Carlos Eduardo Rocha, gestor da Occam Brasil (Divulgação/Divulgação)
Paula Barra
Publicado em 16 de novembro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 16 de novembro de 2020 às 10h01.
Para o sócio-fundador e gestor da Occam Brasil, Carlos Eduardo Rocha, o Duda, o país gastou mais do que devia para tentar conter a crise com a pandemia. Com a inflação se aproximando do centro da meta, com tendência para alta, a expectativa é que o Banco Central precise elevar a taxa Selic no ano que vem para a casa dos 6% ao ano, frente aos atuais 2%, enquanto o real pode se desvalorizar mais, batendo na casa de 6 reais.
Ainda assim, o experiente gestor acredita que há boas oportunidades na Bolsa brasileira, tanto que está com posições compradas em empresas de tecnologia e de commodities, embora a principal aposta esteja no mercado acionário americano. Com dois anos de existência, a Occam é uma das principais gestoras do país, administrando 13,6 bilhões de reais em fundos multimercado, de ações e cambial.
Depois de ter reduzido o risco das carteiras nas semanas anteriores à eleição americana devido à alta volatilidade, a gestora voltou a aumentar o risco dos portfólios em 50%, com o plano de aumentar pelo menos em mais 50% nos próximos meses. Ou seja, pode dobrar o risco que tomavam antes do pleito. “Já elevamos para os níveis de setembro e agora queremos elevar em mais 50%”, diz Duda em entrevista à EXAME Invest.
Segundo ele, o melhor da eleição americana foi ela ter acabado. “Não gostei do resultado em si, mas de termos virado essa página”, comenta Duda. Do percentual que possuem em Bolsa, a principal parte está no mercado americano, em que enxerga o maior potencial de retorno, de 30% para o ano que vem, frente a cerca de 15% para a Bolsa brasileira, “mas ainda melhor que a renda fixa”, pontua o gestor, que tem mais de 20 anos no mercado, com passagens prévias pelo Pactual e pela Brasil Plural.
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No ano, o principal fundo da Occam, o multimercado Retorno Absoluto, carrega rentabilidade de 7,20% até 12 de novembro, ou 287% do CDI. Em 12 meses, o ganho é de 8,15%, superando em 256% o CDI. Dos 9 fundos da casa, apenas o Occam FIC FIA acumula rentabilidade negativa em 2020, mas ainda melhor do que o Ibovespa (-7,01%, versus -11,36% do índice). Em 12 meses, o retorno é positivo em 0,68%, contra queda de 3,98% do índice e, desde a criação, em 2012, +182,87%, contra alta de 69,81% do benchmark.
Duda falou com a Exame Invest sobre cenário para os mercados em 2021 e como estão posicionados neste momento.
Como viu o otimismo do mercado após a definição da eleição americana e com notícias mais favoráveis para a possibilidade de uma vacina para a covid-19? Como estão posicionados agora?
Estamos otimistas com os mercados globais, principalmente em países que interpretamos que vão ser líderes nesse processo de recuperação econômica. Um deles, os Estados Unidos; e o outro, a China. Temos um ambiente muito favorável para tecnologia, então focamos principalmente em investimento nesse setor nos dois países. Acreditamos que esse movimento transformacional que vimos nos últimos dois anos deve seguir para os próximos dois anos, com o advento do 5G, que viabiliza computação quântica, ainda mais o e-commerce e uma série de aplicativos ligados a isso. Além disso, temos um ambiente de juros baixos, que deve se manter assim por um bom tempo no âmbito global. Então, esses dois temas, tecnologia associada a juros baixos, me deixam bastante otimistas.
Na parte de juros, temos procurado estar comprados em inflação nos Estados Unidos, porque os juros devem se manter baixos e acreditamos que vêm mais estímulos para economia. Estamos aceitando que juros reais fiquem bem negativos.
Sobre a eleição americana, mais do que a vitória de Joe Biden em si, o que aconteceu é que os agentes do mercado, dada a volatilidade na proximidade da eleição, baixaram o risco, inclusive nós. Então, não é que gostei do resultado, gostei de termos virado essa página. O mercado todo gostou. O melhor resultado da eleição foi ela ter acabado e agora olhamos para onde focar risco para 2021. Inexoravelmente, qualquer agente global, inclusive no Brasil e nos EUA, vai focar em alocar para mais risco, porque ninguém vai ficar satisfeito em ganhar 2% (com a Selic) no Brasil e praticamente zero nos EUA.
Onde aumentaram o risco dos portfólios?
Antes da eleição americana, diminuímos o risco. Agora já aumentamos em cerca de 50% e a ideia é aumentar em pelo menos mais 50%, ou seja, dobrar o risco em que estávamos antes da eleição. Já voltamos para os níveis de setembro e agora pretendemos elevar em mais 50%.
Aumentamos o risco principalmente com exposição em Bolsa, mas sempre trabalhamos com alguma proteção. Então, quando eu falo para expandir o risco em Bolsa, é estar comprado em Bolsa, mas também um pouco vendido em ativos em que não vemos tanto potencial de retorno. Nesse sentido, a posição direcional comprada em Bolsa tem expandido.
Depois da eleição, estamos mais animados com Bolsa americana do que com a Bolsa brasileira. Expandimos mais o risco da Bolsa americana do que da Bolsa brasileira. Hoje, temos mais de 50% das nossas posições em Bolsa americana porque achamos que é onde tem mais alfa (potencial de retorno acima do esperado no mercado), não tem a questão fiscal do Brasil e temos expectativa por mais estímulos fiscais (eles podem fazer isso) e tem mais empresas de tecnologia.
Acreditamos que a Bolsa americana no ano que vem e até neste fim de ano se valorize mais do que a Bolsa brasileira porque a Bolsa americana vai receber, na nossa opinião, mais fluxo de recursos. O Brasil não deve receber fluxo estrangeiro, na nossa visão, pela questão fiscal e de ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês). Diria que a Bolsa americana tem um potencial de se valorizar 30% no ano que vem, e a Bolsa brasileira, em torno de 15%, mas, ainda assim, melhor do que a renda fixa.
Existe a preocupação com a situação fiscal do Brasil, mas também uma expectativa do mercado de que, passada a eleição municipal, a agenda do Congresso possa andar um pouco neste fim de ano. Como avalia?
Trabalhamos com a seguinte hipótese: acho que a agenda pode andar, vai ser uma agenda necessária, mas não suficiente. Qual será essa agenda? Acredito que podem aprovar um Renda Brasil mais ou menos nas proporções do que é o Bolsa Família, com uma expansão fiscal próxima de 20 bilhões de reais. Em contrapartida, para respeitar o teto de gastos, terão que cortar gastos também de 20 bilhões de reais, então, pode vir alguma coisa de abono, algo provavelmente tangível, só que acreditamos que metade do corte não será tão tangível e, de novo, vamos cair em um problema. Vamos fazer um ajuste fiscal para resolver o Renda Brasil, quando, na verdade, deveríamos fazer o ajuste para resolver outros problemas do Brasil.
Acho que devem votar o Orçamento, vão tentar criar o Renda Brasil teoricamente sem furar o teto dos gastos, mas, na nossa opinião, o teto dos gastos já foi furado quando foi criado o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), o Fundeb já é uma exceção. Podemos até ter um capítulo melhor no fim do ano, porque vão tentar fazer um corte de gastos, mas a situação vai seguir muito crítica do lado fiscal para 2021.
Nesse cenário, como enxerga o câmbio? Devemos seguir com um dólar mais fortalecido frente ao real?
Olhamos para tendência, mas, se eu for falar sobre uma depreciação, seria como primeiro objetivo o que o câmbio já bateu, que é próximo de 6 reais. Podemos ter um capítulo melhor no fim do ano, seja por algum esforço fiscal, seja para fazer o Renda Brasil, e o mercado interprete isso bem, mas, olhando para frente, acreditamos que o câmbio segue desvalorizado. O próprio ministro (Paulo Guedes) revela isso.
Faz parte da solução para resolver a nossa produtividade, que não é tão grande, nossa competitividade. Se não resolve outras questões, privatizações, se não tem fluxo de capital estrangeiro -- inclusive está caindo, nem nos tempos do governo Dilma o fluxo de investimento estrangeiro direto caía --, investimento na economia real, então acho que, como parte da solução, vamos ter um câmbio mais desvalorizado.
Há risco inflacionário para o ano que vem?
Vemos risco inflacionário nos EUA, mas, no Brasil, também estamos comprados em inflação. Achamos que a tendência tem sido uma inflação que começou em alimentos, mas também porque tivemos uma desvalorização de mais de 30% do câmbio neste ano. Achamos que essa inflação não volta e, na verdade, estamos tendo uma disseminação dessa inflação para outros componentes.
Faltou aço na construção civil, embalagens de papel ondulado, faltaram algumas coisas que são sínteses na economia e, inclusive, o preço do aço subiu quase 40% neste ano, o de embalagens, mais de 30%. Vemos claramente que são produtos ligados ao consumo. Os juros baixos estimularam a construção civil, mas faltou aço. Tipicamente começamos a ver uma série de gargalos na economia, mas que também confirmam um processo inflacionário.
Não acreditamos em um cenário de hiperinflação, nada que fuja do controle, mas vemos a inflação voltando para a meta ou um pouco acima e o governo vai ter que agir e subir os juros. Na verdade, nossa questão é que estamos com juros reais muito negativos. A Selic está em 2% ao ano, e a inflação, em 3,5% no ano. A meta de inflação para o ano que vem é de 3,75%, se aproximar desse patamar ou passar, o Banco Central vai ter que pelo menos normalizar esse juros, jogar de 2% para próximo de 6% até o fim do ano que vem, para inserir alguma coisa de juro real na tentativa de conter esse processo inflacionário.
E como estão posicionados para isso?
No Brasil, estamos tomados nos juros, porque acreditamos que a taxa Selic sobe e o dólar se valoriza frente ao real. Só que em Bolsa ainda vemos oportunidades muito boas.
Pela nossa filosofia de investimentos da Occam, uma empresa precisa crescer mais do que 10%, dar retorno acima de 15% e ter uma boa gestão para entrar na nossa carteira. Só que existem empresas na Bolsa brasileira com crescimento de mais de 20%, com retorno muito maior do que 15% e gestão excepcional. No Brasil, temos procurado gerar mais alfa, ou seja, ficar comprado e focado em empresas de tecnologia e nas empresas em que o Brasil tem uma vantagem comparativa global, como commodities. Em commodities estamos animados.
Com essa recuperação global, acreditamos que o minério de ferro vai ficar em um patamar de preços mais alto, energia alternativa também. Não gostamos de petróleo por aspectos ESG, acreditamos que vai ter muita restrição para a expansão de produção de petróleo, mas commodities agrícolas achamos que vão continuar em alta, assim como metálicas, o que acaba ajudando um pouco o Brasil, que é produtor dessas commodities. Acredito que essas empresas irão performar, com a vantagem ainda de ter receitas em dólares, ou seja, menos risco e mais retorno.
Diante do cenário traçado, de risco fiscal e inflacionário, quando o BC precisaria começar a elevar os juros, na sua visão?
Nos preocupamos muito com o cenário fiscal. Quando o Brasil fechar os números deste ano, se o mundo continuar extremamente leniente e com ambiente de liquidez favorável, o BC talvez faça isso só no segundo semestre. Mas, se entrarmos em um ambiente mais de crise aqui no Brasil, com questionamento fiscal, aí sempre nos surpreendemos com a velocidade dos acontecimentos. Isso poderia acontecer no primeiro semestre.
Agora, o que quero chamar atenção é para o seguinte, nos parece que não existe uma dimensão no meio político da gravidade do ajuste fiscal que o país precisa fazer. Parece que precisa realmente que o mercado financeiro coloque isso nos preços para (o meio político) tomar medidas mais fortes. Ou seja, o câmbio estar acima de 6 reais, a inflação acima de 4%.
Temos vencimentos de dívidas muito forte nos próximos seis meses, o mercado não está querendo financiar a dívida brasileira, não quer aceitar uma taxa que está próxima de 3,5% para o ano que vem. Aí você vai ter um “wake up call”, com o governo vendo que vai ter que tomar medidas mais fortes do que estão tentando fazer para endereçar novos gastos. Então achamos que o mercado provavelmente vai ter que sinalizar um ambiente um pouco mais de crise para o governo.
Como viu essa rotação nas carteiras globais netse início do mês, de investidores saindo de papéis de tecnologia, que você apontou como um dos setores que tem entre as principais apostas, para temas mais ligados à reabertura das economias. Acredita ser mais um ajuste temporário?
Além do aspecto fundamental de estar em tecnologia, um dos motivos pelos quais reduzimos posição antes da eleição americana é porque estava difícil de arrumar proteções nesse mercado. Ou seja, se vou estar comprado em tecnologia, vou estar vendido nos setores tradicionais. Mas esses estão com preços deprimidos e quando as pessoas voltarem para o risco, que foi o que aconteceu -- passou a eleição americana, teve ainda por cima o gatilho da possibilidade de uma vacina ser implementada já nos próximos meses --, isso gerou uma correria no mercado. Geralmente, quando isso ocorre, as pessoas cobrem as posições que estão vendidas. Foi isso que aconteceu.
Agora, a tecnologia teve uma performance muito superior neste ano meritocraticamente, porque essas empresas cresceram muito. Essas companhias andaram em um ano o que se andaria em dois ou três anos, mas acho que pelo menos pelos próximos dois anos esse tema vai continuar. Estamos muito tranquilos porque, pela nossa filosofia, só investimos em empresas de crescimento, com geração de caixa maior que 10%. Então esses setores tradicionais não são alvos para investirmos.
Mas o que fizemos antes foi continuarmos muito leves na venda desses setores tradicionais. Normalmente, protegemos o portfólio com o que chamamos de índice Ibovespa neutralizado. O que é isso? Neutralizamos o que não queremos estar vendidos e vendemos só aquilo que acreditamos que não cresce, que tem um retorno pequeno, gestão pior, setores que estão sofrendo mais. Nesse sentido, nunca estivemos com tão pouca proteção.
Isso porque achamos que realmente, passado isso, se tivermos perspectiva de abertura das economias, esses setores podem andar um pouco. Mas vão andar um pouco, é um capítulo. A história que achamos que vamos continuar vendo vai ser a que vimos nos últimos seis meses, um ano, dois anos, que é a tecnologia liderando.
Para finalizarmos, quais os principais riscos que enxerga para o ano que vem?
Sobre risco, o mais importante não é o que sabemos, mas o que não sabemos. Se fizéssemos esta mesma entrevista em novembro do ano passado, eu não falaria nunca que o maior risco deste ano seria aparecer uma pandemia. Então os riscos nós mapeamos. A eleição americana é um risco, a segunda onda de Covid-19 também, e nós nos protegemos. Temos proteções no que chamamos de risco sistemático. O que é isso? Não sabemos o que o sistema vai nos apresentar, mas te garanto que em 2021 vai aparecer um problema geopolítico em algum país, vai ter um choque de preço em alguma commodity.
Por definição, é impossível prever o futuro, mas o que mapeamos como maior risco é, dados os esforços fiscais de algumas economias por conta da pandemia, elas podem vir a sofrer forte no ano que vem. Já vimos a Turquia sofrer fortemente, a África do Sul, o Brasil já sofreu uma maxidesvalorização do câmbio (mais de 30% este ano) e acho que ainda está sob pressão para o ano que vem. A Argentina também não está fazendo os ajustes necessários e está sofrendo pressão.
Alguns países da Europa, inclusive, estão enfrentando uma segunda onda forte de casos de covid-19 e podem ter uma situação fiscal mais sensível. Acho que a segunda onda já está acontecendo na Europa, um pouco nos EUA, mas a perspectiva da vacina não deve fazer os mercados precificarem tão forte os riscos de essas economias pararem. Mas esse risco já está mais mapeado.
O que não está mapeado são as consequências de 2020, as consequências traumáticas que vão ficar na sociedade, que alguns países fizeram uma ajuda emergencial maior do que poderiam, outros têm uma linha política intervencionista de querer controlar preços. Então acho que em algum país -- e isso gera efeito de contaminação global -- provavelmente poderemos ver alguma crise por conta de problema fiscal em 2021.