Analistas apontam que a privatização da Eletrobras pode destravar valor para companhia (Pilar Olivares/Reuters)
Beatriz Quesada
Publicado em 20 de abril de 2022 às 05h45.
A privatização da Eletrobras (ELET3/ELET6) – aguardada com ansiedade por investidores há muitos anos – tem uma nova etapa importante nesta quarta-feira, dia 20. A segunda e última etapa para a desestatização será apreciada hoje na reunião ordinária do Tribunal de Contas da União (TCU), um passo necessário para o processo avançar.
Pode ser a deixa para o investidor de olho em ganhos de curto a longo prazos entrar na ação antes que ela comece a disparar com mais intensidade. Mas é preciso primeiro entender a dinâmica do julgamento.
O principal entrave para a aprovação da operação é o posicionamento do ministro do TCU Vital do Rêgo, que sinalizou que pedirá vista do processo, solicitando um tempo extra para analisar o caso. O pedido pode retardar o julgamento em mais 20 a 60 dias, extrapolando o prazo considerado ideal por investidores para a conclusão da operação.
VEJA TAMBÉM
Copom se arrisca a ter reunião 'às cegas' com menos dados do mercado
Netflix desaba 25% após balanço: o que esperar das ações e dos BDRs?
Essa é a fotografia do momento, o que levou investidores a reagir negativamente. Os papéis ordinários caíram 4,4% no pregão de terça-feira, dia 19, mas ainda acumulam alta de mais de 20% no ano.
O motivo dos ganhos expressivos é justamente a perspectiva de que a privatização sairá do papel, uma percepção que havia ganhado força desde a primeira aprovação no TCU.
“As ações estão performando de acordo com a probabilidade de a companhia ser privatizada ou não. Quanto mais distantes parecem os planos, pior se saem os papéis e vice-versa. Faz algum tempo que o papel não opera de acordo com os fundamentos”, afirmou Ruy Hungria, analista da casa de análises Empiricus.
O modelo de privatização da Eletrobras será por meio de venda de ações. Ou seja, a companhia vai emitir novos papéis, que não serão adquiridos pelo governo. Dessa forma, o capital votante da União cairia dos atuais 70% para 45%, diluindo a participação entre novos (ou atuais) acionistas e retirando o controle da empresa das mãos do Estado.
Existem, no entanto, particularidades que devem ser observadas em toda oferta de ações. A primeira delas são as janelas de investimento, e a da Eletrobras está se fechando: o prazo máximo termina no dia 13 de maio.
Funciona assim: uma empresa que queira fazer uma oferta ainda no primeiro semestre precisa utilizar, como base para os documentos da operação, os últimos dados disponíveis – ou seja, os do último trimestre do ano anterior. São dados que só podem ser utilizados até 134 dias úteis após o fechamento do trimestre em questão. Daí a data-limite em maio.
Não significa que a companhia não possa adiar a privatização e usar os dados do trimestre seguinte, por exemplo. A questão é que, nesse caso, todo o processo teria de ser refeito com os novos números, adiando a operação para a janela entre julho e agosto.
O novo prazo jogaria a privatização para as vésperas da eleição presidencial em outubro de 2022. A liderança das pesquisas de intenção de voto é do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo partido, o PT, já indicou ser contra o processo. No início do mês, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) afirmou que o processo de venda será anulado caso a oposição ganhe a cadeira presidencial. A declaração foi dada em audiência do TCU sobre a privatização.
“É uma janela muito perto das eleições presidenciais, então existe a possibilidade de a operação simplesmente não sair se não for realizada agora. O pleito é um risco enorme para a viabilização da capitalização”, avaliou Ilan Arbetman, analista da corretora Ativa Investimentos.
Além disso, é possível que a oferta tenha menos interessados no segundo semestre. “Os investidores, em especial os estrangeiros, vão fugir da volatilidade do mercado brasileiro perto das eleições. O prazo ideal para a oferta seria no primeiro semestre, em que o volume de investimento externo no Brasil é grande", pontuou Júlio Pinheiro, analista da gestora Western Asset.
"Vale lembrar que a oferta deve rondar a casa dos R$ 25 bilhões, uma das maiores da história, e serão necessários muitos investidores [institucionais] interessados para conseguir absorver a oferta”, afirmou.
Outro ponto a ser observado é o preço. Se a empresa pretende vender ações para se capitalizar, é desaconselhável fazer isso em períodos de volatilidade, quando os preços – em especial das estatais – costumam ser penalizados.
A Eletrobras é uma gigante do setor elétrico que pode ser considerada um bom investimento mesmo sem a privatização. Para analistas do banco americano Goldman Sachs, se a empresa permanecer estatal, o preço-alvo é de R$ 46 para as ações ordinárias (ELET3) e de R$ 51 para as preferenciais (ELET6). Porém, com a privatização, o preço-alvo para os papéis saltaria para o intervalo entre R$ 65 e R$ 67,6 para ELET3 e entre R$ 71,8 e R$ 74,6 para ELET6.
“Embora não faça parte de nossa visão, vemos a desestatização como um catalisador adicional significativo”, afirmaram os analistas em relatório do dia 11 de abril. O adicional citado pelos analistas é quase o dobro do atual valor patrimonial da empresa. Na avaliação do Goldman, a operação poderia destravar entre R$ 65 bilhões e R$ 70 bilhões em valor de mercado – para efeito de comparação, a Eletrobras atualmente é avaliada em R$ 66,7 bilhões.
Arbetman, da Ativa, reforça que a privatização seria um movimento ideal para preservar o valor de mercado da Eletrobras a longo prazo. “O setor vem mudando até de forma rápida e existe um descompasso muito grande em termos operacionais, financeiros e qualitativos da companhia perante os pares. Vejo a transformação da estrutura societária como fundamental para que a Eletrobras esteja apta a navegar em um setor cada vez mais competitivo.”