Viveo: empresa foi uma das últimas a realizar IPO na B3, em 2022 (Cauê Diniz/B3/Divulgação)
Repórter
Publicado em 27 de março de 2024 às 06h20.
O primeiro trimestre se aproxima do fim e a tão esperada safra de aberturas de capital não chegou à bolsa brasileira. Pelo contrário. A seca de oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês), que se arrasta desde 2021, continua e as empresas já listadas estão mais recomprando do que emitindo novas ações por meio de ofertas subsequentes (follow-on).
Foram abertos 18 programas de recompra de ações no primeiro trimestre. Juntos, eles podem movimentar R$ 12,92 bilhões, considerando o limite máximo de ações a serem adquiridas e a cotação atual das ações. O volume potencial desses programas de recompra supera em 250% o total levantado pelas quatro ofertas subsequentes realizadas no período. Foram quatro follow-ons, que movimentaram um total de R$ 3,7 bilhões.
O volume de emissões está fraco mesmo se comparado ao ano passado, quando o B3 teve uma média de mais de 5 ofertas subsequentes por trimestre. No ano todo, foram 22 follow-ons, movimentando R$ 31,6 bilhões. Do total, 17 foram feitos a partir de junho, quando Ibovespa voltou a flertar com os 120.000 pontos, melhorando o sentimento de mercado.
Esse volume de emissões concentrados na segunda metade do ano vinha gerando algum otimismo para o fim da seca de IPOs. Um ritmo acelerado de ofertas subsequentes é considerado um prenúncio de um período de IPOs, já que, inicialmente, o apetite seria maior por emissões de empresas que o investidor já tem maior conhecimento. Só que a perda de força da bolsa brasileira desencorajou as empresas a irem ao mercado. Em fevereiro, a empresa de serviços para o setor de óleo e gás Oceânica chegou a enviar à Comissão de Valores Mobiliários um documento sobre a intenção de realizar um IPO. Mas até agora o plano não saiu do papel
Quanto mais altos os preços praticados na bolsa, maior é a propensão das empresas em emitir ações. Por outro lado, quanto mais baixos, mais atrativos são os programas de recompra. A lógica é simples: ninguém quer comprar caro e nem vender barato. Mas quando tudo está caro, o apetite por novas entrantes na bolsa é maior. "Sabe-se que a bolsa está cara quando se tem muito IPO (oferta pública inicial) e não está acontecendo nada. Está tendo recompra de ações", comentou Luis Stuhlberger, fundador da Verde Asset, em evento realizado na semana passada.
"É tudo uma questão de múltiplo", resume Matheus Amaral, analista do banco Inter. "No Brasil, o Ibovespa está próximo de 8x seu lucro, abaixo da média histórica, entre 10x e 12x. Nos Estados Unidos, os múltiplos estão próximo das máximas. Por isso temos visto certa euforia com os IPOs recentes."
O cenário propício do mercado americano possibilitou, por exemplo, o IPO da rede social Reddit, que planejava abrir capital, pelo menos, desde 2021. De tão grande o apetite dos investidores pelo investimento, as ações da companhia chegaram a disparar 70% ainda no primeiro dia de negociação. Até a rede Truth Social, investida pelo ex-presidente Donald Trump, foi a mercado ao se fundir com a SPAC Digital World Acquisition. A empresa estreou nesta terça na Nasdaq com uma alta de quase 50%.
No Brasil, enquanto o cenário para emissões não melhora, as empresas dão continuidade aos programas de recompra de ações. A última anunciada foi a da São Martinho, nesta terça, que se comprometeu a recomprar até 14,23 milhões de ações, cerca de R$ 422 milhões, pela cotação atual do papel. Detalhe: o anúncio foi feito após a companhia informar o cancelamento de 7,64 milhões de ações que foram adquiridas em seu último programa de recompra.
Esses cancelamentos de ações representam um ganho direito para o investidor. Mesmo que não signifiquem, necessariamente, um aumento do preço da ação, aumenta-se o direito de participação que cada ação representa do negócio. "É matemática. O programa de recompra não altera a percepção de valor sobre a empresa, mas reduz a quantidade de ações em circulação. Logo, a ação deveria valer mais", comenta Amaral.
O analista ressalta ainda que a abertura de recompras pode ser uma sinalização para o investidor de que a ação está barata. Afinal, ninguém conhece melhor a empresa do que os executivos que estão no dia-a-dia das operações.
"A expectativa era de que tivessem mais IPOs e follow-ons. Mas o momento do mercado joga contra. As empresas estão recomprando porque as ações estão baratas. Talvez isso mude quando os Estados Unidos começar a cortar juros e aumentar a busca por renda variável."