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Por que a inflação americana tem tirado o sono dos investidores?

Entenda por que a alta dos rendimentos dos títulos do Tesouro americano com vencimento em 10 anos está derrubando as as bolsas

Inflação nos EUA: (KTSDESIGN/SCIENCE PHOTO LIBRARY/Getty Images)

Inflação nos EUA: (KTSDESIGN/SCIENCE PHOTO LIBRARY/Getty Images)

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Guilherme Guilherme

Publicado em 2 de março de 2021 às 06h00.

Cerca de um ano após o coronavírus provocar perdas trilionárias no mercado financeiro, as atenções dos investidores se voltam cada vez menos para o decrescente número de casos da doença e cada vez mais para a crescente inflação americana, sequela da pandemia.

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A preocupação é que os estímulos adotados e previstos para salvar a economia do período de maior isolamento gerem aumento de preços nos Estados Unidos, obrigando o Federal Reserve (Fed) a reduzir -- ou até mesmo interromper -- suas políticas expansionistas, que incluem recompra de títulos e juros próximos de zero.

O reflexo dessa maior cautela com a inflação é sentido principalmente no aumento dos rendimentos dos títulos públicos americanos. Desde o início do ano, os rendimentos dos títulos do Tesouro -- os Treasuries -- com vencimento em 10 anos subiram 58% e atingiram seu valor máximo em 12 meses na última semana. 

“O rendimento dos títulos precisa corresponder à expectativa de inflação americana. E a inflação implícita nos títulos está bastante alta, próxima de 2,15% [ao ano], enquanto o rendimento dos títulos está próximo de 1,5%. O fato de o juro real estar muito negativo coloca mais pressão para que a taxa suba”, diz Arthur Mota, economista da EXAME Invest Pro.

Considerados os ativos mais seguros do planeta, os títulos americanos são referência para a política de juros do mundo inteiro. Isso porque, em teoria, outros bancos centrais devem pagar taxas acima das americanas para conseguir atrair capital. 

Efeito nos mercados

Embora os rendimentos dos títulos americanos estivessem subindo desde outubro do ano passado, foi a partir de fevereiro que os temores sobre a inflação se intensificaram. Entre os gatilhos esteve a divulgação do índice de preço ao produtor americano referente ao mês de janeiro, que subiu 1,3%. Foi a maior alta mensal desde 2012.

Como consequência, o rendimento dos títulos de 10 anos avançaram 30 pontos-base -- o equivalente a 0,3 ponto percentual -- em menos de 10 dias. Parece pouco, mas é muito para um país acostumado com juros na casa de 1% a 2% ao ano.

“O risco é o Fed perder o controle da inflação. Estamos vendo pacotes de estímulos imensos e o patamar de juros onde está [entre 0% e 0,25% ao ano]. É algo sem precedente, então é até natural o mercado estar mais volátil”, diz Gustavo Akamine, analista da Constância. 

Nas bolsas, o temor sobre a inflação americana também foi sentido, especialmente nas ações de tecnologia. Na última semana, o índice Nasdaq, com concentração de empresas do setor, despencou 4,92%. 

Bruno Lima, analista-chefe de renda variável da EXAME Invest Pro, explica que o impacto foi maior no setor devido às metodologias de avaliação. 

“O rendimento dos títulos é a taxa de desconto utilizada para realizar a projeção do fluxo de caixa da maioria das empresas no exterior. Como o valor presente dessas do setor de tecnologia considera a geração de caixa no muito longo prazo, o efeito no preço é maior”, explica. 

Mas o risco não é apenas para as ações de tecnologia. Com o rendimento dos títulos chegando a superar a média dos dividendos das empresas do S&P 500, os riscos da renda variável se tornam menos atrativos para investidores nos Estados Unidos. 

“Os ativos competem entre si. E como os recursos não crescem da mesma forma com que surgem oportunidades, é possível haver alguma migração”, diz Mota. 

O que o Fed diz?

Ainda que a percepção do mercado seja a de uma inflação mais acelerada, o Fed vem dando sinais de que dará continuidade à política de estímulos e não elevará a taxa de juros antes de 2023.

Sobre a alta dos rendimentos, a sinalização tem sido a de que esse é um efeito normal perante a melhora da perspectiva econômica. Ao The Wall Street Journal, o presidente do Fed de Richmond, Thomas Barkin, chegou a dizer que estaria “desapontado” se o rendimento dos títulos não estivesse subindo. 

Segundo ele, a inflação deve subir, mas não a níveis preocupantes, convergindo para a meta de 2% no longo prazo. Novos pacotes fiscais, disse Barkin, também não devem ser um problema. 

Mais estímulos no horizonte

No último fim de semana, a Câmara dos Representantes aprovou o pacote de 1,9 trilhão de dólares proposto pelo presidente Joe Biden. O projeto foi encaminhado para o Senado, onde deve ser votado ainda neste mês.

Apesar de ter sido bastante aguardado no início do ano, os recentes temores sobre inflação fizeram a aprovação do pacote passar quase que despercebida pelo pregão desta segunda-feira, 1º de março, quando as bolsas subiram refletindo alguma estabilização no rendimento dos mercados de títulos.

“O mercado está dividido. Há a preocupação de que o pacote sobreaqueça a economia americana, fazendo com que a inflação suba acima do esperado e o Fed tenha que subir juros antes”, comenta Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos.

Na dúvida, proteção

“Se a alta da inflação for muito mais forte que a da atividade econômica, é um cenário ruim para ações, mas, se o crescimento for condizente, isso pode ser bom”, diz Lima. 

De acordo com o analista, em vez de preparar o portfólio para um dos cenários, a melhor opção para o investidor deve ser diversificar, com 5% a 7% da carteira em ativos de proteção, como ouro e dólar.

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