Auxílio Brasil: Manutenção de R$ 600 pode ter efeito mais estrutural, mas risco fiscal preocupa (Leandro Fonseca/Exame)
Em uma disputa acirrada pelos votos que podem decretar vitória de Lula (PT) ou dar a virada no segundo turno para o presidente Jair Bolsonaro (PL) neste domingo, 30, a renda das famílias das classes mais baixas foi colocada no centro do debate. Nos discursos dos dois lados, a promessa é de que o valor de R$ 600 para o Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família, seja permanente e não mais de R$ 400, como de início. A injeção de recursos ganha relevância para o consumo, dado o alto endividamento das famílias e a renda ainda deteriorada por uma inflação que pouco cedeu. Mas qual o impacto de ter um programa de transferência permanente nesse patamar?
O valor é o mesmo do "coronavoucher", como ficou conhecido o auxílio emergencial pago pelo governo federal de 2020 a 2021, quando a atividade econômica foi afetada pelas medidas de isolamento da pandemia da covid-19. Considerando os desembolsos totais até outubro de 2021 (quando o programa terminou), o coronavoucher injetou aproximadamente R$360 bilhões na economia. E tomando 2020 como comparativo, houve um aumento de 11% no consumo entre o quartil de menor renda da população. Os cálculos são do analista de varejo do BTG Pactual (do mesmo controlador da Exame), Luiz Guanais, em texto publicado em agosto na Exame IN.
Seria, então, o Auxílio Brasil capaz de repetir o efeito do coronavoucher? Para analistas ouvidos pela Exame Invest, a resposta está na magnitude desse efeito. "O que foi feito com auxílo emergencial em 2020 não tem precedentes e não é replicável. Em 2020, foi distribuído o valor de 9 vezes o que foi repassado pelo Bolsa Família em 2019. Hoje, é muito menos que 2020. É um volume considerável, mas que, por enquanto, cobre a subsistência", diz Alberto Serrentino consultor especializado em varejo e fundador da Varese Retail, que desenvolve estratégias para empresas do setor.
Na visão do analista do BTG, para o aumento do Auxílio Brasil, o cenário é um pouco diverso em relação ao coronavoucher, ao menos no curto prazo. Isso porque, lembra ele em seu texto, a recuperação do consumo tem sido desigual, com os varejistas mais expostos aos consumidores de maior renda apresentando desempenho superior nos últimos trimestres.
A opinião dos especialistas é reforçada por projeções de dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que indicam que o setor varejista deve ser beneficiado por cerca de 40% dos recursos do auxílio de R$ 600 neste ano. O restante deve ser destinado a pagamento de dívidas e ao setor de serviços, segundo a CNC.
Como o programa é destinado à população de baixa renda, é natural, explicam os especialistas, que os setores mais favorecidos, ao menos no curto prazo, sejam os ligados ao consumo de itens básicos, como o supermercadistas, em especial o atacarejo, que opera com tíquetes médios mais baixos. A projeção da CNC para o montante de 2022 é que R$ 5,5 bilhões vá para o setor de supermercados e R$ 2,3 bilhões para o de vestuário.
"Impacto relativo será menor do que o do coronavoucher, mas em termos absolutos será significativo", diz Marcos Gouvêa, fundador e diretor-geral da consultoria Gouvêa Ecosystem e membro do Conselho do IDV – Instituto para o Desenvolvimento do Varejo. Para Gouvêa, o potencial de um programa de transferência desse patamar de injeção de recursos tem potencial de "irrigar" o consumo. "Acaba irrigando regiões menos assistidas. Não só Norte e Nordeste, mas também franjas de São Paulo e Minas Gerais, que têm maior dependência de transferência de renda", diz.
Concordando que a grande parte do auxílio vai para alimentação, Gouvêa faz a seguinte análise: "É o setor de supermercados que se beneficia primeiro. Mas o dono do supermercadinho pode, com o aumento do consumo, querer usar essa receita maior para ampliar sua estrutura, impulsionando o setor de material de construção, por exemplo." Ele também reforça que, se observados os projetos das grandes redes de varejo em curto e médio prazo preveem expansão de lojas, centros de distribuição e atuação, o que sugere maior confiança de que o consumidor vai ter mais dinheiro no bolso para ir às compras. "São projetos ambiciosos", diz.
Sorrentino, da Verese Retail, diz que o efeito ainda é limitado pelos impactos herdados da crise de 2015 e 2016 e da pandemia, mas acredita que à medida que desemprego caia e a inflação fique controlada, a renda vai melhorando e o efeito do auxílio Brasil passa a ser maior no consumo. "Por enquanto ele cobre a subsistência, vira um gasto muito básico. Claro que boa parte dele vai para alimentação, mas é um consumo muito básico. Conforme as pessoas começam a melhorar renda, ele se torna uma alavanca de consumo importante."
A manutenção do auxílio em R$ 600 deve beneficiar mais algumas ações do que outras, segundo analistas de mercado. A resposta mais óbvia são os papéis do setor supermercadista, com o Grupo Mateus (GMAT3) - devido à presença nos estados do Norte de Nordeste, regiões que respondem por 60% dos beneficiários - e o Assaí (ASAI3) entre os maiores beneficiados, mas com indicações de valorização também para a ação do Carrefour Brasil (CRFB3), por sua operação de atacarejo Atacadão.
No restante dos setores do varejo, as maiores apostas estão para quem está mais atuação nas classes mais baixas. Os analistas da Levante, por exemplo, acreditam que as ações da administradora de shoppings centers brMalls (BRML3) pode ser "vencedora" nesse contexto porque seus shoppings, na média, são mais populares e voltados para classe C, apesar de também ter alguns para a classe AB. Vale lembrar que a companhia está em processo de fusão com a Aliansce Sonae (ALSO3), que ainda depende de aprovações regulatórias.
Já entre as grandes varejistas com presença on-line, a equipe da Levante aposta no Magazine Luiza (MGLU3), devido à fortaleza de seu ecossistema digital e também à sua exposição às classes mais baixas no consumo de bens de consumo duráveis, como os de linha branca (geladeira, fogão e máquina de lavar).
Entre especialistas nas contas públicas, a principal preocupação é a de que a manutenção do valor do programa em R$ 600 não cabe no teto de gastos. Segundo relatório de setembro do Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, nesse valor, o Auxílio Brasil estoura o teto. A eventual manutenção de um benefício de R$ 600 para cerca de 21,6 milhões de famílias a partir de janeiro “demandará esforço para acomodação no Orçamento”, explica o IFI. Para ser pago aos quase 22 milhões de beneficiários, o impacto do auxílio em R$ 600 para a despesa primária ficaria em R$ 51,8 bilhões, o equivalente a um gasto de 0,5% do produto interno bruto (PIB) em 2023. A pressão sobre as contas públicas é fator que preocupa, pois pode levar a um ambiente de instabilidade econômica.
"Os riscos fiscais de médio prazo, que aumentam com a potencial extensão dos benefícios até 2023, podem se traduzir em taxas de juros de longo prazo mais altas e, potencialmente, se tornarem um vento contrário ao desempenho das ações", ponderam os analistas de varejo da XP Investimento em relatório de julho, quando foi aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que elevou o valor do programa de R$ 400 para R$ 600 para os pagamentos feitos até dezembro.
O valor de R$ 600 não consta no texto da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) enviada pelo governo federal ao Congresso para 2023. Lá, a projeção é de distribui em média R$ 405 para cada beneficiário. Mas Bolsonaro repetidamente tem prometido a manutenção do programa em R$ 600. Para o executivo de uma grande empresa de moda mais exposta às classes de renda C e D ouvido pela Exame Invest, o entendimento é de que é mais provável a manutenção do valor com Lula do que com o atual presidente. "O auxílio ajuda sim", acrescenta.