Cerimônia de estreia da Locaweb com seus principais acionistas e executivos na B3 em fevereiro, antes da pandemia (Cauê Diniz/B3/Divulgação)
Beatriz Quesada
Publicado em 30 de dezembro de 2020 às 05h55.
Entre as 28 companhias que estrearam na bolsa brasileira este ano, 24 fizeram suas ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) depois que a pandemia de Covid-19 já tinha tomado o mundo. A mais bem-sucedida, no entanto, foi uma das que aproveitaram o início do ano para abrir capital.
A Locaweb (LWSA3), empresa de hospedagem de sites e serviços de computação na nuvem, foi destaque absoluto da carteira de IPOs de 2020: as ações se valorizaram 340% desde a abertura de capital, no início da fevereiro. A companhia atua em um dos setores que mais se beneficiaram dos efeitos da pandemia, o de tecnologia, e tem apresentado um crescimento forte no segmento de e-commerce por meio de sua loja online Tray.
Esses, porém, são apenas alguns dos fatores que explicam o sucesso da Locaweb, segundo Vitor de Melo, analista da EXAME Research. “Entendemos que o IPO saiu bastante descontado quando comparado com players internacionais comparáveis (mas não idênticos). Além disso, existe uma forte onda de operações de M&As recentes envolvendo a Locaweb que ainda não estão totalmente incorporadas no preço”, afirma.
O destaque da Locaweb pode marcar uma guinada para a diversificação das ofertas públicas na B3. “Até o ano passado, havia uma concentração de IPOs do setor de construção civil (imobiliário), mas 2020 foi diferente porque houve certa diversificação. O destaque ficou com o setor de tecnologia, que muitos achavam que não tinha espaço na bolsa brasileira”, afirma Gustavo Rugani, sócio do Machado Meyer Advogados e especialista em mercado de capitais.
Balanço dos IPOs de 2020 por ordem cronológica | ||||||
Empresa | Código | Setor | Data do IPO | Preço do IPO (R$) | Cotação 29/12 (R$) | Variação |
Mitre Realty | MTRE3 | Construção/imóveis | 05/fev | 19,30 | 16,25 | -15,8% |
Locaweb | LWSA3 | Tecnologia | 06/fev | 17,25 | 75,90 | 340,0% |
Moura Dubeux | MDNE3 | Construção/imóveis | 13/fev | 19,00 | 11,39 | -40,1% |
Priner | PRNR3 | Indústria | 17/fev | 10,00 | 8,75 | -12,5% |
Estapar | ALPK3 | Serviços | 15/mai | 10,50 | 9,55 | -9,0% |
Ambipar | AMBP3 | Infraestrutura | 13/jul | 24,75 | 27,00 | 9,1% |
Grupo Soma | SOMA3 | Varejo | 31/jul | 9,90 | 13,41 | 35,5% |
D1000 | DMVF3 | Varejo | 10/ago | 17,00 | 12,69 | -25,4% |
Quero-Quero | LJQQ3 | Varejo | 10/ago | 12,65 | 15,64 | 23,6% |
Lavvi | LAVV3 | Construção/imóveis | 02/set | 9,50 | 9,20 | -3,2% |
Pague Menos | PGMN3 | Varejo | 02/set | 8,50 | 8,95 | 5,3% |
Petz | PETZ3 | Varejo | 11/set | 13,75 | 19,56 | 42,3% |
Plano&Plano | PLPL3 | Construção/imóveis | 17/set | 9,40 | 7,75 | -17,6% |
Cury | CURY3 | Construção/imóveis | 21/set | 9,35 | 10,59 | 13,3% |
Hidrovias do Brasil | HBSA3 | Infraestrutura | 25/set | 7,56 | 6,86 | -9,3% |
Melnick | MELK3 | Construção/imóveis | 28/set | 8,50 | 7,54 | -11,3% |
Boa Vista | BOAS3 | Serviços financeiros | 30/set | 12,20 | 13,10 | 7,4% |
Sequóia | SEQL3 | Infraestrutura | 07/out | 12,40 | 22,49 | 81,4% |
Grupo Mateus | GMAT3 | Varejo | 13/out | 8,97 | 8,32 | -7,2% |
Track&Field | TFCO4 | Varejo | 26/out | 9,25 | 12,29 | 32,9% |
Méliuz | CASH3 | Serviços financeiros | 04/nov | 10,00 | 15,22 | 52,2% |
Enjoei | ENJU3 | Varejo | 06/nov | 10,25 | 12,50 | 22,0% |
3R Petroleum | RRRP3 | Óleo e gás | 10/nov | 21,00 | 37,55 | 78,8% |
Aeris | AERI3 | Infraestrutura | 10/nov | 5,55 | 10,34 | 86,3% |
Rede D'Or | RDOR3 | Saúde | 10/dez | 57,92 | 68,00 | 17,4% |
Neogrid | NGRD3 | Tecnologia | 17/dez | 4,50 | 7,44 | 65,3% |
Levantamento feito por Victor Aguiar, especialista em ações da EXAME Research, com base nas ofertas públicas via Instrução CVM 400. A Alphaville e a JSL fizeram ofertas restritas e não entraram na conta. |
Completando o pódio dos papéis com maior valorização neste ano estão duas empresas do setor de infraestrutura (na concepção abrangente): Aeris (AERI3) e Sequoia (SEQL3), com alta das cotações de 86,3% e 81,4%, respectivamente.
A Aeris é uma fabricante de pás para geração de energia eólica. "A Aeris é um player que incorpora uma agenda ESG [que valoriza critérios ambientais, sociais e de governança], com altas taxas de retorno sobre o capital investido (média de 38% nos últimos 4 anos). E tem liderança muito bem estabelecida no território nacional”, avalia Melo.
Já a Sequoia, maior operadora logística independente do país, se beneficiou neste ano da explosão da demanda por entregas de e-commerce por causa da pandemia. “Dentro do setor de logística, não consigo pensar em outra empresa aberta que seja 100% voltada para o e-commerce”, diz o analista. A empresa faz a gestão da logística de “porta a porta” (da empresa que vende até a casa do consumidor) com uso de tecnologia proprietária.
Outro destaque do ano veio do campo da saúde, um setor ainda com bastante espaço para crescer na bolsa em número de empresas, segundo analistas. A oferta pública inicial da Rede D’Or, maior administradora de hospitais privados do Brasil, movimentou 11,3 bilhões de reais há três semanas, no terceiro maior IPO da história da B3.
A operação colocou a Rede D'Or como a décima integrante de um grupo seleto de empresas com valor de mercado superior a 100 bilhões de reais no Brasil. Suas colegas são Petrobras, Vale, Bradesco, Itaú Unibanco, Santander Brasil, Ambev, Magazine Luiza, B3 e Weg.
Em março, no auge da crise para o mercado, as expectativas para os IPOs em 2020 pareciam enterradas. Em maio, porém, a abertura da capital da Estapar (ALPK3), maior empresa de estacionamentos do país, marcou o início de uma reviravolta para o mercado de ofertas iniciais de ações. Foram 44,57 bilhões de reais captados neste ano, especialmente graças às menores taxas básicas de juros da história do país e à liquidez nos mercados globais.
A crise motivou bancos centrais de todo mundo a deixar os juros no piso e governos a injetar dinheiro na economia, com fortes expansões monetárias e fiscais. No Brasil, a Selic caiu no início de agosto para a sua mínima histórica de 2% ao ano, o que empurrou investidores para opções potencialmente mais rentáveis (e arriscadas), como a renda variável.
As companhias aproveitaram o momento propício para captar. Não à toa, o ano de 2020 responde sozinho por 33% do total movimentado em IPOs na década. Ainda assim, 2020 não ficou livre de desistências. Segundo levantamento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), 20 companhias desistiram de suas ofertas neste ano. Henrique Esteter, analista da corretora Guide Investimentos, avalia que a crise causada pela Covid-19 conseguiu – simultaneamente – atrapalhar e ajudar o mercado de ofertas públicas.
“A pandemia trouxe volatilidade para os mercados e diversas ofertas não foram para frente. Por outro lado, a aceleração das quedas de juros no mundo criou uma forte demanda por ativos de risco. Quando há demanda, há oferta”, diz.
Houve também uma surpresa no perfil dos investidores interessados nas ofertas, que durante anos foram sustentadas somente pelo apetite dos estrangeiros e dos institucionais, como fundos. Em 2020, no entanto, investidores de varejo abocanharam fatias de 10% na maior parte dos IPOs do ano e chegaram a representar mais de 30% dos investidores totais em duas ofertas – a da rede de drogarias D1000 (DMVF3) e a da empresa de serviços industriais Priner (PRNR3).