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Selic vai subir? Por que o mercado aposta em um novo ciclo de alta de juros

Com ata e falas duras de Galípolo, mercado precifica chance de 66% de o Copom elevar taxa Selic em reunião de setembro

Sabatina dos economistas Gabriel Muricca Galípolo e Ailton de Aquino Santos, na comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado em julho de 2023 (Lula Marques/Agência Brasil)

Sabatina dos economistas Gabriel Muricca Galípolo e Ailton de Aquino Santos, na comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado em julho de 2023 (Lula Marques/Agência Brasil)

Publicado em 21 de agosto de 2024 às 14h46.

Última atualização em 21 de agosto de 2024 às 17h13.

A possibilidade de uma alta de juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) passou a dominar as discussões entre investidores. A expectativa, que ganhou força em meio à tentativa do Banco Central de retomar sua credibilidade, tornou-se majoritária. De acordo com o painel de probabilidades da B3, apenas 34% das apostas em opções do Copom indicam a manutenção da taxa atual de 10,50% na próxima reunião, em setembro.

Dados mais fortes de atividade econômica e inflação, preocupações fiscais e incertezas sobre a nova diretoria do Banco Central já vinham alimentando rumores no mercado sobre a possibilidade de elevação da Selic. No entanto, foi após a divulgação da ata da última reunião do Copom que as apostas em uma alta de juros aumentaram substancialmente. No documento, o colegiado afirmou que poderia elevar a Selic “se necessário”.

Naquele momento, o dólar estava sendo negociado no maior patamar do ano, próximo de R$ 5,70. Com uma alta de 18% no ano, a valorização da moeda americana representava uma clara ameaça ao controle das expectativas inflacionárias. Grande parte dessa valorização foi atribuída à incerteza sobre a futura diretoria do Banco Central, especialmente após a decisão dividida de maio, em que os indicados pelo atual governo optaram por um corte de juros mais agressivo, enquanto os membros anteriores adotaram uma postura mais conservadora, diante do aumento da percepção de risco inflacionário.

Essa divisão foi interpretada por muitos como um sinal de que o novo Banco Central seria mais leniente aos interesses do governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde o início de seu mandato, pressionou publicamente o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, por juros mais baixos, na tentativa de estimular a economia — mesmo que isso acarretasse uma maior inflação.

Campos Neto deixará o comando do BC no final do ano, quando os indicados por Lula formarão a maioria no Copom. Gabriel Galípolo, indicado pelo atual governo, é o favorito à presidência da autarquia e tem trabalhado para conquistar a credibilidade do mercado. Em declarações recentes, o economista expressou preocupação com a composição da inflação e afirmou que a “alta de juros está na mesa” de discussões do BC.

A ata e as declarações de Galípolo impulsionaram as apostas no mercado de que o Copom elevará os juros em setembro. Desde o início do mês, as apostas de alta de juros para setembro saltaram de 47% para 66%. O dólar, por sua vez, acumulou uma queda de 6%, sendo negociado perto de R$ 5,40.

O Galípolo está dizendo que vai subir a taxa de juros até em baile de debutante, sem ninguém perguntar”, afirmou Luís Stuhlberger, sócio-fundador da Verde, durante um evento realizado nesta semana pelo BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME). Segundo ele, as declarações deixaram o Banco Central “encurralado”. “Não dá para ser um cachorro que ladra, ladra e não morde.”

Subir ou manter a Selic?

Tony Volpon, ex-diretor do BC e professor da Georgetown University, disse à Exame que uma alta de juros em setembro “seria uma oportunidade para Galípolo firmar o compromisso com a meta de inflação”. O economista argumenta que, além da questão da credibilidade, há motivos técnicos para o BC elevar a Selic em setembro. Volpon avalia que a economia está operando acima do seu potencial, com o fiscal sendo sustentado por receitas não recorrentes e uma inflação corrente já próxima do topo da banda de 4,5%. “A probabilidade de atingir a meta em seis trimestres é muito pequena. Há poucos elementos que forçam a convergência para a meta.”

Caso a Selic seja elevada em setembro, Volpon acredita que há uma chance ainda maior de o BC continuar subindo os juros nas reuniões seguintes. Essa visão é compartilhada pelos economistas da XP e do BTG Pactual, que nesta semana revisaram a projeção da Selic para 12% no início do próximo ano. Segundo as contas dos bancos, seria necessária uma alta de 0,25 ponto percentual (p.p.), seguida por duas elevações de 0,5 p.p. e mais uma de 0,25 p.p. em janeiro.

Quem tem moderado o ímpeto do mercado por uma alta de juros é Roberto Campos Neto, que tem afirmado que o cenário externo melhorou desde a divulgação da última ata. Na terça-feira, 20, suas declarações em uma entrevista ao jornal O Globo e em evento do BTG levaram o mercado a reduzir levemente as apostas de alta de juros em setembro.

No cenário internacional, investidores já consideram certo que o Federal Reserve iniciará um ciclo de corte de juros em setembro, no mesmo dia em que se projeta o início da alta da Selic.

O economista André Perfeito pondera que, caso as projeções do mercado se confirmem, há potencial para uma forte desvalorização do dólar frente ao real, devido ao maior diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos. Esse tipo de operação é conhecido como “carry trade”, que envolve o empréstimo de dinheiro em uma moeda com taxa de juros baixa e o investimento em uma moeda ou ativo que oferece uma taxa de juros mais alta.

“O mais provável é que o BC suba os juros. Mas me preocupa a possibilidade de, no dia seguinte, o mercado perceber que não era necessário iniciar um ciclo de alta de juros”, disse Perfeito à Exame. “Em termos relativos, seria uma taxa ainda mais contracionista.”

O economista argumenta que a inflação de serviços não está forte o suficiente para justificar novas altas de juros, embora reconheça que o mercado de trabalho está aquecido. Perfeito também avalia que a alta de juros pode ter, na prática, um efeito expansionista na atividade. Isso porque acredita-se que, com a alta de juros neste ano, Galípolo teria mais espaço para cortes futuros, o que tem reduzido os juros futuros de longo prazo, que servem como referência para diversos empréstimos de mercado.

André Valério, coordenador de pesquisa macroeconômica do Inter, também acredita que uma alta de juros não seria necessária no momento, mas reconhece o “mérito” da discussão. “A política monetária ainda está em patamar restritivo e estamos prestes a entrar em um ciclo de queda de juros nos EUA. O corte de juros lá fora criará um cenário benigno para o Brasil”, diz.

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