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Previdência não é a "bala de prata" do mercado, diz gestor da Claritas

Gestor de fundos macro da Claritas fala sobre os pilares que devem conduzir os mercados no segundo semestre e aposta em uma queda moderada do dólar.

Damont Carvalho, gestor da Claritas: dólar não volta a R$ 3 (Claritas/Divulgação)

Damont Carvalho, gestor da Claritas: dólar não volta a R$ 3 (Claritas/Divulgação)

TL

Tais Laporta

Publicado em 9 de julho de 2019 às 07h54.

Última atualização em 6 de agosto de 2019 às 18h17.

Num momento em que a reforma da Previdência – e somente ela – parece ser a base para qualquer decisão dos investidores, há quem esteja mapeando de perto o que virá depois. As gestoras de recursos, por exemplo, farejam a nova agenda econômica que vai prevalecer no segundo semestre, assim que superada a discussão sobre as mudanças nas aposentadorias.

Damont Carvalho, gestor dos fundos macro da Claritas, acredita que a reforma é só o começo. Para ele, a atração de recursos estrangeiros e a retomada da atividade econômica só virão depois que a reforma abrir caminho para novas medidas de estímulo. Sem essa agenda, os efeitos da nova Previdência ficarão limitados a estabilizar a relação entre a dívida pública e o tamanho do PIB, defende o gestor. Para sair do buraco fiscal, é preciso muito mais.

Em 2012, Carvalho assumiu a área de fundos com estratégia macroeconômica da gestora de recursos, uma das pioneiras na indústria de investimentos no Brasil, fundada em 1999. A estratégia dos fundos sob sua gestão é aplicar os indicadores e cenários econômicos de médio e longo prazo a ativos tão variados como ações, renda fixa e câmbio. Por isso, para Carvalho, os mercados só vão decolar quando a economia ganhar tração.

“Para o dinheiro estrangeiro começar a entrar na bolsa, o primeiro passo vai ser sim a reforma da Previdência, um chamariz de recursos por termos um controle fiscal”, disse a EXAME, deixando claro, contudo, que não é apenas isso que vai fazer os empresários voltarem a contratar e investir. Leia a entrevista:

EXAME - É consenso entre os economistas que, sem a reforma da Previdência, nada vai para frente. Sua aprovação será capaz de eliminar todos os nossos problemas?

Essa reforma é fundamental para estabilizar a relação crescente entre a dívida pública do país e o tamanho do nosso PIB e, dessa forma, evitar que o país quebre. Mas, sozinha, a Previdência não é a bala de prata do mercado. 

EXAME - Por quê?

Nós confiamos em que a reforma melhora o ambiente de negócios e a confiança do empresariado, mas não é a partir dela que os empresários vão sair contratando ou vão sair investindo e melhorando a capacidade produtiva. É verdade que, com a reforma, tudo começa a melhorar. Soma-se a isso um ambiente externo mais propenso à tomada de risco, e um cenário doméstico que deve passar por um novo ciclo de corte de juros e com inflação ancorada. Tudo isso ajuda. 

EXAME - Quais os próximos passos depois da reforma?

Estamos em um ritmo mais lento do que acreditávamos, porque paramos tudo para passar a Previdência no Congresso. Os próximos passos serão dados de acordo com a agenda da equipe econômica, com reformas estruturais e microeconômicas. Ela passa por pontos como privatizações e concessões, por um equilíbrio fiscal dos estados e por um programa de independência do Banco Central, que é extremamente importante para reduzir o spread bancário no longo prazo. Passa também por uma melhora no ambiente de negócios e consequentemente um ganho de produtividade. Tem uma agenda estruturante muito importante para ser vista nos próximos meses. 

EXAME - A combinação de baixo crescimento e juros em queda é suficiente para atrair mais investidores para o Brasil?

O cenário hoje para o Brasil e o mundo é de um crescimento mais fraco da economia. Vemos vários bancos centrais sinalizando um afrouxamento monetário para corte dos juros, como nos EUA, Japão e China, ou uma ampliação dos programas de estímulo, como na Europa. Esse cenário onde o crescimento global é mais baixo e há certa coordenação dos BCs em reduzir os juros favorece a movimentação global de recursos. É mais do que já vimos em 2008, na grande crise. Vimos que os programas de estímulos não foram suficientes para uma retomada mais forte e agora voltam a falar em novos cortes. Isso nada mais é que mais liquidez global, que é “droga para viciado”. O mercado financeiro adora liquidez e esse dinheiro acaba fluindo para países emergentes. Aí o Brasil é favorecido.

EXAME - Quais emergentes terão prioridade em receber esses recursos?

Eu brinco que os emergentes vão se estapeando para receber os recursos destes investidores globais. Quem tiver feito a lição de casa sairá na frente. E quem tiver suas instituições funcionando, atividade andando e as contas fiscais bem amarradas, terá prioridade. No Brasil estamos sofrendo um pouco mais disso, passamos por um crescimento bem mais fraco, hoje já se fala que o PIB vai crescer 0,8% em 2019, quando antes se projetava acima de 2%.

EXAME - Como a queda da Selic pode beneficiar o mercado acionário no Brasil?

Os meios para impulsionar a atividade econômica estão funcionando, como os empréstimos dos bancos, mas não com força suficiente. É preciso estimular um pouco mais a economia. Com inflação ancorada e espaço para estímulos, o plano de fundo do BC está dado. Com o mundo também fazendo mais cortes de juros, isso pressiona o próprio BC a seguir essa linha. É mais um vetor de melhora de alguns setores na bolsa de valores. Ela fica mais valorizada e pode ter uma expansão muito mais forte. Há também todo um programa de privatização e concessões que vai destravar a bolsa, como esses marcos regulatórios como o do saneamento, que dão um gás no setor e também na bolsa.

EXAME - Quais setores da bolsa podem se beneficiar desse movimento?

Inicialmente, seriam os mais ligados a juros, com uma alavancagem financeira, que poderão ter uma captação de recursos mais barata. Eles tendem a ser mais valorizados porque pagam um prêmio de dividendo bastante interessante, isso favorece ainda mais essas ações. Posso citar empresas ligadas a concessões e saneamento. Não somos tão otimistas com shoppings por conta da não retomada do consumo, mas no médio prazo a curva de juros também ajuda o varejo. Sem dúvida um juro mais baixo também favorece os mercados de títulos indexados a juros e a bolsa como um todo. A expansão deve acontecer nos próximos anos se tiver uma retomada da atividade. Em termos de preço sobre lucros, há espaço para uma expansão se associada à retomada da economia no curto prazo, com potencial de uma valorização da bolsa mais significativa de novo.

EXAME - Com juros mais baixos, não cai a atratividade do Brasil para o investidor estrangeiro?

No carry trade, quando o investidor vem para ganhar só com juros, fica menos atrativo, mas não se pode esquecer que o mundo também está vindo com taxas menores. Tem que ver o diferencial do Brasil em relação a outros países. Se o mundo reduz o juro, a gente fica mais atraente. Como tem redução de juros mais importante aqui e o cenário doméstico tende a ter uma resposta mais positiva, podemos ter um fluxo de estrangeiros comprando na bolsa de valores. Para esse dinheiro estrangeiro começar a entrar na bolsa, o primeiro passo vai ser a reforma da Previdência, um chamariz de recursos por termos um controle das contas fiscais.

EXAME - A bolsa deve estar condicionada a uma nova agenda no segundo semestre?

Sem dúvida, a agenda do segundo semestre será marcada pela discussão sobre qual assunto vai prevalecer: a agenda do Executivo ou do Congresso? Ambas miram a retomada do PIB e a melhora do ambiente de produtividade e confiança do empresariado. Elas têm timings diferentes. A agenda da equipe do Paulo Guedes é mais estruturante. Ela mira uma retomada mais perene, e não um voo de galinha. Vai ter bastante trabalho não só no próximo semestre mas nas próximas décadas. Uma vez passada a reforma, porque hoje todo mundo só pensa nela, a gente começa a fazer em paralelo entre essa agenda do governo e do Congresso. Pode ser a privatização ou o marco regulatório, algo vai andar na frente. 

EXAME - E o dólar, para onde deve ir nesse contexto?

O ambiente favorável para juros menores e o prêmio de Risco Brasil apontam, em nossos modelos, para um dólar entre R$ 3,70 e R$ 3,75, muito próximo do que está hoje.

EXAME - Por que o dólar não cairia ainda mais num ambiente tão favorável?

Com juros menores, o prêmio dos títulos no Brasil fica menos favorável. Se tivesse uma enxurrada de investimento estrangeiro para bolsa no Brasil, o real poderia desvalorizar mais, mas nesse ambiente o BC tende a tomar medidas para segurar uma valorização excessiva. Temos reservas internacionais e bastante derivativos para fornecer proteção para as principais empresas. Há alternativas para segurar o que poderia prejudicar o setor externo brasileiro. Por isso, achamos que o real pode ficar pressionado para se valorizar, mas não vai cair para R$ 3,00.

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