porque ninguém sabe quanto custará retirar o petróleo abaixo da camada de pré-sal - o preço para a cessão de direitos de exploração ficou entre 5 e 10 dólares por barril. Como o governo não vai querer afugentar os investidores, Pires estima que cada barril de petróleo será cedido à estatal por 6 dólares. Os 5 bilhões de barris valeriam, dentro dessa mesma conta, 30 bilhões de dólares. Essa seria a parte do governo na capitalização. Já o mercado entraria com mais cerca de 20 bilhões de dólares, sendo que os atuais acionistas teriam direito de preferência na compra dos novos papéis.
Para a corretora Link, uma oferta total de cerca de 50 bilhões de dólares é o cenário esperado pelo mercado. Por isso, tal anúncio não provocaria sobressaltos. "Minha percepção é que existe demanda pela oferta. Há muitos investidores que estão esperando as incertezas se dissiparem para entrar", diz o Andrés Kikushi, analista-chefe da Link Investimentos. "Mas se fizer um aumento de capital muito grande e/ou avaliarem os barris que o governo vai aportar a um preço muito alto, o papel vai desabar", diz Ricardo Araujo, do Itaú Unibanco.
Outro risco para o processo é que nem todas as regras terão sido aprovadas na época da oferta pública. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) ainda precisa contratar uma consultoria independente para fazer um laudo de quanto valeria o barril de petróleo no processo de cessão onerosa para a Petrobras. O órgão regulador ainda não conseguiu organizar a licitação para a contratação dessa consultoria. A Petrobras admite que, dependendo do laudo entregue à ANP, pode haver uma mudança nos valores da cessão onerosa e os acionistas podem ser chamados a arcar com a diferença.
É justamente diante de tantas incertezas que a ação da Petrobras ainda não teve forças para se recuperar do desempenho ruim neste ano. "A ação está barata. Mas por que eu vou entrar agora sabendo que eles vão fazer uma capitalização gigantesca daqui a algumas semanas", diz Will Landers, responsável pelos fundos latino-americanos da gestora americana BlackRock, a maior do mundo. A BlackRock já é um dos maiores acionistas individuais da Petrobras, com 6,16% dos papéis preferenciais, e diz que "provavelmente" participará da capitalização.
Investimentos
Apesar de todos os riscos envolvidos, a maioria do mercado espera que o governo seja bastante razoável ao definir os termos da capitalização. Todo o corpo de executivos da empresa se empenhou muito nos últimos meses em garantir aos investidores que o negócio seria feito em termos justos. Após o fracasso de diversas ofertas de ações neste ano, os seis bancos de investimento contratados para coordenar o aumento de capital da estatal (Bank of America-Merrill Lynch, Bradesco, Citigroup, Itaú BBA, Morgan Stanley e Santander) também teriam um grande interesse no sucesso da operação.
Já a estatal precisa do dinheiro da oferta para garantir a execução de seu plano de investimentos. Para o mercado, a companhia deve anunciar nos próximos dias investimentos de 200 bilhões a 220 bilhões de dólares. Segundo Adriano Pires, do CBIE, esse seria não apenas o plano de expansão mais audacioso da indústria petrolífera mundial como também uma excelente bandeira eleitoral para a candidatura de Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República.
O problema é que o governo precisará de sorte para realizar uma oferta pública de 50 bilhões de dólares em um momento conturbado para a economia mundial. Rumores sobre as dificuldades financeiras de países europeus, especulações sobre uma bolha imobiliária na China e alguns dados negativos da economia americana aumentaram a volatilidade do mercado nas últimas semanas. "O sucesso vai depender muito do ambiente internacional", diz José Goes, consultor econômico da WinTrade. "Várias empresas cancelaram ofertas de ações, mas o governo vai levar esse negócio adiante."
Impactos no mercado
Para analistas, a oferta da Petrobras também pode ter efeitos colaterais sobre as cotações de outras empresas. "É uma capitalização tão significativa que não vai mexer só com as ações da Petrobras. Vai mexer com o mercado inteiro", diz Mônica Araújo, estrategista-chefe da corretora Ativa. A expectativa dos gestores é que nem todo o dinheiro que será investido em ações da Petrobras seja "novo". Uma parte, é verdade, virá de recursos que estão aplicados no exterior ou em renda fixa no Brasil. Já outra parte está investida na própria bolsa brasileira e será realocada - o que pode pressionar algumas ações.
O movimento mais óbvio dos gestores seria tirar dinheiro de outras empresas de commodities - como Vale, siderúrgicas ou fabricantes de celulose - para colocar em Petrobras. Essa seria uma forma de participar da oferta sem aumentar excessivamente a exposição de um fundo ao setor de matérias-primas. Uma parte menor dos gestores deve se desfazer de papéis ligados ao mercado interno ou mesmo de ações defensivas para participar da operação.
Para Ricardo Araujo, do Itaú Unibanco, os fundos em geral estão hoje "neutros" em Petrobras. Isso significa que o percentual de dinheiro investido na empresa corresponde basicamente a seu peso no Ibovespa - algo entre 13% e 14% do total. A decisão de ficar "overweight" (fazer uma aposta acima da média do mercado) ou "underweight" (posição abaixo da média) vai depender do que for divulgado pelo governo nos próximos dias.