Mercados

Tombini pode minar mercado de dívida com corte da Selic

O imperador Dom Pedro II queria que a poupança fosse a forma de economizar entre as classes baixas. Redução na Selic pode colocar os títulos do governo abaixo da poupança

Cortes na taxa básica de juros feitos por Tombini fazem regras da caderneta de poupança remontarem os tempos do Império brasileiro (Álvaro Motta/Veja)

Cortes na taxa básica de juros feitos por Tombini fazem regras da caderneta de poupança remontarem os tempos do Império brasileiro (Álvaro Motta/Veja)

DR

Da Redação

Publicado em 15 de março de 2012 às 07h35.

São Paulo/Brasília - A redução da taxa básica de juros enfrenta outro obstáculo além da inflação: regras da caderneta de poupança que remontam ao Império de Dom Pedro II.

A curva dos contratos de juros futuros indica que os operadores esperam que o Banco Central reduza o juro básico em até 125 pontos-base, para uma mínima de 8,5 por cento até julho. A redução colocaria o rendimento dos títulos do governo brasileiro abaixo da taxa de retorno da poupança, que paga 7,3 por cento ao ano, levando em conta as taxas de administração cobradas pelas corretoras e bancos.

A distorção, se mantida, pode induzir investidores a levar seus recursos para as contas de poupança, que não pagam imposto de renda, tornando mais difícil a venda de títulos corporativos e do governo no mercado doméstico, de acordo com o Itaú Asset Management. Uma proposta do governo para taxar as contas de poupança em 2009 fracassou depois que a oposição promoveu uma campanha publicitária na televisão para comparar a medida à tomada pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello em 1990, que congelou as contas de poupança de toda a população. Collor sofreu impeachment dois anos depois.

“É um dilema. Um problema político que é maior que o da inflação”, disse Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central, em entrevista por telefone do Rio de Janeiro. “Em qualquer caso, eles vão ter que mudar as regras.”

Ponto de virada

A menos que as regras mudem, a Selic em 9 por cento marcaria o ponto de virada, no qual os investidores de renda fixa começariam a despejar dinheiro sem correr riscos na caderneta de poupança, disse Ronaldo Patah, que administra R$ 80 bilhões como chefe de renda fixa na Itaú Asset Management.

“Isso seria ruim”, disse Patah em entrevista por telefone de São Paulo, acrescentando que a saída dos ativos de renda fixa seria gradual e só aconteceria se os juros permanecessem baixos por pelo menos seis a 12 meses. “A política monetária perde efetividade.”

O Comitê de Política Monetária liderado pelo presidente do BC, Alexandre Tombini, reduziu a taxa Selic em 275 pontos-base desde agosto para 9,75 por cento. O corte faz parte dos esforços para impulsionar o crescimento econômico, que desacelerou de 7,5 por cento em 2010 para 2,7 por cento no ano passado.

Apesar de a inflação ter desacelerado pelo quinto mês seguido, para 5,85 por cento nos 12 meses até fevereiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo tem estado acima da meta de 4,5 por cento desde agosto de 2010.

A diminuição da Selic reduz as despesas do governo federal com o pagamento de juros sobre a dívida de R$ 1,8 trilhão, considerando que uma fatia de 31,6 por cento da dívida é atrelada à Selic. Se o juro básico cair abaixo de 8,75 por cento, o governo arriscaria sua capacidade de financiar a dívida pública líquida, que equivale a 37,2 por cento do Produto Interno Bruto, disse Sinara Polycarpo, chefe de investimentos do Banco Santander Brasil SA.


Decreto imperial

“O governo não pode financiar a dívida pública com dinheiro da poupança”, disse Sinara em entrevista por telefone de Caxias do Sul.

Em fevereiro, os depósitos nas contas de poupança subiram 10,9 por cento na comparação anual, para R$ 424 bilhões. Os depósitos a prazo somavam R$ 703 bilhões em 24 de fevereiro, ou 10,7 por cento a mais do que um ano antes. Os depósitos em fundos de investimentos avançaram 18 por cento para R$ 1,57 trilhão.

A instituição que se transformou na poupança foi criada ainda nos tempos do Império. Como pretendia Dom Pedro II, a poupança continuou sendo a forma mais popular de economizar entre as classes baixas, servindo como proteção contra os surtos periódicos de hiperinflação. Por lei, os poupadores recebem 0,5 por cento ao mês como no decreto do Imperador, mais a Taxa Referencial.

Desistência de Lula

A redução desse rendimento causaria grande desagrado na população e dificilmente teria apoio dos parlamentares, especialmente com a proximidade das eleições municipais em outubro, disse André Pereira, analista político da Prospectiva Consultoria.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desistiu de cobrar imposto sobre as contas de poupança com mais de R$ 50.000 em 2009, quando a Selic caiu pela primeira vez abaixo de 10 por cento.

“Qualquer mudança no retorno da poupança abriria um flanco de ataques ao governo”, disse Pereira em entrevista por telefone de Brasília. “Teria de gastar muito tempo e esforço para tentar aprovar isso.”

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse em audiência pública no Senado, em 13 de marçom que o governo não tem planos “neste momento” de alterar as regras da poupança, mesmo esperando que a Selic entre em convergência com a Taxa de Juros de Longo Prazo, que é aplicada aos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A TJLP está no menor nível histórico de 6 por cento.

Por e-mail, o BC e o Ministério da Fazenda se recusaram a fazer comentários para esta reportagem.

Acompanhe tudo sobre:Alexandre Tombiniaplicacoes-financeirasCopomEconomistasEstatísticasIndicadores econômicosJurosMercado financeiroPersonalidadesPoupançaSelicTítulos públicos

Mais de Mercados

Por que a China não deveria estimular a economia, segundo Gavekal

Petrobras ganha R$ 24,2 bilhões em valor de mercado e lidera alta na B3

Raízen conversa com Petrobras sobre JV de etanol, diz Reuters; ação sobe 6%

Petrobras anuncia volta ao setor de etanol