Torres de transmissão de energia: mercado vê competição acirrada no setor (Adriano Machado//Bloomberg)
Guilherme Guilherme
Publicado em 23 de setembro de 2022 às 06h53.
Previsibilidade do negócio, receita indexada à inflação e geração de caixa robusta foram algumas das características que colocaram a Taesa (TAEE11) entre as favoritas do mercado quando o assunto é — ou era — dividendos. Não é à toa.
A empresa distribuiu R$ 3,4 bilhões a seus acionistas nos últimos dois anos, quantia que representa 76% de todo o lucro líquido do período e 224% do que foi distribuído no biênio anterior. O crescimento teve reflexos no preço das ações, que acumulam alta de 45% desde 2020. Mas incertezas sobre o futuro da companhia têm provocado uma maré de pessimismo entre os analistas.
De 11 recomendações formais compiladas pelo Refinitiv, três aconselham o investidor a ficar longe das ações da Taesa e oitos recomendam a venda — ou seja, acreditar na desvalorização. J.P. Morgan, Eleven, BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame), Credit Suisse são alguns dos nomes que estão alinhados nessa tese.
As expectativas de depreciação do negócio não estão apenas nos relatórios de bancos e casas de análise. Na bolsa, as apostas de queda, ou seja, as posições vendidas, superam R$ 1 bilhão, segundo dados da B3. O volume das ações da Taesa em aluguel está entre os 20 maiores da bolsa e só perde para o de empresas maiores em valor de mercado, como Suzano, Ambev e outras gigantes do Ibovespa.
A tese de queda das ações é baseada no preço da ação, considerado excessivamente alto por parte do mercado, e no momento desafiador que a Taesa atravessa.
Transmissoras de energia vivem de ciclos de investimento. Ganham a concessão, executam o projeto e passam a receber o dinheiro contratado. Os valores a serem recebidos são estabelecidos logo na largada e são chamados de receita anual permitida (RAP). A RAP é reajustada por índices de inflação, especialmente o IGP-M no caso da Taesa. Isso porque a maior parte de suas concessões são as da chamada “categoria 2”, de leilões entre 1999 e 2006, que estabeleciam 30 anos de concessão, com corte de 50% do RAP no 16º ano. O IGP-M, mais volátil que o IPCA, chegou a acumular mais de 30% de alta em 12 meses no ano passado — o que contribuiu para a valorização recente da Taesa na bolsa.
Só que parte significativa das concessões da Taesa vem passando pela tal data de corte, pressionando a renovação de portfólio. Acontece que isso ocorre justamente em meio à desaceleração do IGP-M, que reduz o aumento da receita, e a taxas de juros mais elevadas, que encarece a dívida para financiar novos projetos.
A Taesa encerrou o segundo trimestre com dívida líquida de R$ 8,7 bilhões, 16,4% acima do mesmo período do ano passado. Já a despesa financeira, pressionada por juros mais altos, aumentou em 70,5% para R$ 307,5 milhões no último trimestre. Como consequência, o lucro líquido societário, base para a distribuição de dividendos, diminuiu em 19,6% frente ao mesmo período do ano passado.
Não só o lucro mais baixo, mas também a valorização recente dos papéis devem provocar redução do dividend yield, segundo os analistas, um indicador que mede a relação entre o dividendo e o preço das ações. As units da Taesa acumulam 10% de alta em 12 meses e vêm sendo negociadas perto de R$ 41 — acima do preço considerado justo pela maioria dos analistas de mercado.
O BTG Pactual, com uma das perspectivas mais pessimistas, tem preço-alvo de R$ 32. Até mesmo a XP, com recomendação neutra, vê os papéis como demasiadamente esticados. Para os analistas da casa, o preço justo para ação seria algo em torno de R$ 35, cerca de 14% abaixo do atual.
As preocupações com o aumento do custo da dívida são amplificadas diante da maior competitividade do setor, que tem reduzido os potenciais ganhos de novas concessões. Sem o mesmo dividend yield de antes e expectativa de margens mais apertadas, para o mercado, o investimento ficou caro demais.
Felipe Moura, gestor da Finacap, disse que a percepção sobre a ação mudou principalmente após o último leilão vencido pela Taesa. No fim de junho, a empresa ganhou a concessão de um lote com 92,7 quilômetros de transmissão em Santa Catarina com RAP de R$ 18,79 milhões e investimentos previstos de R$ 243,15 milhões. Na visão do gestor, que zerou suas posições, os retornos do projeto não compensam o investimento.
“O retorno real deve ficar em 7%, pelas nossas contas. O prêmio é muito baixo, sendo que o Tesouro está pagando próximo de IPCA + 6%”, pondera Moura, sob a ótica totalmente matemática.
"Os retornos previstos para os próximos projetos da Taesa se tornaram o principal questionamento do mercado, principalmente quando se comparados à rentabilidade dos títulos públicos, que pagam mais e têm menor risco", reforçou Ilan Arbetman, analista da Ativa, que também tem recomendação de venda para as ações.
Segundo o J.P. Morgan, a Taesa tem hoje a menor taxa interna de retorno (TIR) entre as transmissoras de energia, o que justifica a posição vendida, apesar da previsibilidade de receita. Pelos cálculos de analistas do mercado, a empresa vem sendo negociada a um TIR real, que varia de acordo com o método utilizado, entre 4,5% e 5,5% — abaixo do que é pago pelos títulos do Tesouro com prazos semelhantes às concessões.
"Normalmente uma recomendação de venda deriva da relação com o título indexado à inflação. Se o título está dando mais, a priori, não faria sentido manter a ação em carteira", disse Arbetman.
À Exame Invest, Cristiano Grangeiro, gerente executivo de RI da Taesa, reconheceu que os leilões de transmissão “têm sido bastante concorridos há alguns anos”, mas ressaltou que a “disciplina de capital virá sempre em primeiro lugar”. “Não vamos crescer a qualquer custo. Ao contrário, nosso crescimento estará necessariamente associado à geração de valor."
Questionado sobre a possibilidade de reduzir dividendos, Graneiro respondeu que o mais importante para a Taesa é maximizar o valor total aos acionistas, seja pela distribuição de proventos ou pela valorização dos papéis por meio de crescimento.
"A cada evento, a companhia tem avaliado e tomado decisão de uma combinação entre aquisição de novos ativos, distribuição de dividendos e uma alavancagem adequada que no fim gere maior valor", disse.
O executivo ainda ressaltou a entrada em nove empreendimentos de transmissão de energia nos últimos anos pelo capex (investimento em capacidade) total de R$ 3,8 bilhões. "Essa pressão nos investimentos provocou naturalmente um aumento de endividamento."
Mas a expectativa do executivo é de que essa dinâmica comece a mudar em breve, com a entrega de novos projetos. Dois deles, de Ivaí e Sant’Ana, estão próximos de serem concluídos, disse Grangeiro, e irão adicionar R$ 258 milhões em RAP, somando-se aos R$ 635 milhões dos últimos sete projetos.
"Agora que estamos no fim deste ciclo e com muitos projetos entregues, o nível de alavancagem da companhia tende a cair com a entrada do fluxo de caixa de cada um desses projetos, reduzindo a pressão no nosso endividamento", afirmou Graneiro.
As contas do que compensa entre todos os ativos disponíveis cabem ao mercado. Exercício legítimo e recorrente, por mais que se goste ou reconheça a qualidade de gestão de um negócio. Retorno é sempre soberano.