Desta vez em um dos segmentos de dinheiro rápido mais populares, as chamadas SPACs, sigla em inglês para empresas de aquisição de propósito específico (Spencer Platt/Getty Images)
Karla Mamona
Publicado em 9 de março de 2021 às 16h08.
Sempre que a ganância enfrenta a realidade e mercados vertiginosos entram em colapso, veteranos de Wall Street geralmente admitem que sentiram que o fim estava próximo. Os sinais de alerta eram tão familiares, confessam tardiamente, que era difícil acreditar que alguém pudesse ignorá-los.
“Isso não pode durar”. Hoje, essas palavras sóbrias são sussurradas novamente no mercado financeiro dos EUA, desta vez em um dos segmentos de dinheiro rápido mais populares, as chamadas SPACs, sigla em inglês para empresas de aquisição de propósito específico.
Quem ainda não ouviu falar das SPACs? Antes descartadas como algo misterioso em Wall Street, essas empresas de capital aberto são criadas com um propósito: para se unirem com companhias reais que realmente ganham dinheiro.
Atualmente, todo mundo parece querer lançar uma SPAC. Atletas como Alex Rodríguez e Shaquille O’Neal; o ex-presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Paul Ryan; titãs de Wall Street como Michael Klein, e a lista continua. Os números dos últimos 15 meses apontam para 474 SPACs. Juntas, captaram US$ 156 bilhões.
Pense no encontro de um usuário do Reddit promovendo a varejista de videogames GameStop com o “O Lobo de Wall Street”. O espetáculo repleto de celebridades ou vai provar que as SPACs estão transformando a maneira como as finanças são feitas, ou que a euforia do mercado está saindo do controle. Talvez ambos.
Nos bastidores, e cada vez mais publicamente, profissionais financeiros alertam que isso acabará mal para investidores. Para os cínicos, as únicas questões são quando e com que intensidade. Cada vez mais membros do ecossistema SPAC - uma matriz de fundos de hedge, negociadores de private equity, banqueiros, advogados e promotores diversos - veem excessos. Eles apontam para valuations fora da realidade, divulgações questionáveis e, o que é mais preocupante, um crescente desalinhamento de interesses.
De um lado estão as pessoas que lançam SPACs e ficam ricas agora. Do outro, estão as que compram SPACs e esperam enriquecer mais tarde. A SEC começa a levantar bandeiras vermelhas.
Os maus presságios estão por toda parte. Liguei para um executivo de private equity que estava examinando uma lista de cerca de 20 SPACs. Ele calculou que valeria a pena investir em cinco. Rodríguez, o jogador de beisebol que virou empresário, disse recentemente à Bloomberg Television que seu objetivo era construir “os Yankees das SPACs”.
Um analista de um grande banco me disse que está pensando em lançar uma SPAC. E perguntou, meio que brincando, se eu queria entrar. “É muito fácil”, disse.
Como chegamos até aqui? Resposta curta: devagar e de uma vez. As SPACs surgiram na década de 1980 e por um longo tempo foram relegadas ao mercado de balcão, onde as chamadas “penny stocks” se escondem. Até recentemente, eram vistas principalmente como um último recurso para negociadores que buscavam captar dinheiro.
A pandemia de Covid-19 mudou tudo. No novo trabalho remoto de Wall Street, os tradicionais roadshows tornaram-se raros. Taxas de juros em mínimas alimentaram o histórico “rali de tudo”, em ações, Bitcoin, o que quer que seja. Guiados pela ganância e pelo tédio, milhões de investidores amadores, incentivados pelas redes sociais, acumularam ações memes como as da GameStop - e SPACs.
Os números não mentem. Em 2019, 59 SPACs arrecadaram US$ 13,6 bilhões. Em 2020, esses números saltaram para 248 e US$ 83,3 bilhões. Neste ano, os totais já estão em 226 SPACs e quase US$ 73 bilhões, com as SPACs representando mais de 70% do mercado de IPOs. Ao longo do caminho, players financeiros proeminentes como Apollo Global Management e KKR & Co. emprestaram às SPACs a legitimidade que não tiveram por muito tempo.