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'Pouso suave' do Fed é um otimismo que não está garantido, diz Stephan Kautz, da EQI Asset

Economista-chefe vê juro subir para acima do esperado nos Estados Unidos e fala sobre possíveis efeitos na economia brasileira

Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset (EQI Asset/Divulgação)

Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset (EQI Asset/Divulgação)

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Guilherme Guilherme

Publicado em 31 de julho de 2022 às 09h22.

Última atualização em 31 de julho de 2022 às 09h33.

As sinalizações mais brandas sobre a condução da política monetária americana e dados mais fracos da atividade econômica dos Estados Unidos alimentaram as hipóteses de que a o Federal Reserve (Fed) fará um "pouso suave" no controle da inflação. Ou seja, de que as altas de juros serão moderadas a ponto de não causarem grandes danos à maior economia do mundo, mas suficientes para conter a alta de preços.

A expectativa gerou grande apetite ao risco durante a semana, com bolsas de Nova York encerrando julho com o melhor desempenho mensal desde novembro de 2020 e o Ibovespa retornando aos 100.000 pontos. A tese, porém, é rebatida por Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset e com passagens pela Neo Investimentos, Citibank e Safra.

"Se o pouso for muito suave, a inflação não vai desacelerar como o Fed gostaria. Então, ele teria que subir mais o juro, o que acabaria com o ‘pouco suave’. O pouso suave é um ‘wishful thinking’ [pensamento positivo], um otimismo que não está garantido", afirmou Kautz em entrevista à Exame Invest.

Stephan Kautz espera que o Fed suba a taxa de juro americana para 4,25%, acima do consenso do mercado de 3,5%. As altas adicionais, disse Kautz, devem pressionar para baixo o preço de commodities, ajudando a reduzir a inflação no Brasil -- mas também diminuindo o potencial de crescimento para o ano que vem.

Para a política monetária brasileira, Kautz projeta duas novas elevações de 0,50 ponto percentual, que levariam a Selic para 14,25%. Mas os efeitos das altas de juros e queda de commodities, segundo Kautz, devem ser limitados sobre o câmbio.

"Pelos modelos estruturais o dólar deveria estar mais próximo de R$ 4,80. Mas a moeda tem um prêmio de risco, dada a incerteza do mercado internacional e das políticas fiscais deste e do próximo governo, seja qual for. O dólar deve ficar oscilando entre R$ 5,00 e R$ 5,30."

Kautz também falou das expectativas sobre as eleições presidenciais e disse que espera maior volatilidade com a aproximação do pleito -- mas não uma mudança de direção, independentemente do vencedor.

"Haverá um bocado de declarações com objetivos eleitoreiro e o mercado já entendeu isso. Mas não haverá uma mudança muito significativa de tendência ou fundamentos."

Confira a entrevista com Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset.

Por que o mercado reagiu positivamente à alta de juros do Fed e ao PIB que colocou os EUA em recessão técnica nesta semana? 

O mercado vinha se surpreendendo com inflação cada vez mais alta nos Estados Unidos e um Fed cada vez mais hawkish [contracionista] na condução da política monetária. 

Mas apesar da alta de juros, o mercado entendeu que o Fed deve reduzir velocidade para 0,5 ponto percentual na próxima reunião e que está vendo uma virada no cenário inflacionário, com o crescimento mais fraco ajudando na desinflação. 

Com mais aumentos de juros, a economia americana será ainda mais fraca daqui para frente. Há chance de o crescimento ser muito próximo de 0% neste ano ou negativo.

É uma notícia ruim, mas o mercado está muito dependente do que vai acontecer com a política monetária americana. Talvez, com menos aperto, o mercado irá respirar mais aliviado.

O Fed está otimista demais, até considerando que a inflação americana não sai abaixo do esperado desde janeiro de 2021?

A inflação dos Estados Unidos deve desacelerar muito rapidamente nos próximos meses. Há a possibilidade de o CPI [inflação ao consumidor] de julho sair próximo de zero ou negativo, com a redução do preço da gasolina. A redução do preço de commodity pode ajudar a inflação daqui para frente. O PCE [índice de inflação referência do Fed] está próximo de 6% e deve convergir para entre 3,5% e 4% até o fim do ano. É bem melhor que o patamar atual, mas a meta do Fed é de 2%. 

Tudo vai depender de como o Fed irá reagir: se manterá o compromisso de controlar a inflação com mais altas de juros ou se deixará o juro parado, enquanto a economia desacelera e puxa a inflação para baixo. 

Qual é a expectativa da EQI Asset para o juro americano? 

O mercado estima mais 1 ponto percentual de alta até o fim do ano, com a taxa indo a 3,5% e o Fed encerrando o ciclo. Mas acreditamos que o Fed terá que subir para 4,25%, com mais duas altas de juros em 2023. 

O ‘pouso suave’ que muitos investidores desejam pode não ser tão suave assim? 

Se o pouso for muito suave a inflação não vai desacelerar como o Fed gostaria. Então, ele teria que subir mais o juro, o que acabaria com o ‘pouco suave’. Não está claro se o pouso suave será o melhor caminho, porque pode não garantir a convergência da inflação para 2%. O pouso suave é um ‘wishful thinking’ [pensamento positivo], um otimismo que não está garantido.

Isso não quer dizer que esperamos uma recessão profunda, como em 2008. Longe disso, porque hoje os bancos estão com um nível de endividamento mais baixo e as famílias, por todo dinheiro recebido,também. A crise financeira de 2008 não se repetirá. 

Qual é o efeito disso na política monetária brasileira? O BC pode subir o juro para acima de 13,75% como está no Focus? 

Achamos que sim. Mudamos nossa projeção nesta semana de Selic a 13,75% para 14,25% para o fim do ano. O BC deve fazer mais duas altas de 0,50 ponto percentual para não deixar para as eleições. Para a Selic 2023, revisamos de 9,5% para 10,75%, com corte a partir de do segundo ou terceiro trimestre. 

Altas de juros no exterior ajudam a puxar as commodities para baixo, reduzindo a pressão inflacionária. Mas essa queda de commodities também vai puxar a atividade brasileira para baixo, já que os preços têm forte correlação com o nível de investimento no Brasil. Ou seja, é crescimento e inflação para baixo. Mas entendemos que o BC subirá o juro um pouco mais para garantir a desaceleração da inflação, começando a reduzir a partir do ano que vem.

Essa redução de preços de commodities pode impactar o câmbio? 

Não deve sofrer muito com a queda de commodities, pois o câmbio já está depreciado no patamar atual, acima de R$ 5. Pelos modelos estruturais o dólar deveria estar mais próximo de R$ 4,80. Mas a moeda tem um prêmio de risco, dada a incerteza do mercado internacional e políticas fiscais deste e do próximo governo, seja qual for. O dólar deve ficar oscilando entre R$ 5,00 e R$ 5,30, mesmo com as commodities caindo mais.

Qual impacto as eleições devem ter no mercado? Devemos ter mais volatilidade, conforme se aproxima a votação? 

O impacto será na volatilidade, não da direção do mercado. Será uma eleição disputada entre dois polos, sem outro candidato viável. Entendemos que isso irá gerar um ataque de um contra o outro. Mas os discursos de campanha serão muito mais agressivos que do que as políticas anunciadas ao longo do ano que vem. O tom dos discursos deve diminuir após as eleições. Não há espaço para gastos adicionais. Toda gordura que teria para queimar no ano que vem foi antecipada com os últimos auxílios do governo. Será mais um sobe e desce mais intenso do ativos até a votação. 

O discurso vai ser agressivo e o mercado sabe disso. Até por isso, algumas coisas devem ser relevadas, como as falas contrárias ao teto de gastos? 

O mercado já está fazendo isso, olhando menos para as declarações do Lula sobre o de fim de teto de gastos e mais para o cenário internacional. Acabar com o teto de gastos demanda votação no Congresso, não é algo feito no primeiro dia de mandato. O teto de gastos é válido  por mais um ano, pelo menos. 

Haverá um bocado de declarações com objetivos eleitoreiro e o mercado já entendeu. À medida que for chegando a eleição, tende a ter uma volatilidade maior. É natural do processo. Mas não haverá uma mudança muito significativa de tendência ou fundamentos.

Qual será o desafio do governo eleito?

Parte do debate do ano que vem será como voltar a crescer em um mundo que vai crescer menos daqui para frente, com o ambiente global cada vez mais volátil dada a  mudança de postura dos Estados com a China e do Ocidente com a Rússia. Questões geopoliticas devem tornar o ambiente ainda mais difícil e volátil para emergentes.

Os efeitos da alta de juros serão mais sentidos no ano que vem?

O impacto será maior no que vem tanto aqui quanto lá fora. Não é só o Fed que está subindo juros. É na Europa, no Reino Unido, na Austrália, Nova Zelândia. Diversos países estão subindo juros ainda. O lagging da política monetária é de 9 a 12 meses. O mundo todo sofrerá os impactos das altas de juros, o que vai afetar o PIB dos países no ano que vem.

Qual será o impacto da desaceleração prevista no lucro das empresas?

É algo que já está acontecendo. Empresas estão avisando que o lucro será mais baixo nos próximos trimestre. Essa deverá  ser a tônica dos próximos meses. A perspectiva para  empresas é bastante desafiadora no exterior. Porém, no Brasil, já houve uma grande reprecifiação no preço das ações, porque o juro subiu antes e está em patamar muito mais alto. Houve um movimento muito grande de migração da renda variável para fixa. Então já há algumas oportunidades na bolsa brasileira. Mas tudo depende de não haver uma recessão mais profunda no exterior. 

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