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Menos FAANG, mais emergentes: país pode ganhar com novo ciclo, diz Attuch

Para Roberto Attuch, CEO da Ohmresearch, há grande potencial de alta de ações brasileiras, mas é preciso superar abismo fiscal e melhorar política ambiental

Roberto Attuch, CEO da Ohmresearch (Divulgação/Divulgação)

Roberto Attuch, CEO da Ohmresearch (Divulgação/Divulgação)

PB

Paula Barra

Publicado em 22 de novembro de 2020 às 06h30.

Última atualização em 22 de novembro de 2020 às 10h22.

Para o veterano Roberto Attuch, CEO da Ohmresearch (conhecida anteriormente como Omninvest), com mais de 25 anos na área de pesquisa de ações em bancos estrangeiros, o grande negócio dos últimos cinco anos -- que foi comprar as FAANGs (Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Alphabet/Google) e vender todo o resto do mundo --, está chegando ao fim. E e o Brasil pode sair como beneficiário desse movimento, desde que saiba aproveitar. 

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Segundo ele, os mercados financeiros estão entrando em um novo ciclo, que pode ser bastante positivo para emergentes, incluindo o Brasil. “O upside (potencial de valorização) para as ações brasileiras é muito grande, mas precisamos atravessar esse abismo fiscal que tem aí na frente e mudar a condução da política ambiental”, diz Attuch em entrevista à EXAME Invest. Antes de fundar a Ohmresearch, ele foi diretor do Credit Suisse e Barclays,  

Com Joe Biden no comando dos Estados Unidos, é esperado que os americanos se reaproximem de aliados tradicionais como a Europa, o que significa mais comércio e mais crescimento mundial, associado ainda a um novo pacote de estímulo fiscal que deve ser aprovado nos EUA, comenta. Com isso, “tudo que deu certo nos últimos cinco anos, que foi comprar FAANGs e ficar short (vender) em todo o resto, está revertendo agora. Virou um negócio quase consensual, há bancos grandes recomendando fortemente mercados emergentes”. 

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Isso porque, explica, em um ambiente de crescimento global, as taxas de juros de longo prazo também se aceleram, mesmo com a repressão financeira em curso, com os bancos centrais imprimindo dinheiro. “E se as taxas longas, os Treasuries (títulos públicos dos EUA) com vencimentos em 10 anos, 30 anos, começarem a subir, as ações de tecnologia têm que cair", afirma o vetereno de mercado.

"Se olharmos o gráfico da Nasdaq e o da taxa de juros real de 10 anos, vai ver que a correlação dos dois é negativa. Quanto mais os juros reais ficavam negativos, melhor era para o Nasdaq. Agora, parece que isso está chegando ao fim”. 

Além disso, o dólar deve se enfraquecer mais perante outras divisas fortes no mundo, o que, via de regra, é bom para bolsas emergentes, porque o mundo começa a tomar mais risco. "Globalmente, o fluxo começa a ir para mercados emergentes." Nesse sentido, ele acredita que o Brasil pode aproveitar esse movimento, apontando ainda que a Bolsa brasileira é uma das piores no mundo em dólares neste ano. “Ou seja, podemos ter também uma questão de reversão à média". Confira a entrevista abaixo: 

O que representa para os mercados Joe Biden na presidência dos EUA? 

Do ponto de vista geopolítico, é uma reaproximação dos Estados Unidos com aliados tradicionais, como Europa, o que significa mais comércio, mais crescimento. Isso associado a um novo pacote de estímulo fiscal, que deve sair mesmo com os republicanos tentando atrapalhar, além de um impulso da energia verde. O Biden vai colocar os EUA de novo no Acordo de Paris, tem muita coisa para acontecer nessa área. 

Acreditamos muito que as grandes democracias, a Europa, podem ser grandes beneficiadas disso, enquanto as bolsas dos EUA devem underperformar (ter um desempenho abaixo da média). Isso porque, nesse cenário de maior crescimento global, as taxas de juros de longo prazo também aceleram, ou seja, os juros de 10 anos, 30 anos dos EUA também vão subir, mesmo com essa repressão financeira, com os bancos centrais imprimindo dinheiro, o que joga isso para baixo.

Crescimento é igual a taxa de juros no longo prazo. E se as taxas longas, os Treasuries (títulos públicos dos EUA) com vencimentos em 10 anos, 30 anos, começam a subir, as ações de tecnologia têm que cair. Se olhamos o gráfico do Nasdaq e o da taxa de juros real de 10 anos, vemos que a correlação dos dois é negativa. Quanto mais os juros reais ficavam negativos, melhor era para o Nasdaq. Agora, parece que isso está chegando ao fim.

Como hoje o mercado americano é preponderantemente tecnologia, deve ter um desempenho pior. Essa correlação inversa também é observada com o ouro. Quanto mais negativa era a taxa de juro real de longo prazo, melhor para o ouro. Agora, isso pode mudar.

Tudo o que deu certo nos últimos cinco anos agora está revertendo. Virou um negócio quase consensual: há grandes bancos recomendando fortemente mercados emergentes, o que pode ser bom para o Brasil. O upside para ações brasileiras é muito grande, mas precisamos primeiro atravessar esse abismo fiscal que tem aí na frente e mudar a condução da política ambiental. 

A Bolsa brasileira ficou muito para trás neste ano em relação a outras porque praticamente não temos tecnologia no índice e, no pico da crise, todo mundo correu para esses papéis. Com esse movimento contrário agora, tendemos a ganhar mais tração?  

Se você pensar em mercados emergentes, nem tanto tempo atrás, no auge do Brasil, em 2010, o país representava 15% do índice MSCI para mercados emergentes. Hoje, representamos 5%. Então, o que aconteceu foi que emergentes viraram basicamente Ásia, com China, Coreia e Taiwan, sendo que, do total do índice, praticamente metade passou a corresponder a empresas de tecnologia. Então, se tivermos esse movimento inverso, o Brasil pode se beneficiar. 

Quando falávamos de mercados emergentes, falávamos antes basicamente de setor financeiro e petróleo. Obviamente, isso pode beneficiar o Brasil, tendo em vista que um dos setores que jogou as bolsas para baixo neste ano ano foi justamente o financeiro. 

 E não subiram basicamente por alguns motivos, e isso talvez daqui para frente. Um deles, é porque como os bancos brasileiros -- os três privados (Itaú Unibanco, Bradesco e Santander), exceto Banco do Brasil -- têm uma negociação muito importante nos ADRs (American Depositary Receipts) e são uma proxy do Brasil, como o estrangeiro queria vender Brasil, já que a percepção sobre o país não estava boa, esses papéis acabavam sendo mais pressionados.  

Além disso, as pessoas não sabem quão real é a inadimplência que está nos balanços dos bancos, uma vez que a economia estava turbinada com o auxílio emergencial, que todo mundo sabe que não vai se repetir ou, se repetir, vai ser por um mau motivo, porque o governo perdeu o controle fiscal. 

Agora, o que tem que acontecer para os bancos andarem? O Brasil, como um todo, precisa resolver esse abismo fiscal, o programa de renda que vier para o ano que vem tem que caber no Orçamento para não furar o teto dos gastos e, preferencialmente, que venha junto com reformas de longo prazo. 

Falando de outros setores que podem ter um bom desempenho, gostamos dos setores de materiais básicos, mais cíclicos, industrial. Na parte de commodities, gostamos de metais industriais. Nesse cenário de commodity em alta, dólar mais fraco, acho que o minério se beneficia mais do que o petróleo, por mais que possamos ter um pico na demanda de petróleo neste ano, com a atividade voltando ao normal, o que seria bom para a Petrobras.

Mas acho importante diferenciar Vale de Petrobras. Com Biden, a energia verde vai ser um motor importante. E a Petrobras está com uma estratégia totalmente diferente de outras companhias do setor, como, por exemplo, a BP , a Total. Essas estão se reposicionando como empresas de energia, tendo mais energia verde, e a Petrobras, não. Agora, vamos ver até que ponto ela vai continuar perdendo fluxo desses investidores mais focados em ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês). De novo, isso é uma realidade, não tem como o Brasil escapar disso. 

Sobre bancos, o senhor citou preocupação com inadimplência. A inadimplência pode subir no último trimestre do ano ou no início do ano que vem?

O auxílio emergencial no quarto trimestre caiu pela metade, foi de 600 reais para 300 reais e, no ano que vem, ninguém sabe qual vai ser o valor. Foi um aumento de renda substancial para muita gente e tem até quem questione se esse auxílio não foi demais. 

Os bancos não vão ter problemas porque todos estão muito provisionados. Provisionaram o máximo que puderam, não acho vão ter problemas de capital, no resultado.

Agora, uma conta que todo mundo faz é olhar para a rentabilidade dos bancos de forma normalizada, ou seja, o lucro antes de provisões e de impostos. Esse lucro mostra a rentabilidade recorrente, mas, mesmo dentro das provisões, a gente olha o que está acontecendo com a deterioração da qualidade de crédito da carteira. E isso pode aumentar, porque o número da demanda agregada na economia vai diminuir de qualquer forma, porque você vai ter o gasto do governo, que é um componente importante, retraindo. As pessoas vão receber menos dinheiro, o que tem efeito em toda a cadeia.

Mas se as ações vão cair ou não, isso é outra coisa, porque o mercado compra expectativa futura. Mesmo que você tenha dois ou três trimestres com inadimplência bem mais alta em razão disso, mas se o governo sinalizar que está fazendo o dever de casa na área fiscal e realmente conseguir estabilizar a trajetória da dívida, aí sim os bancos podem subir muito mais, porque você parte de um prêmio de risco muito grande que está embutido hoje nas ações. 

Se o cenário é de ouro para baixo e dólar também, onde buscar proteção?

Sendo bem simplista, você tem duas classes de ativos no mundo. O dólar e todo o resto, porque o dólar é a principal moeda de reserva de valor. Toda vez que o dólar fica globalmente mais forte, pode olhar, sempre alguém aparece de barriga para cima, alguém explode, algum mercado emergente quebra. Por outro lado, quando você tem o dólar se enfraquecendo no mundo inteiro, é bom para mercados emergentes. 

Se você tiver esse movimento do dólar se enfraquecendo no mundo, compra bolsa, porque deve subir, a não ser que o Brasil faça uma barbeiragem muito grande. 

Quando o dólar se enfraquece no mundo significa, via de regra, bolsas de mercados emergentes em alta, porque o mundo começa a tomar mais risco. Globalmente, vai para mercados emergentes.

De modo geral, como vocês estão olhando para 2021?

Estamos otimistas com bolsas fora dos EUA. Esse é o grande call. E aí tem Europa e Ásia, que podem ir bem. Nesse sentido, o Brasil também pode aproveitar muito, até porque tem uma questão de reversão à média. A Bolsa brasileira foi uma das piores do mundo em dólares neste ano. Podemos ver uma volta mais forte do fluxo estrangeiro. Mas, para isso, precisamos fazer duas coisas: temos que atravessar esse abismo fiscal: o mercado tem que ver uma estabilização da trajetória da dívida e também uma mudança na condução da política ambiental. O Brasil precisa ser um pouco mais pragmático, porque a pressão com Biden vai ser grande. Já existe por parte da Europa e de muitos investidores, mas acho que vai intensificar muito com Biden. 

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