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A entrevista completa com Benett Stewart

Confira a entrevista completa que o consultor Benett Stewart concedeu à EXAME. EXAME - Por que o senhor diz que a contabilidade não funciona? Benett Stewart - Há dois motivos principais. O primeiro é que os contadores partem de princípios que foram adotados há muito tempo, quando os ativos intangíveis de uma empresa - como […]

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

Confira a entrevista completa que o consultor Benett Stewart concedeu à EXAME.

EXAME - Por que o senhor diz que a contabilidade não funciona?

Benett Stewart - Há dois motivos principais. O primeiro é que os contadores partem de princípios que foram adotados há muito tempo, quando os ativos intangíveis de uma empresa - como marcas, desenvolvimento de tecnologia e aperfeiçoamentos do processo produtivo não eram muito significativos. Hoje eles são mais importantes do que os ativos físicos.

O segundo motivo é que a contabilidade é pensada a partir de quem empresta dinheiro, e não dos investidores. Há certa lógica nisso, se pensarmos que essas práticas surgiram quando o mercado acionário não era muito importante como fonte de financiamento das empresas, e a principal fonte de capital eram os bancos.

EXAME - Como assim?

Stewart - Os banqueiros emprestam dinheiro e querem garantias de que vão receber algo se a empresa quebrar. Assim, a empresa tem de informar no que está gastando dinheiro, para que o banco possa saber se terá algo para cobrar. O melhor exemplo são os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, que são contabilizados como despesa. Fazer isso só é lógico do ponto de vista do banco. A empresa está gastando para desenvolver tecnologia, mas não há nenhuma garantia de que esse dinheiro vá dar retorno. Contabilmente é uma despesa. Só que, quando uma empresa anuncia que está investindo em pesquisa, suas ações sobem, pois os investidores imaginam que esse dinheiro vá retornar no longo prazo sob a forma de aumentos de produtividades e novos produtos, o que irá aumentar os lucros. Se o mercado de ações pensasse apenas contabilmente, as ações deveriam cair.

EXAME - Como explicar a diferença entre a visão contábil e a dos investidores?

Stewart - Vamos olhar para a história recente. Depois da Segunda Guerra Mundial, as companhias americanas dominaram o mundo. Seus ganhos eram tão grandes que elas não tinham de prestar muita atenção aos preços das ações. Nos anos 80, quem tinha ações baratas na bolsa foi comprado pelos concorrentes. Isso ensinou aos executivos da maneira mais dura que eles tinham de prestar atenção às cotações. Hoje a situação é inversa. As empresas prestam mais atenção ao preço das ações do que ao desenvolvimento do negócio em si. Só que a contabilidade continua presa a conceitos do tempo da Era Industrial. E a bolha da internet e das ações de tecnologia no fim dos anos 90 só ampliou essa contradição entre contadores e investidores.

Por que?

Stewart - No fim dos 90, as pessoas pensavam que haveria uma nova economia, da mesma forma que havia uma nova tecnologia. Os presidentes de empresas foram seduzidos pela idéia de quem chegasse antes ao mercado levaria tudo. Não era preciso ter lucro, mas sim conquistar mercado a qualquer preço. O melhor exemplo é a Microsoft, que de fato conseguiu estabelecer o padrão dominante em seu mercado e tornar-se um monopólio. Todos quiseram imitá-la.

A partir daí, os executivos fariam qualquer coisa para aparentar sucesso diante dos investidores, pois a mera ilusão de sucesso os tornaria bem-sucedidos. E o sucesso era medido pelo crescimento contínuo das cotações e dos lucros por ação. Não interessava a qualidade dos lucros, se eles eram consistentes ou não, mas sim se eles cresciam trimestre após trimestre.

EXAME - Buscar aparência de sucesso a qualquer preço incluiu fraudes, como no caso da Enron?

Stewart - Sem dúvida. A necessidade de conquistar mercado gerou enorme pressão para que as companhias fabricassem crescimento e lucros por ação a qualquer preço. Os executivos passaram a gerir suas empresas como se estivessem em uma esteira rolante: corriam sem parar, apenas para confirmar e superar as expectativas de crescimento dos acionistas. A pressão era tão grande que os levou a cometer o pecado mortal de administrar apenas de olho nos lucros por ação, sem se preocuparem com a solidez do negócio e se ele de fato estava gerando valor para o acionista. Isso levou a investimentos e alavancagem em excesso. Para manter os lucros crescendo, os executivos compraram tudo o que aparecia pela frente, nos Estados Unidos ou no exterior. No caso da Enron, as compras foram não só de empresas de energia, mas também companhias telefônicas e de transmissão de dados por banda larga. Com isso, a companhia afastou-se do que sabia fazer bem, que era comprar e vender nos mercados de energia. Claro que o resultado disso foi um movimento de esticar os números do balanço, para garantir que o lucro por ação fosse bom. As fraudes foram só uma decorrência da situação.

EXAME - O fato de as empresas emitirem muitas opções de ações ajudou a criar um ambiente propício às fraudes?

Stewart - O problema foi exacerbado porque as companhias começaram a emitir montes de ações e opções para enriquecer seus principais executivos. Com o aumento das cotações isso se torna um jogo, e tanto os gerentes de nível médio quanto os empregados menos graduados passam a querer participar. Isso gerou um ciclo, uma pressão enorme para que as ações continuassem subindo de preço dia após dia, trimestre após trimestre. O grande problema é que a contabilidade das opções de ações ignorava que elas tinham um custo. Para os contadores, as opções eram uma forma de remunerar as pessoas sem tirar dinheiro do bolso, o que é absurdo. Sua emissão gerou uma enorme pressão sobre os executivos para manter as ações subindo de preço dia após dia, trimestre após trimestre. Exacerbou a pressão para obter lucros no curto prazo. Isso continuou até o castelo de cartas desabar. Agora, o que está acontecendo é um grande repensar. Como esses incentivos deveriam funcionar? Como contabilizar o que tem valor? Como podemos diminuir o incentivo para as pessoas trapacearem e ainda manter seu incentivo a obterem um bom desempenho?

EXAME - O que está mudando?

Stewart - Um bom exemplo é o que aconteceu com a Microsoft. Se olharmos para opções de ações sob o ponto de vista da contabilidade atual, elas são o melhor dos mundos. É como se eu pagasse meus funcionários e premiasse meus executivos em dinheiro, o que é dedutível de imposto. Aí eu recompro as ações com esse dinheiro. No fim do ciclo o dinheiro volta para a companhia, mas até isso acontecer eu tenho uma despesa com essa compensação que é igual ao valor de mercado das opções no dia em que eu as concedi.

Esse é o caso da Microsoft, que substituiu as opções de ações por ações de circulação restrita no dia 8 de julho deste ano. As pessoas dizem: As opções não tem nenhum valor, porque no dia em que você as emite, seu preço de exercício é igual à cotação do mercado. Seu único valor é a probabilidade de as ações se valorizarem por causa do bom desempenho da companhia no futuro e as opções de valorizarem. Quando a Microsoft anunciou que trocaria as opções por ações de circulação restrita, isso representou uma economia de 25% nas despesas com salários. Quando eles anunciaram isso, as ações subiram 13% no mês subseqüente ao anuncio. Nesse mesmo período, as ações da SAP e da Oracle caíram 4% e 7%. Aí o mercado disse: espere um pouco: se todos nós sabemos que as opções não têm custo, então não faz sentido que as ações de uma empresa subam se ela anuncia que vai deixar de emitir opções. Ou seja, todos sabem que as opções têm, sim, um custo, e que deixar de emiti-las é um bom negócio. Só que isso não é explicitado na contabilidade.

EXAME - Onde a contabilidade falhou no caso da Enron?

Stewart - A Enron preferiu usar dívida e não ações para financiar as aquisições porque mais ações em circulação diminuiriam os lucros por ação. O problema foi que seus executivos financeiros colocaram só uma parte da dívida no balanço. Boa parte da dívida ficou fora dos livros, em empresas de propósito específico e subsidiárias com sede em paraísos fiscais. A contabilidade não detectou que eles na prática mascararam a situação da empresa. Quando admitiram os números reais, eles faliram. As histórias com MCI e Tyco foram semelhantes. Como a contabilidade olha apenas para o balanço e não para o valor econômico que o negócio está gerando, fica fácil esconder as notícias ruins nas notas de rodapé.

EXAME - Como impedir que isso aconteça de novo?

Stewart - A próxima fraude é difícil de detectar, pois só o que sabemos é que ela será diferente da fraude passada. Há cerca de um ano fomos procurados pelo Institutional Shareholder Services, que é a principal organização americana de assessoria aos investidores institucionais, como fundos de pensão e seguradoras. Eles nos pediram para desenvolver métodos para detectar quem seriam as novas Enrons e Tycos antes que os escândalos ocorressem. Eles queriam ferramentas que pudessem ajudá-los a orientar os fundos de pensão em como votar quando as empresas sugerissem mudanças em seus planos de compensação de executivos com ações, planos de bônus e outros fatores que podem afetar os resultados e prejudicar os investidores. Nós estamos desenvolvendo um sistema da alerta contábil , que coloca uma bandeira vermelha em companhias onde há sinais e indicações de que elas podem ser as novas fraudes. Essa nova metodologia deverá ser divulgada no fim do ano.

EXAME - O que indica que uma companhia pode estar tentando manipular os números?

Stewart - Há vários sinais. Uma das chaves para saber se uma companhia pode ter problemas futuros é se ela está crescendo depressa demais por meio de aquisições em um mercado que está parado ou encolhendo. Isso é um sinal de alerta, pois uma aquisição abre muitas oportunidades para inflar os lucros por ação. Como as empresas que se fundem têm relações preço/lucro [relação que mostra em quantos anos o lucro da empresa vai devolver o total investido ao acionista, e que é um dos indicadores se uma ação está cara ou barata] diferentes, é fácil misturar os números das duas para inflar o resultado final.

Outro sinal é quando a companhia tem uma relação alta entre dívidas e ativos, e essas dívidas são garantidas por receitas futuras ou valorização das ações. Quando isso ocorre, há uma grande pressão para que a companhia seja muito flexível e excessivamente otimista em estimar seus resultados futuros. Uma companhia que deve demais fica tentada a usar recursos contábeis para aumentar o valor de suas ações e assim poder se endividar mais ainda. Ela pode exibir mais lucros, vender mais ações e fazer mais dívida, em um círculo vicioso.

É importante lembrar que nem todas as aquisições são ruins. A MCI WorldCom foi construída por Bernard Ebbers por meio de diversas aquisições, assim como a General Electric. Só que a MCI é um sinônimo de escândalo e ninguém fala de um escândalo na GE. Qual a diferença? Embora as duas companhias fizessem compras agressivas, a GE não se endividou além de sua capacidade de pagar. Ela cresceu, mas não se alavancou demais. Quando veio a crise, ela tinha condições de suportar a baixa dos negócios.

EXAME - Há mais sinais potenciais de fraude?

Stewart - Sim. Uma companhia que passa a financiar-se apenas por meio de operações de leasing, que ficam fora do balanço, pode estar fabricando lucros por meio da ocultação de dívidas.

Outro problema, esse mais comum nos Estados Unidos, é contar demais com os resultados dos fundos de pensão. Se os ativos do fundo crescerem mais depressa do que as despesas previstas, a empresa precisará gastar menos para financiar as aposentadorias de seus empregados. Isso aparece como lucro, mas é apenas um movimento do mercado. Foi o que aconteceu nos anos 90, quando as ações em carteira subiram tanto que as empresas ganharam dinheiro com seus fundos de pensão. É uma receita, mas não dá para contar com ela porque tudo depende do mercado de ações. Se a bolsa cai, esse dinheiro desaparece. Esse foi o caso da General Motors, que teve de cobrir o rombo do fundo de pensão, estimado em 14 bilhões de dólares. Todos esses números estavam disponíveis, só que enterrados em algum canto das notas de rodapé dos balanços.

EXAME - Mudanças na lei, como a Sarbannes-Oxley, podem impedir novas fraudes?

Stewart - As empresas ainda estão se acomodando. Quando uma grande parcela dos negócios passa dos executivos para advogados e contadores, muitas pessoas simplesmente esperam ser punidas (risos). Além disso, o fato de serem mais responsáveis faz muitos executivos e diretores financeiros passarem a prestar mais atenção aos detalhes diários dos negócios em vez de ficar pensando em expansão e em novas oportunidades. A nova lei sozinha não vai evitar novos escândalos, porque eles sempre vão ocorrer quando as pessoas ficarem na situação em que já discutimos: sendo beneficiadas e premiadas por crescer a qualquer preço em uma situação onde quem chegar primeiro leva tudo.

A verdadeira mudança vai ocorrer quando os incentivos mudarem. Uma coisa é certa: a era de opções de ações abundantes para todos já acabou. Como as opções de ações têm custo, elas só devem ser entregues aos poucos executivos-chave da companhia, aqueles que são responsáveis pelas decisões de investimento e de crescimento, em vez de ser amplamente usadas. Isso faz sentido, pois para muitas pessoas as opções de ações simplesmente não são um incentivo a obter um desempenho melhor. É como dar a mesma nota para todos os estudantes de uma classe. O professor aplica a prova, tira uma média da classe e todos os alunos recebem essa nota, independentemente de seu resultado. Nesse caso, qual será o seu incentivo? Você tem de encorajar os outros alunos a estudar bastante para melhorar a nota média e depois ir ao cinema (risos).

EXAME - Mudando de assunto. O sr. acompanha diariamente o comportamento das empresas nos Estados Unidos. O que o sr. espera para economia americana nos próximos meses?

Stewart - Ela está preparada para uma forte recuperação nos próximos trimestres. Temos essencialmente nos recuperado do estouro da bolha da Nasdaq e as pessoas estão retomando suas carreiras. Pense, por exemplo, nas pessoas que tinham carreiras em empresas e saíram delas para buscar oportunidades em empresas ponto-com. Agora essas pessoas começam a voltar para seus empregos. Essa reacomodação dos recursos humanos leva tempo. Isso vem acontecendo nos últimos meses, e a convicção é que, mesmo com a queda dos preços das ações do setor, a tecnologia será importante nas relações de negócio. Daí a forte alta da Nasdaq este ano, que já é de 40%

EXAME - Há três anos, os investidores premiavam as empresas que investiam em países emergentes e hoje as punem. O que mudou?

Stewart - Quando o mercado acionário americano estava em alta, os negócios iam bem, as pessoas sentiam-se ricas e gastavam dinheiro, tudo isso criava muita demanda global por produtos e serviços, algo que desapareceu. O que é importante para o Brasil é estabelecer regras que criem um ambiente favorável para os negócios, e que essas regras sejam mantidas no longo prazo. Se houver potencial para retorno dos investimentos, o país se tornará atrativo para os investimentos. Entrar na Alca também não fará nenhum mal, pelo contrário.

EXAME - Por que as negociações são tão difíceis?

Stewart - Há uma discussão global sobre mercado e é difícil colocar uma área de livre comércio em pé quando os Estados Unidos falam tanto sobre livre comércio e o praticam tão pouco. Há pesados subsídios agrícolas nos Estados Unidos. Há toda uma questão que envolve têxteis, aço e produtos agrícolas que é muito difícil de resolver.

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