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Visitamos a futura farmácia do Meli: uma 'portinha' no Jabaquara para um mercado bilionário

Ponto físico é condição da Anvisa para venda de medicamento on-line; operação própria, porém, requer novos marcos regulatórios, dizem advogados consultados pela EXAME

Cuidamos Farma, na zona sul de São Paulo: ponto era usado pela Memed, que desistiu do negócio de market place (Letícia Furlan | Exame) (EXAME)

Cuidamos Farma, na zona sul de São Paulo: ponto era usado pela Memed, que desistiu do negócio de market place (Letícia Furlan | Exame) (EXAME)

Publicado em 3 de setembro de 2025 às 12h32.

Última atualização em 3 de setembro de 2025 às 13h30.

Beirando uma movimentada avenida, em um bairro que nada tem a ver com a paisagem de edifícios espelhados da Faria Lima, está a porta de entrada do Mercado Livre para o setor farmacêutico. E é praticamente uma 'portinha' no Jabaquara, zona sul da capital paulista, de fachada vermelha e branca. A farmácia fica próxima de borracharias e de um posto de gasolina. Quase não tem produtos — nem charme.

É de fato uma farmácia muito engraçada: na maior cidade da América Latina, a poucos metros de uma estação de metrô e de uma rodoviária, fecha às 16h e não abre aos sábados e domingos.

Nas prateleiras, há poucas unidades de uma variedade muito limitada de produtos. Nas gôndolas, o estritamente necessário: dipirona, floratil, tinta para cabelo e algumas poucas caixas de pasta de dente.

O Google diz que a farmácia está “permanentemente fechada”, apesar de (ainda) não estar.

Segundo os pouquíssimos funcionários, essa confusão de horários acontece porque o estabelecimento está sendo vendido. Também havia no local um estoque para entregas pelo iFood, que parou de ser reabastecido até que a aquisição seja finalizada.

Os funcionários não sabem para quem é a venda, quando será finalizada, nem qual será o rumo deles mesmos. Na vizinhança, todos percebem a estranheza do estabelecimento.

“Eles devem ter dinheiro, porque quase não abrem, não devem precisar trabalhar tanto”, afirma um morador antigo do bairro, que diz que faz suas compras na Drogasil, localizada a menos de 15 minutos de caminhada da Cuidamos Farma. Esse é o nome da farmácia com ares de abandono e único ponto físico de varejo da Memed, startup que digitaliza receitas médicas e exames.

O mesmo morador que a reportagem ouviu diz que a farmácia não está há muito tempo ali e ocupou um espaço onde, há mais de 50 anos, funcionou uma padaria.

De acordo com apuração da EXAME, a healtech comprou o estabelecimento para poder operar seu marketplace, o Memed+, pelo qual comercializava medicamentos sem prescrição médica. O ponto físico era para estar em conformidade com o arcabouço legal.

"O medicamento adquirido por meio remoto deve estar previamente armazenado em farmácia ou drogaria aberta ao público", explica Amanda Kraft, sócia da De Paula Kraft Advogados, um escritório especializado em regulatório do setor de saúde. "Pela letra da norma, não bastaria ter um estabelecimento operando e um centro de distribuição em separado, de onde partiriam os produtos."

Essa é uma das determinações da norma-chave da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 44, que limita a comercialização de medicamentos a farmácias e drogarias.

"A RDC traz uma previsão que não dialoga com a realidade atual. Ela veda expressamente a oferta de medicamentos na internet em site que não pertença a farmácias ou drogarias autorizadas e licenciadas pelos órgãos de vigilância sanitária competentes", diz Amanda.

Por trás da fachada

O movimento do Mercado Livre em ter sua própria farmácia coincide com mais uma tentativa de autorizar a venda de medicamentos sem prescrição nos supermercados. O projeto de lei da vez sobre esse tema é o 2.158, que já recebeu parecer favorável em comissão do Senado, desde que os estabelecimentos montem estruturas apartadas para a venda de remédios e inclua a atividade farmacêutica em seu CNPJ.

Hoje, os medicamentos encontrados no Meli são vendidos por drogarias menores que anunciam seus produtos na plataforma. As grandes redes, como Pague Menos e RD Saúde, não estão no marketplace, mas entregam medicamentos por aplicativos de delivery, como o iFood.

"Um marketplace como o Mercado Livre atua como intermediador e não como proprietário direto dos produtos vendidos", esclarece Henderson Fürst, sócio do escritório Chalfin Goldberg Vainboim Advogados.

"Caso opte por centralizar estoques ou assumir funções de venda direta, precisaria regularizar sua operação como uma farmácia virtual ou buscar incluir suas atividades na regulamentação específica. [...] Também seriam necessários novos marcos regulatórios ou ajustes na legislação para incorporar seu modelo de negócios."

A notícia sobre a entrada do Mercado Livre em farmácias foi veiculada, inicialmente, no jornal O Globo. À EXAME, a assessoria de imprensa da empresa confirmou a possível aquisição de uma empresa que comercializa medicamentos. "No momento oportuno, o Mercado Livre irá compartilhar mais informações a respeito", diz a nota compartilhada com a reportagem.

O posicionamento oficial da Memed é de que a empresa está negociando, sim, a venda de um ponto de varejo físico, para focar em seu negócio de digitalização. A plataforma, hoje, é utilizada por mais de 130 mil médicos para prescrições, diz a nota.

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