Bebê e chuva de dinheiro: há milhares de forma de ensinar a criança a lidar com o dinheiro além da mesada (ismagilov/Thinkstock)
Marília Almeida
Publicado em 25 de maio de 2018 às 05h00.
Última atualização em 28 de maio de 2018 às 10h52.
São Paulo – Cássia D´Aquino trabalha há 20 anos ensinando crianças e adolescentes a lidarem com as finanças e acredita que a educação financeira pode começar a ser ensinada a partir dos 4 meses de idade. É nessa fase que o bebê se torna capaz de começar a esperar. “Estimular essa capacidade da criança esperar nada mais é do que incentivar a sua capacidade de poupar no futuro”.
A educadora financeira, autora de artigos e livros sobre o tema, explica que tornar essa lição um hábito pode impedir que o filho detone no cheque especial e no cartão de crédito no futuro. “Aos poucos, ele precisa se sentir confiante e entender a necessidade da espera. Isso não significa deixar o bebê chorando no quarto por horas, mas alguns minutos, que vão aumentando com o tempo”.
Portanto, dar mesada não é, nem de longe, a única forma de se ensinar os filhos sobre o dinheiro. “A mesada, aliás, pode ser bem perigosa caso não seja oferecida da forma certa”, diz Cássia.
A especialista acredita que a educação financeira da criança deve se basear em saber gastar, ganhar e poupar. No item de como ganhar dinheiro, o principal é não é passar a mensagem de como ser rico, mas sim, de como ter uma vida produtiva e prazerosa. “O objetivo é fazer com que o filho busque uma vida que atenda aos seus desejos e talentos”.
Os pais que querem que os filhos lidem bem com o dinheiro devem, primeiramente, se entender sobre o assunto. “Os casais sempre buscam que o filho seja realizado profissionalmente, feliz, uma pessoa do bem. Idealizam ml coisas, mas nunca pensam sobre como ele irá lidar com o dinheiro. Há um tabu, ou uma suposta concordância dos pais sobre o tema que, na verdade, não existe”, diz Cássia.
A educadora afirma que o casal geralmente já não lida de forma igual com o dinheiro. Basta olhar as causas de separação: para metade dos casais, o dinheiro é a causa direta do divórcio e, para 80%, a causa indireta. "Imagina se cada um transmitir um pensamento diferente para o filho? Como a gente busca considerar o que os pais fazem como a forma correta, será muito difícil para ele lidar com o tema. Por isso, é necessário criar um campo neutro, no qual as regras sejam consistentes e repetidas. Toda boa educação exige isso”.
A educadora lembra de algo primordial: não vale ir desistindo das lições caso a criança não as aceite, a princípio. “A regra que vale hoje, mas não amanhã dificilmente vai surtir efeito”.
Veja abaixo as 6 dicas que Cássia considera essenciais para ensinar seu filho a lidar bem com o dinheiro:
Aos 2 ano e meio, Cássia relata que a criança pode começar a entender que é possível comprar coisas gostosas e divertidas com o dinheiro. “A forma como os pais vão lidar com isso pode ser perigosa. Como o afeto do filho é abundante e incomparável nessa idade, os pais tendem a retribuí-lo atendendo a todos os desejos da criança. Mas o problema é que esses desejos irão se repetir amanhã e depois de amanhã”.
Ser capaz de adiar um desejo é nada mais do que estimular a capacidade da criança em poupar no futuro. “Ela adia o desejo porque compreende que terá um benefício lá na frente, em datas comemorativas, por exemplo. Mostrar que o tempo passa e se conquista coisas é ensinar que vale a pena esperar”.
Cássia vai além: ela acredita que dizer não ao filho desde cedo quando se trata de consumo permita que a criança sinta desejo pelas coisas. “Sem esse desejo, damos espaço a pensamentos suicidas e ao mundo das drogas mais tarde. Os pais podem errar em tudo, menos nesse quesito: não podem sequestrar os desejos dos filhos, impedindo-os de esperar pelo Natal, pela Páscoa ou outra data para ganhar um presente. Isso não é apenas uma forma de educar para o consumo, mas de incentivar o desejo de se manter vivo, pois há coisas e objetivos pelos quais esperar. Afinal, civilizar é frustrar”.
Também é bem cedo, entre um ano e meio e três anos e meio, que a criança passa pela fase do “instinto do trabalho, diz a educadora. “A criança sai arrumando tudo pela casa, fica com vontade de trabalhar”.
Essa fase é importante para a educação financeira porque, dependendo de como os pais lidam com esse instinto, essa marca pode reaparecer na adolescência. “O jovem pode criar hábitos nessa época que o tornará mais propenso a colaborar nas coisas da casa mais tarde”.
A dica é simples: deixar a criança ajudar. “Nessa fase, ela vai encarar qualquer tarefa como uma grande missão e terá foco total em executá-la. Afinal, é um adulto que está confiando nela. Não importa que ela quebre um copo ao tentar lavar a louça. O que é mais importante agora: sujar o chão ou deixar que o filho confie que é capaz de fazer algo, tenha autonomia e consiga resolver problemas no longo prazo?”.
Caso os pais neguem a ajuda, Cássia aponta que corre-se o risco de que o filho não queira fazer nada também na adolescência. “Impedi-los de ajudar é impedir que descubram que há prazer no trabalho, o que será essencial para ele ganhar dinheiro no futuro”.
Os pais costumam, seja por comodidade ou por não suportar ver o filho sofrer, resolver rapidamente qualquer problema enfrentado por ele. Ou, ainda, solucionar qualquer problema relacionado à casa ou à família de modo que o filho não participe desse processo, como forma de poupá-lo de preocupações.
Mas Cássia diz que os pais que não ensinam seus filhos a resolverem problemas cria "bebês eternos que não saem de casa nunca”. “A criança se acostuma a ver que o problema aparece e, pouco tempo depois, não existe mais. Perde-se a noção do processo. Amanhã o adolescente achará que poderá ser um presidente de uma empresa sem ter ideia do que é necessário para isso”.
Aproximando o problema do mundo das finanças, esse hábito dos pais pode levar o jovem a acreditar, por exemplo, que investir em bitcoins irá torna-lo rico rapidamente. “Ele não pára para pensar que esse investimento é um processo, embute risco”.
A melhor maneira de ensinar é mostrar o passo a passo de como os problemas são solucionados. E, quando a criança pedir ajuda, perguntar: “O que você pode fazer para resolver esse problema?”. "Quanto maior for a capacidade dela de resolver problemas, maior será a sua capacidade de ganhar dinheiro no futuro".
Uma forma de ensinar a criança a lidar com o dinheiro é deixá-la contribuir aos poucos com tarefas que se relacionem com aquisições, como ajudar no planejamento das férias e nas compras do supermercado, diz Cássia.
É importante que essas atividades sejam limitadas, para não sobrecarregá-las. Cássia não indica mostrar as contas da casa para a criança como forma de indicar que os pais estão gastando muito e não há espaço para uma aquisição que o filho queira. "É muito cedo para isso. Cria nas crianças um sentimento de culpa".
A partir dos três anos, por exemplo, Cássia explica que a criança pode ajudar a planejar as compras do supermercado. "Aproveite o "instinto do trabalho" e peça para ela verificar se é necessário comprar sabonetes e dê a ela uma missão antes de entrar no supermercado: comprar o item. Ela vai ficar tão focada nisso que não vai ter tempo para querer tudo o que vê. E mais importante: vai perceber que a compra exige planejamento".
Uma forma de incentivar a criança a gastar do jeito certo é com a clássica mesada. Mas a educadora financeira acredita que suas regras devem ser seguidas à risca. "Não há espaço para os pais se enrolarem, não dar o dinheiro da criança conforme combinado e dar depois o valor acumulado".
Também não vale, segundo a especialista, usar a mesada como "suporte" para a educação do filho em outras áreas. "Os pais devem resistir a pensamentos como "rabiscou a parede agora vai ficar sem mesada". A mesada é para ajudá-lo a lidar com o dinheiro. E ponto. Não deve servir para "comprar" a educação do filho".
A educadora indica dar a "semanada" a partir dos seis até os 11 anos, quando o valor deverá virar mesada. "Antes dos 11 anos a criança não consegue gerenciar o valor durante todo o mês".
É importante criar regras para o uso do dinheiro, que devem ser comunicadas logo de início, mas deixar algum espaço para que a criança possa errar e aprender. "Os pais podem dizer, por exemplo, que ela pode comprar balas, mas apenas aos finais de semana", diz Cássia.
Cássia diz que, quando o amor do filho diminui na adolescência, os pais passam verdadeiros vexames. “É a fase do bater o pé na escola porque o filho aprontou alguma”. Outro comportamento comum é fazer tudo o que o filho pede, inclusive em relação ao dinheiro.
A educadora dá um conselho: os pais não devem buscar despertar no adolescente um sentimento antigo, que ofereciam quando criança, mas, sim, começar a tratá-los como adulto. “É assim que ele quer ser tratado. Ele diz sempre o contrário buscando reassegurar o que sempre ouviu dos pais. Portanto, é necessário passar confiança no que se fala sobre o tema”.
Cássia vai direto ao ponto. “O amor da criança não volta mais. Se voltar, é de maneira diferente. Então, os pais não devem fazer tudo o que um adolescente quer com o objetivo de continuar a ser amado como antes”.
Uma estratégia que pode ser usada pelos pais quando o adolescente pede mais dinheiro do que recebe de mesada é remunerá-lo por fazer atividades em casa pelas quais pagariam uma terceira pessoa para fazer. "Pode ser lavar o carro, dar banho no cachorro, algo semelhante. É uma forma de incentivar que ajude em casa e o motive a trabalhar para receber uma recompensa maior".