Petrobras: assim como a petroleira, 14 das 70 empresas que compõem o Índice Bovespa têm capitalização abaixo do seu valor de livro (Germano Lüders/Exame)
Carolina Ingizza
Publicado em 31 de março de 2020 às 14h39.
Última atualização em 31 de março de 2020 às 18h36.
Enquanto a lista de companhias negociadas na B3 com valor de mercado abaixo de seu patrimônio líquido cresce, atingidas pela crise da pandemia global com o coronavírus, pouco a pouco aumenta também o questionamento sobre se essa fotografia é real. Na maioria das vezes, uma relação entre cotação e patrimônio abaixo de 1 indica promoção à vista. Mas, agora, essa certeza começa a diminuir.
As inseguranças sobre os preços de tela já são praticamente unânimes – está fácil admitir que saber o valor correto é difícil. Ninguém mais tem vergonha em exprimir essa ignorância. A novidade que discretamente surge nas conversas com especialistas é a dúvida se o valor contábil – o tão sagrado registro nos livros – está adequado à nova realidade econômica ou se terá de sofrer algum ajuste negativo.
No fim de fevereiro, a soma das 100 companhias maiores e mais negociadas na B3 equivalia a uma capitalização de 3,8 trilhões de reais. Esse número passou para 2,8 trilhões. A relação entre o preço de mercado e o valor patrimonial saiu de 2,1 vezes para 1,5 vez, nessa comparação.
Levantamento feito pela EXAME IN aponta que 14 das 70 empresas que compõem o Índice Bovespa e 21 das 100 companhias do IBX 100 têm capitalização abaixo de seu valor de livro.
O patrimônio líquido, de forma muito simplificada, é o que deveria sobrar depois de a empresa realizar tudo que possui e pagar todos os compromissos que tem, conforme os valores registrados nas demonstrações de resultado. Significa, então, dizer que essas companhias valem menos do que restaria se tivessem de acabar amanhã – ou seja, estariam baratas.
Entre as empresas vitimadas pela crise e que estão com o preço de bolsa abaixo do patrimônio estão nomes como Petrobras, principal blue chip do mercado de ações do país, a companhia de shopping centers BR Malls, as elétricas Cemig, Light, Copel e Eletrobras, a empresa de educação Cogna e as siderúrgicas Gerdau e CSN, entre outras.
Nem mesmo o Banco do Brasil escapou. Avaliado em 81 bilhões de reais, tinha patrimônio líquido de 99 bilhões ao fim de dezembro. Aqui valem parênteses para dizer que os demais bancos(ões) ainda estão acima de seus valores de livros, mas cada dia mais perto. Sem certeza sobre a força do impacto, o comentário geral é: a crise da economia real pode vir a ser uma crise financeira, de maior ou menor intensidade.
A dúvida sobre se o patrimônio líquido reflete o novo cenário mina a fé de que a relação com o preço de mercado serve mesmo – pelo menos neste momento – de indicador de promoção, ou seja, de ativo em liquidação.
Gradualmente, aumenta a expectativa, em especial entre especialistas de companhias em crise, de que os próximos balanços podem trazer baixas, fruto dos testes de imparidade – o palavrão em português para o tal do “impairment”. As baixas por imparidade acontecem quando as empresas acreditam que não conseguirão mais ter retorno previsto com seus ativos, seja pela obtenção de lucros futuros, seja pela venda. Esses ajustes são abatidos do patrimônio das companhias. Não há mais paridade entre o que os livros contábeis da companhia dizem e a vida real. Daí o nome.
As baixas – que não são de efeito caixa imediato, mas são muito reais – poderão atingir especialmente empresas que vieram de uma campanha intensa de aquisições nos últimos anos. Como as empresas são autorizadas pela contabilidade a registrar como ágio a maior diferença entre o preço que pagaram e o patrimônio dos ativos comprados, não seria de estranhar a necessidade de revisão desses números. Se a expectativa de retorno desses investimentos muda drasticamente para baixo, é preciso “diminuir” esse registro.
Os testes são obrigatórios, pelo menos uma vez ao ano. Na maior parte do tempo eles ocorrem e não há necessidade de mudanças. Assim, ninguém lembra deles. Mas costumam entrar na moda quando crises profundas atingem as economias. Foi assim em 2008, mesmo aqui no Brasil, que teve fama de sofrer não com um “tsunami”, mas com uma “marolinha”.
Antes dos testes propriamente é preciso entender qual o tamanho do impacto econômico. Para essa pergunta, são necessárias outras respostas, em especial a duração do confinamento da população para conter a velocidade de disseminação do novo coronavírus.
De qualquer forma, as previsões começam a se dividir entre os que apostam numa duração curta da crise e com efeitos mitigados pelos programas de governo e aqueles que acreditam numa crise curta, porém com efeitos significativos e determinantes para muitos negócios.
De certo só há a lista de dúvidas sobre os reflexos econômicos crescendo mais rapidamente do que a de promoções na B3.