(Chip Somodevilla / Equipe/Getty Images)
Repórter
Publicado em 23 de outubro de 2025 às 06h00.
Última atualização em 23 de outubro de 2025 às 06h11.
O dólar fechou a terça-feira, 22, praticamente estável na Argentina, interrompendo uma sequência de cinco altas consecutivas. Na última terça, um dólar comprava 1.490 pesos — nunca a moeda argentina tinha se desvalorizado tanto em relação à americana. No ano, segundo dados da Elos Ayta, essa desvalorização chega a 30,46% — o pior desempenho entre 27 economias acompanhadas pela consultoria.
A depreciação acontece mesmo após intervenções no mercado pelo governo Javier Milei e uma ajuda financeira dos Estados Unidos. O secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, confirmou a assinatura de uma linha de financiamento de US$ 20 bilhões, estruturada por meio de um acordo de swap cambial, uma troca temporária de moedas usada para reforçar as reservas internacionais e conter oscilações no câmbio.
Na mesma linha, Milei, também negocia com grandes bancos dos EUA um empréstimo de mais US$ 20 bilhões. As medidas buscam estabilizar o peso e fortalecer a posição cambial do país, às vésperas das eleições legislativas que ocorrem neste domingo, 26.
Segundo Rafael Perez, economista da Suno Research, o fator político tem sido determinante para o comportamento recente da moeda. "Há um clima de incerteza muito forte com a proximidade das eleições, e o mercado se prepara para o pior cenário possível: o de que Milei não consiga ampliar sua base no Congresso para dar continuidade às reformas econômicas", afirma.
A derrota, em setembro, nas eleições locais de Buenos Aires, onde vivem cerca de 40% dos argentinos, agravou a crise sobre o governo de Milei. A sigla do presidente, a Liberdade Avança (LLA), ficou 13 pontos percentuais atrás da coalizão Força Pátria, essa liderada pelo governador da província, Axel Kicillof, que é kirchnerista e opositor do presidente.
O resultado, de acordo com economistas argentinos, lançou dúvidas sobre o apoio às reformas de Milei que, um mês antes, também lidava com denúncias de corrupção em seu governo após serem revelados áudios de um suposto esquema de propinas envolvendo sua irmã, a secretária-geral da Presidência, Karina Milei.
Esse cenário de desconfiança tem levado investidores e parte da população a buscar proteção em dólares, pressionando ainda mais o câmbio, como explica Perez. "Tem havido uma corrida ao dólar nos últimos dias, uma demanda muito maior do que em tempos normais. Mesmo com a intervenção americana, a pressão continua porque há mais gente querendo se proteger de um eventual revés político", disse o especialista.
Na tentativa de conter a disparada da moeda norte-americana, o Banco Central da Argentina também tem vendido dólares no mercado. Durante as negociações de terça, a autoridade monetária desembolsou US$ 45,5 milhões para acalmar os investidores, deixando suas reservas internacionais em US$ 40,539 bilhões.
Após a intervenção, o BC argentino divulgou que a banda de negociação inferior está em 938,02 pesos para um dólar, enquanto a faixa superior é de 1.491,56 pesos.
O economista da Suno Research avalia que a injeção de dólares na economia argentina tem seu efeito limitado pelo clima de incerteza com as eleições legislativas.
"Hoje um problema na Argentina é: faltam dólares e o Banco Central não tem a reserva de dólares que o Brasil, por exemplo, tem, disse Perez. A reserva brasileira é de US$ 350 bilhões.
"O momento é de tanta incerteza e de certo pessimismo por parte de agentes do mercado, que a demanda por dólar está muito maior do que em tempos normais".
A análise do especialista é reforçada em relatório da empresa de serviços financeiros norte-americana StoneX, assinado pelo analista Ramiro Blazquez, que disse acreditar que os anúncios do governo "provavelmente terão um impacto limitado nas expectativas, especialmente antes das eleições incertas do próximo domingo".
Economistas lembram ainda que, além das incertezas políticas, há fatores estruturais que tornam a estabilização cambial mais difícil.
Apesar de ter reduzido a inflação argentina, que caiu de 211,4%, em 2023, para 117,8%, no ano passado, o recuo nesse problema histórico do país "não está sendo suficiente" para convencer a população, como apontou à BBC, o economista argentino Enrique Szewach. Em uma economia fortemente dolarizada, como a Argentina, o custo de vida fica alto e faltam políticas de geração de empregos, ele aponta.
O salário mínimo, por exemplo, teve perda de 30% no poder de compra durante o governo Milei, segundo dados do Centro de Pesquisa e Formação da República Argentina (CIFRA), divulgados no início de setembro pelo jornal Clarín.
O comportamento do câmbio após as eleições de domingo dependerá diretamente do resultado nas urnas. "Se Milei conseguir ampliar sua base e sinalizar continuidade das reformas, o mercado pode reagir com alívio e o peso ganhar fôlego. Caso contrário, há espaço para uma desvalorização ainda maior", diz Perez.
Economistas locais, segundo o especialista, estimam que a moeda argentina ainda está entre 20% e 30% sobrevalorizado. Isso porque, em 2024, o peso argentino foi a moeda que registrou maior apreciação no ano passado, ao subir 44,2% na comparação com uma cesta de moedas no acumulado de janeiro a novembro, ajustando-se à inflação anual do país.
A ajuda financeira dos EUA também é incerta. Na semana passada, Trump disse, na Casa Branca, que a assistência que Washington ofereceu ao país dependia da permanência de Milei no controle. "Se ele não vencer, estamos fora", disse o republicano.
Além disso, antes de liberar os novos recursos prometidos à Argentina, grandes bancos norte-americanos também têm pressionado o governo argentino a oferecer garantias que assegurem o pagamento da dívida em caso de calote. Segundo o jornal The Wall Street, as instituições exigem algum tipo de respaldo, seja em ativos argentinos ou com apoio do Tesouro dos EUA.
O mercado já especula, inclusive, a possibilidade de ampliação das bandas de negociações caso o peso siga sob pressão, mas o governo nega. O ministro da Economia, Luis Caputo, afirmou nesta quarta que os limites não serão modificados.