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O que EUA e Argentina têm em comum? Investidores veem 'paralelos preocupantes'

Os mercados emergentes são alvo de críticas dos investidores. Mas as preocupações parecem estar se voltando contra os Estados Unidos

A Argentina enfrentou uma inflação crescente — chegando a 140% — após décadas de déficits fiscais elevados, com o Banco Central recorrendo à impressão de dinheiro. (Reprodução)

A Argentina enfrentou uma inflação crescente — chegando a 140% — após décadas de déficits fiscais elevados, com o Banco Central recorrendo à impressão de dinheiro. (Reprodução)

Letícia Furlan
Letícia Furlan

Repórter de Mercados

Publicado em 16 de agosto de 2025 às 13h01.

Tradicionalmente, os mercados emergentes são alvo de críticas dos investidores, que temem a falta de independência dos bancos centrais, a intervenção governamental no setor privado e os gastos públicos descontrolados. Mas essas preocupações estão se voltando contra os Estados Unidos — a maior potência econômica do mundo, e que raramente esteve na mira de críticas do tipo.

A Barrons mostrou que economistas e estrategistas passaram a identificar paralelos preocupantes com os mercados emergentes nas ações que o presidente americano Donald Trump tem tomado em seu segundo mandato.

Trump tem utilizado o poder da Casa Branca de maneiras não convencionais, desafiando normas geopolíticas e econômicas estabelecidas. Só nas últimas duas semanas, o republicano pressionou o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, sobre as taxas de juros e até pediu a destituição do presidente executivo da Intel.

Essas ações colidem com preocupações crescentes com o déficit fiscal dos Estados Unidos. Trump aprovou no início do ano o plano conhecido como “One Big Beautiful Bill”, que impõe cortes de impostos, aumento de gastos militares e aumento do limite de endividamento do país.

À publicação americana, Eswar Prasad, professor de economia na Universidade Cornell, argumenta que a norma em muitos mercados emergentes está se tornando a nova norma também para os EUA. O especialista cita o Estado de Direito, um sistema de freios e contrapesos e a independência dos bancos centrais como três fatores cruciais para o domínio do dólar americano — e que estão sendo gradativamente enfraquecidos.

Mas algumas das mudanças no segundo mandato de Trump estão minando o excepcionalismo que permite que os ativos americanos tenham um prêmio. Nos últimos 15 anos, o S&P 500 foi negociado a uma média de 17,5 vezes os lucros futuros de 12 meses, em comparação com 11,5 vezes o índice Shanghai Composite, China, e o S&P Merval, da Argentina, e apenas sete vezes o índice Borsa Istanbul 100, da Turquia.

Em outras palavras: ao longo dos últimos 15 anos, as ações americanas foram mais caras em relação aos seus lucros projetados, em comparação com ações de países como China, Argentina e Turquia.

O mercado americano é dominado por grandes empresas de tecnologia, o que justifica o alto preço dos ativos. Embora as preocupações com as políticas possam diminuir esse valor, ganhos com IA e um crescimento econômico superior a 3% podem compensar.

No entanto, a volatilidade nos mercados de ações e títulos deve aumentar, já que as regras econômicas globais estão sendo desafiadas.

As taxas de juros nos EUA também devem subir, pois investidores exigem maior retorno devido à incerteza sobre o déficit fiscal crescente. Apesar de o dólar ainda ser a principal moeda de reserva, a diversificação para outras moedas ou ouro pode aumentar os custos de empréstimos e elevar as taxas de juros.

À Barrons, estrategistas disseram ver investidores institucionais e bancos centrais buscando diversificar sua sobreponderação em ativos americanos. Isso poderia elevar modestamente os custos dos empréstimos e provavelmente desvalorizar o dólar em relação a outras moedas.

Semelhança com Argentina, China e Turquia

A crescente influência de Trump nos negócios preocupa defensores do livre mercado. A pressão que Trump tem frequentemente tentado exercer sobre as empresas é semelhante à de países como a China, onde o governo controla companhias privadas. Essa intervenção pode gerar incertezas nos investidores.

A crescente dívida dos EUA, já acima de US$ 37 trilhões, aumenta essas preocupações.

Países como a Turquia e a Argentina mostraram como déficits fiscais elevados podem levar a crises econômicas. Embora os EUA tenham um sistema financeiro mais robusto, até mesmo pequenas mudanças na política monetária podem afetar a confiança dos investidores, especialmente em relação ao Fed.

A Argentina enfrentou uma inflação crescente — chegando a 140% — após décadas de déficits fiscais elevados, com o Banco Central recorrendo à impressão de dinheiro. A economia argentina está começando agora a se recuperar da perda de confiança dos investidores, da alta inflação e da desvalorização de sua moeda.

Já a Turquia ilustra o impacto quando os bancos centrais cedem à pressão política. O presidente Recep Tayyip Erdoğan demitiu três diretores do banco central entre 2019 e 2021, instalando um conselho que seguia sua abordagem não convencional, que incluía cortes de juros para combater a inflação. Essa política levou a inflação a disparar para 85%, comprometendo gravemente a saúde econômica do país, o que forçou Erdoğan a reverter sua estratégia em 2023.

O impacto dessas mudanças pode afetar o dólar e os títulos do Tesouro americano, que têm mostrado sinais de fraqueza, o que preocupa os investidores sobre a sustentação do status de moeda de reserva. O aumento da dívida e a mudança na política econômica podem aumentar as taxas de juros, tornando os títulos mais caros. As reações dos investidores serão cruciais para entender a saúde do mercado financeiro dos EUA nos próximos anos.

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