CVM 175: regra de transparência ainda não é cumprida pelos gestores (YuriArcursPeopleimages/envato/Divulgação)
Repórter de finanças
Publicado em 28 de julho de 2025 às 06h15.
A resolução CVM 175 foi uma revolução para a indústria de fundos. E uma das mudanças mais aguardadas era o aumento na transparência sobre a remuneração em toda a cadeia de distribuição, mostrando, por exemplo, o quanto cada corretora recebe da gestora pela venda do fundo.
É uma medida crucial para desnudar conflitos de interesses, e que pode dar indícios se um assessor ofereceu determinado produto porque ele é mais interessante para o cliente ou porque ele paga uma comissão maior.
Com a mudança agora já em vigor, no entanto, tudo indica que a montanha pariu um rato.
Um estudo feito pela analista Luciana Seabra, CEO da consultoria de investimentos Indê, com 275 fundos de 65 gestoras diferentes mostra um mar de dados confusos, por vezes escondidos, e que não dizem muita coisa.
Normalmente, os fundos comunicam uma taxa única, que engloba taxas de gestão, administração e distribuição. A CVM 175 ainda permite que essas taxas sejam apresentadas de forma consolidada, desde que o detalhamento esteja disponível em um sumário no site do gestor e constante no regulamento do fundo.
“O maior charme disso, para mim, era o objetivo inicial, que os conflitos do mercado ficassem mais claros. Era conseguir saber que em tal fundo você paga 2% ao ano, mas 1% fica com a corretora, e outro fundo você paga os mesmos 2% ao ano, mas só 0,02% fica com a corretora. Eu entenderia o porquê a assessora estaria tentando me levar a investir no que ele recebe mais remuneração, por exemplo”, afirma Seabra.
Na prática, a implementação vem deixando muito a desejar. No estudo, das 65 gestoras, 7 sequer tinham o sumário de remuneração. Na maioria delas, encontrar o tal sumário de remuneração é um martírio: cada uma coloca a informação em um lugar, dentro de documentos que levam a um link, que leva a outro link – e por vezes, dão erro.
“Tem link no regulamento que não leva para lugar nenhum”, diz Seabra.
E talvez o pior ainda: mesmo para quem está seguindo a regra e “quebrando” as taxas de remuneração, as informações não dizem muita coisa. Em vez de dizer o nome da corretora e qual respectivo ou respectivos acordos de remuneração, numa simples tabela, há um mar de informação que mais confunde do que explica.
Os gestores têm reportado duas listadas separadas. Em uma, consta o nome de todos os distribuidores. Em outra, todos os acordos de remuneração firmados – mas sem associá-los a uma corretora ou distribuidor específico, tratando-os por nomes como “acordo comercial 1”, “acordo comercial 2”.
E o mais surpreendente, aponta Seabra, é que essas gestoras estão aderentes à recomendação da Associação Brasileira das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima), que faz a autorregulação do setor.
O modelo disponibilizado pela entidade diz:
A “Remuneração de Distribuidores e Gestores” deve conter duas listas distintas: (i) lista, em ordem alfabética, do nome de todos os distribuidores contratados com os respectivos CNPJs; e (ii) lista de todos os diferentes acordos comerciais existentes entre gestor e distribuidores sem a necessidade de se estabelecer uma ligação entre o nome do distribuidor e correspondente acordo.
Para Seabra, sem associar a corretora à remuneração toda o espírito da previsto pela regulação se perde. “O que eu esperava era entrar numa corretora, olhar as características do fundo e já ter escrito lá quanto eles estão ganhando para distribuir aquele produto”, diz.
Em entrevista à EXAME, a Anbima reconhece que há erros na implementação.
“Reconhecemos que não é um assunto simples, tem espaço para melhorar e eventualmente tem erros e correções para serem feitas. Gestora que não está com o link correto está nitidamente errado, precisa corrigir. A Anbima está fazendo um trabalho de supervisão, de olhar o que não está funcionando, e já está atuando. A ideia é que todo mundo esteja em conformidade com a regra”, afirma Pedro Rudge, diretor da Anbima.
Ele pondera que é preciso olhar as regras da CVM 175 em conjunto com a CVM 179, voltada distribuidores e assessores de investimento e que exige a transparência nos rebates.
“A grande diferença é onde ele procura. Se ele entrar no site do distribuidor, ele vai conseguir encontrar. A 179 obriga o distribuidor a falar antes do investimento, até para tomar a decisão mais correta para se investir”, explica.
Na prática, encontrar essas informações nos relatórios trimestrais da CVM 179 também é difícil, já que as comissões são agregadas e não há ligação sobre o quanto cada um dos fundos ou produtos de investimento pagou em rebates.
Seabra afirma que o ideal seria, no ato da compra do fundo, ter as taxas separadas. Hoje, é possível encontrar alguns fundos que segregam as taxas, mas segundo a analista, normalmente são aqueles em que há apenas um distribuidor.
Ou seja, é a exceção: a maioria dos lugares não tem as taxas segregadas, já que a regra não exige assim, e se tem, continuam com faixas de remuneração, que não dizem muita coisa.
Para solucionar o problema de transparência, a Anbima informou que irá criar um portal com todas as remunerações de distribuidores dos fundos, com previsão de lançamento em dezembro deste ano.
Nele, o cliente vai poder colocar o nome e o CNPJ do fundo e vai ter nominalmente onde aquele fundo é vendido, qual corretora, e quanto cada um está cobrando.
“Vão ter dois caminhos, ou via distribuidor dele, ou um lugar centralizado que não é o site do gestor, é no portal da Anbima. Com o CNPJ vai aparecer a lista dos, por exemplo, 20 distribuidores, e quanto cada um recebe por aquele fundo. Lembrando que a CVM 175 não obriga ter essa individualização, mas entendemos que é importante para o investidor”, diz Rudge.
Nesse portal, também seria resolvido a questão das faixas de distribuição, que normalmente diferente por volume. Por exemplo, se um distribuidor vende mais do que R$ 50 milhões, ele tem uma remuneração, se vende mais que R$ 100 milhões, esse valor aumenta. Segundo o executivo, no portal o gestor vai precisar sinalizar em que faixa aquele distribuidor se encontra.
Seabra, da Indê, no entanto, ressalta que é uma promessa antiga. “A regra já está valendo e o portal ainda não existe. E por que um portal? Por que não no ato da compra? A transparência tem que estar na ponta”, finaliza.
Procurada pela reportagem, a CVM reforçou seu compromisso com a implementação da CVM 175 e diz reconhecer os avanços já alcançados pela indústria na adaptação às inovações da norma, especialmente no que se refere à transparência das remunerações dos prestadores de serviço.
“Neste sentido, é importante esclarecer que a Superintendência de Supervisão de Investidores Institucionais (SIN) está acompanhando de perto esse processo, também, em contato com participantes do segmento, a fim de que seja construído um ambiente cada vez mais eficiente e acessível, que promova a divulgação clara e facilitada das informações, inclusive, as que tratam sobre remunerações em toda a indústria de fundos”, disse a autarquia.