Fabio Godinho: 'vai ter um desequilíbrio da cadeia, em que o hotel vai vender mais barato que o agente de viagem' (Filip Calixto/MyDoor/Divulgação)
Repórter Exame IN
Publicado em 14 de julho de 2023 às 07h15.
Última atualização em 14 de julho de 2023 às 10h47.
Viagens mais caras e queda do PIB do turismo. Essas serão algumas das consequências da não inclusão de todas as atividades do setor de turismo na redação final da reforma tributária, segundo Fabio Godinho, presidente da CVC. Aprovada na última semana na Câmara, a proposta prevê alíquotas reduzidas para alguns segmentos como o de hotelaria, por exemplo, mas não inclui o setor de agentes de viagens, na qual a companhia opera.
"Não dá para o agente de viagem, que é quem estimula essa agenda e movimenta a economia de turismo, não estar incluído na redação final da reforma", diz ele em entrevista à EXAME Invest. Godinho assumiu a presidência da empresa de turismo em junho, em meio à volta da família Paulus, fundadora do grupo, para a base acionária. "A gente é a favor da reforma, absolutamente. Mas desde que seja feita de uma forma que contemple todas as variedades dentro do setor de turismo. O segmento de agentes corresponde a 70% do PIB do setor", argumenta.
Além das agências, companhias aéreas e o setor de eventos não foram contemplados na versão final aprovada pelos deputados. A Abear, associação que representa as companhias aéreas, estima um incremento médio de impostos a serem pagos de R$ 3 bilhões a R$ 3,7 bilhões por ano para cada empresa aérea. Agora, os segmentos não contemplados veem no Senado a oportunidade de alterações no texto. "A gente acredita que a discussão da reforma é contínua. Temos conversado agora entre as associações e muito em breve vamos começar a falar com os senadores", diz Godinho.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista com o executivo.
EXAME Invest: A avaliação de vocês é de que a reforma tributária foi ruim?
Fabio Godinho: Em primeiro lugar, a gente é a favor da reforma, absolutamente. Mas desde que seja feita de uma forma que contemple todas as variedades dentro do setor de turismo. Queremos eliminar distorções que podem ser causadas com a inclusão de alguns e exclusão de outros setores. Hoje, de todas as vendas do Brasil, pelo menos 70% passa pelo agente de viagens e o setor emprega 14 milhões de pessoas. Não dá para o agente de viagem, que é quem estimula essa agenda e movimenta a economia de turismo, não estar incluído [na alíquota reduzida]. Hotelaria e parques foram incluídos em alíquota reduzida, mas não os agentes de viagem que são quem vende. Vai ter um desequilíbrio da cadeia, em que o hotel vai vender mais barato que o agente de viagem. Isso tira poder de escolha do consumidor.
Como assim? Pode ter impacto negativo mesmo para o setor de hotelaria, que, embora esteja com alíquota reduzida, terá que investir mais para atrair os clientes em grandes volumes? Isso poderia acontecer?
Godinho: Antes de vir para CVC [essa é a terceira passagem de Godinho pela companhia, onde já foi diretor de Novos Negócios, em 2008], eu era presidente da maior rede de hotelaria de lazer do Brasil [Godinho foi CEO da GJP Hotels & Resorts de 2018 a 2022]. Lá, venda direta era 4%. O restante, os 96%, eu vendia via agente de viagem. Então é isso. Não faz sentido essa diferenciação, sendo que o elo da cadeia que estimula a demanda e dá assistência ao passageiro não está incluído.
Como é para o segmento em outros países do ponto de vista de tributação?
Godinho: Se for pegar os países que usam o modelo de IVA, como Alemanha, China, Inglaterra ou Itália, por exemplo, o turismo, sem exceção, está classificado com IVA reduzido pela metade. Isso porque se sabe que é uma atividade econômica que estimula as outras. A gente precisa conservar isso. E o agente de viagem é o fio condutor disso tudo.
Bom, com a perspectiva de uma alíquota geral de 25%, como está sendo previsto por enquanto, a carga tributária para os agentes de viagem deve subir, certo? Qual é essa carga hoje?
Godinho: Hoje a carga tributária é entre 8% e 9%. O grande ponto é que meu cliente não vai tomar crédito. As férias vão ficar mais caras, e, muitas vezes, viagem é um consumo descricionário. A pessoa simplesmente decide não viajar se estiver mais caro. Então, quem perde com isso é o cliente, a classe média e, principalmente, os destinos. Porque os pacotes de turismo movimentam diversas atividade econômicas nos locais. Quando a CVC vende uma série de pacotes para Porto de Galinhas, o setor de transporte ganha, os restaurantes, hotéis, etc.
Certo. Mas, então, mesmo que reduzida à metade, a alíquota ainda tornaria essa carga maior para vocês do que é hoje, né?
Godinho: É, mas a gente entende que todo mundo tem que dar sua contribuição. Se todo mundo der sua contribuição como um todo, como foi com o Perse [Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos], tudo bem. No mercado imobiliário, as imobiliárias foram incluídas como as construtoras, não houve diferenciação.
Vocês já estão em conversas com o Senado?
Godinho: A gente acredita que a discusão da reforma continua. É um processo contínuo, que não tem um conclusão ainda, é evolutivo. E a classe das agências de viagem como parte do setor como um todo segue à disposição para essa discussão. As conversas na Câmara sempre foram bastante positivas. O setor de turismo, como um todo, sempre foi muito amigável. Assim também será no Senado. Com tranquilidade vamos expor nossos pontos de forma que os entendam. Temos conversado agora entre as associações e muito em breve vamos começar a falar com os senadores.
E como está o cenário operacional para o setor e a companhia agora? No primeiro trimestre a demanda estava aquecida, mas houve queda de rentabilidade. O take rate da CVC ficou menor. Já está melhor?
Godinho: Não posso falar sobre os números ainda. Mas o mercado já retomou os níveis de pré-pandemia e estamos muito animados com as perspectivas que vimos no segundo trimestre. Há nova capacidade aérea, hotelaria está com renovação de empreendimentos e navios estão com maior capacidade. Então estamos muito animados.