A renovação do auxílio emergencial será necessária para que o Congresso se disponha a analisar a agenda de reformas (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Beatriz Quesada
Publicado em 25 de fevereiro de 2021 às 06h00.
Última atualização em 25 de fevereiro de 2021 às 06h25.
Quando o ano começou, o principal temor do mercado financeiro era que o auxílio emergencial fosse renovado às custas do teto de gastos. A regra estabelecida em lei impõe um limite para o aumento das despesas do governo para evitar um descontrole fiscal, o que por sua vez assegura alguma segurança para os investidores que decidem colocar seus recursos no país.
O receio ainda não se concretizou, apesar das sinalizações em Brasília de volta do auxílio. A renovação do pagamento está em vias de ser votada no Congresso, mas os gastos adicionais não devem furar o teto. A expectativa é a de que o auxílio seja concedido após a aprovação de Proposta de Emenda à Constituição, a PEC Emergencial, que disponibiliza os recursos necessários por meio de crédito extraordinário e preserva a regra de ouro que mantém a meta fiscal.
Analistas veem com bons olhos a manutenção do teto de gastos e criam expectativas de que a agenda liberal possa finalmente deslanchar na sequência da aprovação da PEC.
Isso porque os novos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deixaram claro que a renovação do benefício seria a pauta prioritária. As reformas tributária e administrativa – aguardadas desde a eleição de Bolsonaro – ficariam para depois da aprovação do auxílio.
Lira chegou a elaborar um calendário de pautas caras ao mercado que devem ser votadas a partir da votação da PEC, destacando que a reforma administrativa entraria em discussão já no próximo mês:
- Março: começa a tramitar a Reforma Administrativa na Câmara. Previsão de aprovação na CCJ. No Plenário, antes do fim do primeiro trimestre.
É assim, com união, força e trabalho do Brasil e do Congresso que iremos fazer um país melhor de verdade.— Arthur Lira (@ArthurLira_) February 22, 2021
O caminho, porém, não é assim tão simples. Ainda que o governo consiga aprovar todos os destaques da PEC, não há garantia de que as reformas serão apreciadas logo na sequência. Nem que haverá vontade política.
“O Congresso não vai abraçar essas pautas sozinho. É necessário que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes gastem capital político para viabilizar as reformas”, afirma Arthur Mota, economista da EXAME Invest Pro.
As sinalizações recentes do Executivo, no entanto, apontam na direção contrária. Na última semana, Bolsonaro refrescou na memória da Faria Lima a lembrança da ingerência do governo Dilma na economia ao anunciar de forma intempestiva a troca do presidente da Petrobras. A estatal perdeu 74 bilhões de reais em valor de mercado em um único dia com a queda acima de 20% nas ações.
O presidente também ameaçou na sequência “meter o dedo” no setor elétrico, derrubando as ações da Eletrobras – que só se recuperaram após o governo correr para apresentar um plano para privatização da companhia, via medida provisória. A agenda de privatizações, a propósito, é outra promessa de campanha que ainda não saiu do papel.
Os recentes arroubos populistas não combinam com reformas de corte de gastos ou disciplina fiscal, que são impopulares por natureza. A reforma tributária, por exemplo, busca unificar e simplificar o regime de impostos sem que estados percam receita nem criem novas cobranças – um equilíbrio difícil de atingir.
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Já a reforma administrativa muda as regras do funcionalismo público, tornando menos permissivas regras de promoção, por exemplo, e enfrenta resistência desde que chegou à Câmara. Os principais pontos de crítica são a imposição do fim da estabilidade para quase todas as carreiras e a revisão de benefícios dos servidores.
“O ideal seria a aprovação das mudanças ainda este ano. Em 2022, o Brasil tem eleições e pautas difíceis vão ser deixadas de lado”, conclui Mota.
Investidores também não podem contar que a nova versão do auxílio emergencial atue novamente como propulsora da economia. Em 2020, o montante de recursos disponibilizado para a população foi equivalente a cerca de 4% do PIB, enquanto a versão atual deve ser de apenas 0,5%.
Segundo estudo da FEA-USP, o alto valor gasto no benefício segurou a queda do PIB brasileiro em 4 pontos percentuais no ano passado.
“O auxílio leva as pessoas para o mercado de consumo, gera um ciclo virtuoso de novas contratações, ajuda o PIB e alimenta o mercado. A questão é que o valor gasto agora é infinitamente menor, e nem isso o governo tem condições de pagar – precisa ‘fazer mágica’ para conseguir disponibilizar o benefício”, pondera Alexandre Espírito Santo, economista da Órama.
O economista destaca que o auxílio é fundamental para a população, mas não é o que vai recuperar a economia. O fator que pode realmente estimular o PIB é a imunização em massa com a vacinação, que ainda caminha a passos lentos no Brasil.
No ritmo atual, o país levaria dois anos e meio para imunizar 75% da população, percentual mínimo que especialistas dizem ser necessário para um retorno à normalidade.