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Mercado superestima crescimento para 2021, diz ASA Investments

Fim do auxílio emergencial, desemprego elevado e piora das condições monetárias devem fazer a economia desacelerar, dizem Carlos Kawall e Gustavo Ribeiro

Carlos Kawall: diretor da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional (ASA Investments/Divulgação)

Carlos Kawall: diretor da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional (ASA Investments/Divulgação)

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Guilherme Guilherme

Publicado em 27 de novembro de 2020 às 05h55.

Última atualização em 27 de novembro de 2020 às 14h18.

O mercado financeiro estima que o PIB brasileiro cresça 3,4% no próximo ano, segundo as projeções no último Boletim Focus. Mas, para Carlos Kawall, diretor da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, as perspectivas estão otimistas demais. “A recuperação brasileira não vai ser tão pujante e expressiva quanto está nas previsões”, afirma em entrevista à EXAME Invest.

Para o economista, o fim do auxílio emergencial somado ao desemprego elevado e à abertura da curva de juros de médio e longo prazo -- por causa do risco fiscal -- devem ser determinantes para uma desaceleração da retomada econômica no próximo ano.

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Segundo Gustavo de Paula Ribeiro, economista-chefe da ASA, que também participou da conversa, os efeitos dessa equação devem ser sentidos de forma ainda mais significativa no primeiro trimestre do ano, para o qual prevê contração de 0,5% do PIB. A ASA faz parte do grupo Alberto Joseph Safra, um dos irmãos acionistas do Grupo Safra.

Por outro lado, Kawall acredita que a baixa atividade econômica possibilite que a taxa Selic permaneça em 2% ao ano até 2022. Isso se for respeitado o teto de gastos, o que considera crucial para o cenário de investimentos e para a economia brasileira.

Confira a primeira parte da entrevista à EXAME Invest.

Como o senhor avalia o cenário fiscal?

Carlos Kawall: Certamente, é a nossa principal vulnerabilidade. Já vínhamos elevando o endividamento desde 2014. Em 2019, conseguimos pela primeira vez uma estabilização da dívida pública. Mas aí veio a pandemia e todos os problemas que tivemos depois disso. O nosso endividamento vai chegar a 93% do PIB em termos de dívida bruta.

E a tendência é preocupante, dado que não conseguimos ter superávits primários nos últimos seis anos. A condição para estabilizarmos a dívida pública é voltarmos a termos resultados fiscais condizentes com uma trajetória de lenta queda da dívida bruta – e isso ainda parece um objetivo distante.

As incertezas em torno do teto de gastos são o que mais preocupam?

CK: Essa é a grande incerteza que tem preocupado os mercados e tornado mais complexa a tarefa de voltar a crescer em 2021. A ideia de que poderíamos elevar o limite de gastos para 2021 para um eventual aumento do auxílio emergencial por artifícios contábeis ou por emenda constitucional é bastante preocupante.

Estamos com uma dívida muito elevada e, pela primeira vez desde 2002, com dificuldade com a rolagem da dívida pública, como vimos em setembro. Tivemos alguma melhora pontual em outubro, mas ainda estamos com uma cifra de cerca de 700 bilhões de reais para rolar até maio do ano que vem, que é equivalente a 10% do PIB. Em qualquer lugar do mundo seria um grande desafio, quanto mais aqui no Brasil.

Como esse cenário desafiador do ponto de vista fiscal impacta os investimentos?

CK: Já é uma realidade. O impacto se dá via condições financeiras, com a elevação da curva de juros futura com vencimentos de médio e longo prazo. Também pressiona a taxa de câmbio para níveis muito desvalorizados, que começam a afetar as expectativas inflacionárias. Afeta negativamente ativos de risco como a bolsa, que é importantíssimo para empresas captarem recursos necessários para investimentos.

E como essa piora das condições financeiras pode impactar o PIB para 2021?

Gustavo de Paula Ribeiro: Apesar da Selic em 2% ao ano, o grau de estímulo das condições monetárias não está tão estimulativo quanto poderia ser. Isso porque a curva de juros tem apresentado uma inclinação muito mais forte do que era observado há alguns meses. As condições monetárias têm um espaço de um a dois trimestres para a piora do indicador surtir efeito na economia real. O efeito prático disso é que, no início do próximo ano, o impulso fiscal vai se tornar negativo, principalmente com a saída do auxílio emergencial de um lado e as condições monetárias menos estimulativas de outro.

O efeito líquido é que há uma probabilidade razoável de a gente voltar a ter uma contração do PÌB no primeiro trimestre. Esse é o nosso cenário base, de uma leve contração de 0,5%. Essas condições financeiras mais apertadas em um contexto de mercado de trabalho ainda bastante deprimido deve fazer o país voltar a registrar um PIB novamente negativo no início do próximo ano.

Tanto o IPCA quanto o IGP-M vêm superando quase que constantemente as projeções de mercado. O mercado tem subestimado o efeito inflacionário?

CK: No nosso diagnóstico não há uma subestimativa sistemática. Neste momento, o fato de ela estar sendo subestimada deriva muito mais de fatores pontuais. A maneira de medir isso é pelos núcleos da inflação. E a gente entende que a média de núcleos que o BC afere deve ficar tanto em 2020 quanto em 2021 em torno de 2,5%. Ela ainda fica baixa porque expurga os fatores mais voláteis, como alimentação, e devido ao mercado de trabalho extremamente enfraquecido.

Isso afeta boa parte do núcleo que são os serviços, que ainda estão em patamares bastante deprimidos e deverão continuar assim ao longo do ano que vem. Temos previsão de IPCA de 3,5% neste ano e de 3,3% para o ano que vem. Nesse contexto, a taxa de juros pode permanecer onde está, a 2% ao ano, até 2022.

A situação fiscal não é um risco para a permanência da taxa Selic nesse patamar?

CK: Para o cenário fiscal esse patamar de juro baixo é extremamente positivo. Nós estamos com combinação de dívida muito grande e se fosse em outra circunstância não teria como termos juros baixos. Podemos ter juro baixo porque existe a âncora fiscal representada pelo teto de gasto. Se essa âncora se perde, o juro de 2% já não é mais realista. Aí a situação pode se deteriorar a ponto de entrar na famosa dominância fiscal.

Tem como manter os gastos abaixo do teto sem a aprovação de reformas?

CK: Por algum tempo sim. Poderíamos manter até 2022. Mas é uma questão também da qualidade do gasto público. Se continuar comprimindo o gasto discricionário, que hoje já é uma fração muito pequena do gasto total, algo em torno de 4% e 5% no máximo, compromete o investimento.

A melhor saída é buscar o controle do gasto obrigatório via reformas. E hoje o alvo das reformas teria que ser os gastos com os servidores. Isso pode ser tanto na linha de conter super salários, tirar penduricalhos dos gastos com servidores, que tem um efeito mais limitado, ou via PEC emergencial para introduzir gatilhos ligados ao teto de gasto ou a outro indicador fiscal que permitisse, por exemplo, a redução de salários dos servidores com redução de jornada. Isso é também muito importante para os estados. Para manter o teto de forma consistente, sim, teremos que continuar avançando nas reformas.

Como o senhor vê a capacidade política desse governo de conseguir aprovar as reformas?

CK: Há muita dúvida com relação à capacidade política do governo em avançar com essa agenda. O governo conseguiu se aproximar do Centrão e ter agora uma base que pode chamar de sua. Mas, ao mesmo tempo, o governo passou a flertar com algum populismo fiscal. Houve uma perda de ímpeto do compromisso com as reformas.

Podemos ter nas próximas semanas a aprovação de pautas importantes, como marcos regulatórios, autonomia do Banco Central, embora nesse período o foco principal vá ser a aprovação da LDO e do Orçamento de 2021. Por outro lado, nós entendemos que caiu muito a chance de fazerem a coisa errada, alguma flexibilização do teto ou alguma mudança que gerasse expansão de gastos em 2021. Isso seria o pior cenário para a recuperação da economia.

O Renda Cidadã, se aprovado, é mais um risco para os investimentos no país?

CK: Depende como for aprovado. Houve um momento em que se buscou algum tipo de solução criativa que envolvesse o contorno do teto de gastos. Acho que agora não é mais a ideia. Não houve apoio. Hoje, a discussão de um Renda Cidadã parece estar sendo dada nos limites do teto de gastos.

Me parece mais provável alguma mudança no Bolsa Família, mas tudo isso dentro do limite do teto. Todas as medidas aventadas para elevar gastos para o ano que vem foram rejeitadas pelo Congresso, pelo deputado Rodrigo Maia e até pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Por outro lado, o contexto é difícil para aprovar reformas.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, defende o teto de gastos. Sua saída seria um risco?

CK: Sempre é porque não se sabe quem virá para o lugar. Mesmo assim, acredito que ele expressa a opinião de um grupo político que quer preservar as contas públicas. E é o mesmo grupo político, o Centrão, que aprovou o teto de gastos. Então a ideia de que o Centrão é gastador e gostaria de romper o teto não é uma verdade absoluta. O alinhamento político nesse momento de expandir gasto não é tão simples. Quem defende são parlamentares mais ligados à base do governo.

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