Zico e Pelé durante jogo da Seleção Brasileira em 1983 (Carlos Namba)
Da Redação
Publicado em 20 de julho de 2012 às 18h44.
São Paulo – Uma disputa virtual entre Zico e Pelé, que juntos mesmo só jogaram em partidas de exibição, agitou o mercado financeiro brasileiro nesta sexta-feira. Isso porque uma matéria exclusiva da última edição de EXAME revelou que a bolsa de Nova York (NYSE) tem um plano que visa a entrada no Brasil para abocanhar uma fatia do mercado de ações. Segundo a reportagem, o projeto foi batizado com o nome do ex-craque do Flamengo.
A escolha do nome do galinho de quintino pode ser entendido com uma claro enfrentamento à BM&FBovespa (BVMF3), que tem Pelé como garoto-propaganda. Nova York, na verdade, já disputa com a Bovespa por meio das ADRs (American Depositary Receits) negociadas na Nyse, ou seja, papéis de 29 empresas brasileiras listadas por lá que representam ações na Bovespa e cujas taxas pagas pelos investidores são abocanhadas pela Nyse. O embate agora é pelas taxas pagas por aqui nas negociações com as 372 empresas listadas na brasileira.
EXAME apurou que o nome foi escolhido porque Zico é considerado pelos americanos um exemplo de talento e seriedade. O projeto já está sendo discutido com a Comissão de Valores Mobiliários e com o Banco Central e deve ser apresentado publicamente em agosto. As ações da bolsa brasileira reagiram ao anúncio e, na mínima do dia, chegaram a cair 5%, negociadas a 10,84 reais. Em 2012, contudo, os papéis ainda acumulam uma valorização de aproximadamente 14%, acima do Ibovespa. “Com sua plataforma de negociação, a Nyse espera atrair grandes investidores que não operam no Brasil — o que, em tese, poderia aumentar o tamanho do mercado local”, ressalta a reportagem. O escritório de advocacia JL Rodrigues foi contratado para ajudar nas negociações da americana.
Para Aloísio Lemos, da Ágora Corretora, a reação do mercado nesta sexta-feira se dá por conta da confirmação de mais um interessado em abrir uma plataforma alternativa de negociação de ações no Brasil, o que já é entendido como quase certo. “A queda pode ser um movimento exagerado porque o efeito concorrencial vem sendo considerado pelo mercado há algum tempo e isso aconteceria mais no longo prazo”, ressalta. Um relatório encomendado pela CVM sobre os efeitos da concorrência entre bolsas no Brasil, publicado em junho pela consultoria OXERA, concluiu que há espaço para mais uma empresa no Brasil. Os resultados, contudo, foram muito contestados pela BM&FBovespa.
Posição da BM&FBovespa
Na opinião de Edemir Pinto, presidente da bolsa, o relatório foi frustrante “e ainda apresentou números errados”, disse em uma entrevista recente para EXAME.com. Edemir falou que o estudo apresentou números diferentes sobre taxas praticadas pela bolsa e ainda teria subestimado os custos de infraestrutura. Na opinião dele, o relatório e a iniciativa da CVM são positivos, mas a conclusão percebida pelo executivo é de que o mercado não precisa de fragmentação agora. Para ele, a entrada de um novo concorrente será mais difícil conforme o tempo passa porque a BM&FBovespa tem investido em projetos que a deixariam em melhor posição competitiva frente outras empresas.
“Para uma nova bolsa ter sucesso aqui, precisaria chegar já com um modelo verticalizado”, disse. Ele já deixou claro que não irá ceder o uso da sua clearing house, a CBLC (Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia), que é a contraparte para o mercado de ações e de renda fixa e responsável pela fiscalização dos pagamentos e recebimentos. Quando questionado sobre quem teria condições de já chegar no Brasil com esse modelo completo, Edemir disse que muitas bolsas no mundo estariam preparadas, mas nenhuma mostrou interesse em entrar no país. Mas esse pode ser o caso da NYSE que, segundo a reportagem, também está em contato com o BC. É a autoridade monetária que precisa autorizar uma nova clearing no país.
“Para esses players internacionais entrarem eles precisam de regras claras e escritas. O relatório da Oxera foi um grande primeiro passo. Ninguém, contudo, vai ficar esperando e já está fazendo o dever de casa e montando equipes. Imagino que a regulação deva sair em 2013 e não devemos esperar muito tempo depois disso para as outras começarem a operafr. O final de 2013 é uma data para começarmos a ver o início das operações”, destaca Henrique Navarro, analista do Santander.
Ele lembra do que aconteceu com o mercado de cartões no Brasil, que era dominado pela Cielo e a Redecard. “Quando as práticas exercidas levam ao monopólio e a taxas são consideradas mais altas que as do mercado em geral, esse é o exato momento em que um regulador precisa intervir e foi isso o que aconteceu com os cartões. A postura em relação à CBLC é a típica coisa que incomoda o regulador. Se a coisa ficar muito difícil eu vejo o regulador entrando para resolver isso de uma vez. O fato é que a concorrência vai acontecer de uma maneira ou de outra. E o fluxo de notícias sobre o assunto vai continuar. Essa notícia da Nyse é nova e não estava no radar”, reforça Navarro.
Outros interessados
As notícias mais concretas sobre a entrada de um novo participante no mercado brasileiro começaram em janeiro do ano passado, quando um grupo de investidores liderado pela gestora de recursos Claritas anunciou o projeto para s criação de uma nova bolsa de valores com a americana Bats Global Markets. Depois, no final do ano passado, foi a vez da Direct Edge. Há ainda uma aproximação da Bovespa, que operava na Bahia, com a com a bolsa de Londres, como ressalta a reportagem de EXAME. A primeira tem em seu plano de negócios a estratégia de montar a própria clearing. A Direct Edge, por sua vez, espera a boa vontade da BM&FBovespa.
"Consideramos a Nyse um competidor mais temível que a Direct Edge ou a BATS, mas matemos a visão de que não esperamos um competidor no mercado brasileiro antes de 2014", explica Paulo Ribeiro, analista do HSBC, em uma nota distribuída para clientes. Segundo ele, a bolsa poderia perder até 30% em volume de negociações até 2016, com pressão sobre as margens. O banco tem um preço-alvo de 15 reais, cenário no qual considera que a BM&FBovespa ganhe com tarifas de clearing sobre os 30% perdidos e um preço-alvo de 13 reais para um ambiente sem essas taxas.
O Brasil já foi um país com vinte ambientes de negociações de ações e outros ativos financeiros. Esse era o cenário brasileiro na década de 1990. Porém, ao longo dos anos seguintes o mercado se consolidou e, depois da quase quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, então a maior do país, hoje só se fala na BM&FBovespa, fusão entre o ambiente de negociações de derivativos e commodities com o de ações, realizada em 2008.