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Pandemia gerou grandes oportunidades em crédito privado, diz CEO da Sparta

Ulisses Nehmi, presidente da gestora, vê momento como favorável e diz que recuperação do mercado de crédito privado ainda está no meio do caminho

Ulisses Nehmi: presidente da Sparta (Sparta/Divulgação)

Ulisses Nehmi: presidente da Sparta (Sparta/Divulgação)

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Guilherme Guilherme

Publicado em 17 de dezembro de 2020 às 06h00.

Última atualização em 17 de dezembro de 2020 às 10h29.

Enquanto o principal índice da bolsa brasileira, o Ibovespa, já superou o patamar em que iniciou o ano, o mercado de crédito privado está na metade de sua trajetória de recuperação e, portanto, ainda oferece grandes oportunidades. Isso é o que afirma Ulisses Nehmi, presidente da Sparta, uma das mais tradicionais gestoras de renda fixa do país. "É um momento muito atrativo", afirma em entrevista à EXAME Invest.

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"O spread de crédito, que é a remuneração pelo risco de crédito além dos títulos públicos, bateu 400 pontos base acima dos títulos públicos no meio da crise de março e abril. Historicamente, eles oscilam perto de 100 pontos base. Hoje estão na metade do caminho, em 250 pontos base. Ainda tem um caminho enorme para recuperar", afirma Nehmi.

Com a pandemia, Nehmi conta que o aumento das remunerações oferecidas no mercado de crédito possibilitou a inclusão de papéis de empresas com notas de crédito elevadas. "São empresas de primeiríssima linha, que nós não tínhamos na carteira porque o spread de crédito era muito pequeno. Mas começa a fazer bastante sentido a partir do momento que eles começam a negociar a CDI + 4%, que foi o que aconteceu." Segundo ele, até mesmo gestores de perfil mais agressivo aumentam suas apostas em dívidas de empresas mais sólidas, dada as rentabilidades oferecidas.

Mas, mesmo com toda a oportunidade gerada, os fundos de renda fixa tiveram resgates líquidos de 128 bilhões de reais até maio; e, até outubro, acumulavam captação líquida negativa de 28 bilhões de reais no ano, de acordo com dados da Anbima. Essa forte saída seguida de uma volta de investidores para a renda fixa tem gerado ganhos significativos, conta Nehmi. "O histórico dos fundos crédito privado nos últimos seis meses foi maravilhoso, com retornos de até 700% do CDI." E, com a "normalização" da taxa Selic no próximo ano, diz, é esperada uma captação ainda maior na renda fixa.

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Essa elevação dos juros, de acordo com o presidente da Sparta, deve ser necessária para controlar as pressões inflacionárias, que, diferentemente do Banco Central, ele não avalia como apenas um efeito "temporário". "Temos visto IGP-M de doze meses acima de 24%. Se há um gap tão grande entre IGP-M e IPCA, é natural que isso se equacione. No final, não tem como escapar muito de um ajuste de preço", afirma. Confira a entrevista à EXAME Invest.

O mercado de crédito privado vem ganhando cada vez mais relevância no país. A quais fatores o senhor atribui esse crescimento?

Todos os países que tiveram queda estrutural da taxa de juros passaram por um florescimento do mercado de capitais. Muita gente pensa que com taxa de juros maior é melhor para os rentistas, mas é pior. É ruim para bolsa e para a renda fixa. Há muito mais risco e as opções são mais limitadas. A queda estrutural de juros abre espaço para projetos antes inviáveis, tira o investidor da zona de conforto e aumenta a busca por agregação de valor. Aqui no Brasil, assistimos isso. Tanto que os gestores de crédito privado estão aumentando nos últimos anos.

Dá para dizer que o momento atual está sendo o auge do crédito privado?

Eu diria que foi no ano passado. Tivemos uma correção neste ano, mas todos os elementos estão na mesma para o crescimento continuar nos próximos anos. Até 2019, vínhamos de queda de taxas de juros, o que levou a um aumento significativo desse mercado. Aí veio a pandemia, que resultou em um encolhimento dessa indústria de crédito privado. É interessante que não tivemos quebradeira, porque empresas que acessam o mercado têm grande musculatura financeira e, tipicamente, saem das crises melhor do que entraram.

Mas tivemos alguma dificuldade de liquidez no mercado. Alguns gestores, inclusive, conseguiram aproveitar oportunidades que surgiram no momento, mas, de maneira geral, o mercado encolheu. Isso por conta do nível de Selic, que está, inclusive, abaixo da inflação.

Estamos fechando o ano com inflação acima da meta ou muito próxima da meta. Isso faz com que a Selic esteja pouco atrativa. Ao mesmo tempo, o desempenho de ativos de risco foi muito relevante, o fez com que investidores tomassem muito mais risco e deixassem aplicações conservadoras. Mas isso tende a se equilibrar ao longo do tempo. A própria curva de juros indica uma normalização de Selic para provavelmente acima das metas de inflação. Ao mesmo tempo, investidores vão buscar balanceamento de portfólio para evitar chacoalhões.

Que tipo oportunidade a Sparta encontrou nesse início de ano?

Conseguimos comprar papéis de empresa com rating triplo A, triplo A+. São empresas de primeiríssima linha, que nós não tínhamos na carteira porque o spread de crédito era muito pequeno. Mas começa a fazer bastante sentido a partir do momento que eles começam a negociar a CDI + 4%, que foi o que aconteceu. Estou falando de nomes como Sabesp, Fleury, Multiplan, Localiza.

Embora pudessem ser afetadas de alguma forma pela pandemia, em nenhum momento se cogitou uma deterioração significativa de suas métricas de crédito. Também alongamos prazos. A partir do momento que há taxas muito atrativas, em vez de ter o prazo típico de dois anos, é possível arriscar o seu portfólio em taxas de 5 ou 7 anos. Os próprios bancos, que são especialistas em crédito, estavam comprando nesse momento.

Ainda é um bom momento para compra de dívidas com prazos mais longos?

É um momento muito atrativo. O spread de crédito, que é a remuneração pelo risco de crédito além dos títulos públicos, bateu nível de 400 pontos base acima dos títulos públicos no meio da crise de março e abril. Historicamente, eles oscilam perto de 100 pontos base. Hoje estão na metade do caminho, em 250 pontos base. A bolsa estava em 120 mil pontos [na máxima do ano], foi para 60 mil pontos e já está em 115 mil pontos. Então recuperou praticamente tudo. No crédito ainda tem um caminho enorme para recuperar. As taxas continuam bastante atrativas. Então é um bom momento para entrar.

O senhor comentou sobre uma normalização da taxa Selic. Como essa elevação da Selic no próximo ano e a expectativa de novas revisões para cima pode afetar o mercado?

Uma elevação da taxa de juros tem que ser vista como algo normal e até positivo. Significa inflação andando um pouco mais e a economia reagindo melhor. Tem que frear o crescimento de preços com taxa de juros. É razoável que volte a subir, mas não que volte a dois dígitos. Ninguém cogita isso.

A Selic deve voltar para o que estava no ano passado, o que ainda seria uma taxa de juros historicamente baixa para o Brasil. Um leve aumento será bem-vindo. Quando se fala de Selic mais alta, começa a haver demanda por renda fixa. E isso abre espaço para carteiras mais equilibradas e resilientes ao que pode acontecer.

Principalmente nos primeiros meses do ano vimos uma captação negativa bastante relevante nos fundos de renda fixa. Esse efeito já passou?

Houve uma fase mais aguda de resgate por vários motivos. Tivemos um pouco de medo e gente resgatando para aproveitar outras oportunidades, para comprar bolsa. Esse dinheiro precisava sair de algum lugar e saiu da renda fixa. É um movimento natural. Por outro lado, já encerrou o movimento.

Já vemos que os fundos independentes de crédito estão próximos do zero em termos de captação, mas nos de bancos há entrada de recursos. Isso tem feito com que o preço dos ativos de crédito privado suba. Tanto que o histórico dos fundos crédito privado nos últimos seis meses foi maravilhoso, com retornos de até 700% do CDI. Vem ocorrendo uma retomada relevante, com nível de risco baixo.

Em termos de risco de crédito não houve inadimplência relevante, principalmente nas empresas que participam das carteiras de fundos de crédito. Para ter uma maior captação nesses fundos, é preciso uma normalização da Selic.

O mercado de high yield sofreu muito com a pandemia? O que aconteceu com empresas com tal nota de crédito?

No mercado de high grade, por ter mais liquidez, fica claro nas cotas dos fundos o que aconteceu. Teve uma queda de preço e depois uma recuperação. No high yield, tipicamente, há menos liquidez. Então não ficou tão claro na cota dos fundos high yield que houve mudanças de preços. Mas vi muitos gestores com maior apetite de risco entrando em mercado high grade. Um gestor que normalmente pegava CDI + 5% quando o mercado estava CDI +1%, quando vê um título triplo A ou duplo A com mesma rentabilidade, passa a comprar esses títulos. Vimos vários gestores de high yield comprando high grade. Isso ajudou na dinâmica de liquidez.

Qual é o risco da questão fiscal brasileira para os fundos de crédito privado?

Essa questão fiscal é bastante delicada, principalmente na renda fixa. Uma coisa é falar de crédito com prazo de um ou dois anos, em que, essencialmente, está olhando só a empresa. Mas quando fala de prazos maiores, já começa a ter a dinâmica da curva de juros e o custo da dívida atrelada a uma taxa de juros definida pelos títulos públicos. Se a taxa de juros futura fica muito alta, a empresa tem que ficar se financiando no curto prazo. Isso gera uma dinâmica muito ruim.

Quando se fala em uma questão fiscal mais equacionada, isso significa que as curvas de juros vão precificar taxas de juros menores, ou seja, menos risco. E quando coloca o risco das empresas, que é sempre maior que o do governo, ainda assim chega a custos razoáveis. Aí o mercado trabalha com prazos cada vez mais longos, com maior número de projetos e emissões.

A partir do momento em que a possibilidade de furar o teto de gastos é colocada, isso compromete o desenvolvimento do mercado de capitais e da economia como um todo. A questão fiscal é prioritária para equacionar taxa de juros e continuar fortalecendo o mercado de capitais e os investimentos de longo prazo.

Os últimos dados de inflação têm superado as estimativas. Esse tema tem se tornado preocupante no mercado?

Sim. Temos visto IGP-M de doze meses acima de 24%. O IGP-M tem impacto muito forte do dólar e isso não é tão preocupante quando temos só uma oscilação do dólar. Quem absorve esse tipo de volatilidade é mais o atacado e menos o varejo. Mas a partir do momento em que temos uma mudança de patamar – e não só oscilação –, alguma hora os preços têm que ser repassados para o varejo. Se há um gap tão grande entre IGP-M e IPCA, é natural que isso se equacione. No final, não tem como escapar muito de um ajuste de preço.

É natural que com a recuperação econômica tenhamos uma pressão inflacionária. E pode ser que continue de forma relevante, principalmente se o dólar continuar em níveis elevados. O IPCA tem acelerado e pode acelerar mais. O mercado já coloca no preço. O fato de o mercado colocar Selic a 5% no fim de 2021 mostra que o Copom talvez seja forçado a corrigir o nível da Selic.

O BC vem dizendo que é apenas um efeito temporário. Tem uma visão diferente?

Não é tão temporário assim. Entendemos isso como sinais da retomada da atividade econômica e tem a questão do câmbio. A menos que o câmbio volte ao patamar anterior, entendemos que haverá uma correção e isso será passado para os preços. Isso é um movimento mais generalizado. Tem toda uma dinâmica que leva ao aumento das pressões inflacionárias. E, com as taxas de juros muito baixas, isso acaba superestimulando a economia. Eventualmente tem que corrigir o nível da taxa de juros para voltar a ter equilíbrio de preço.

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