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“O mercado deu uma exagerada”, diz head do Santander sobre bolsa descontada e dólar a R$ 5,70

Em entrevista à EXAME Invest, Aline Cardoso avalia o primeiro semestre de 2024 e destrincha suas recomendações de ações para o segundo semestre

Santander: head de estratégia, Aline Cardoso, avalia situação atual do Brasil e do Ibovespa (Leandro Fonseca/Exame)

Santander: head de estratégia, Aline Cardoso, avalia situação atual do Brasil e do Ibovespa (Leandro Fonseca/Exame)

Rebecca Crepaldi
Rebecca Crepaldi

Repórter de finanças

Publicado em 10 de julho de 2024 às 13h13.

O segundo semestre de 2024 começou com movimentos significativos no mercado. O dólar chegou a ser negociado a R$ 5,71, a curva dos juros futuros de longo prazo ultrapassou a marca dos 12,5% e as NTN-Bs atingiram o patamar de rentabilidade de 6,8%. Apesar do clima mais pessimista, Aline Cardoso, head de pesquisa e estratégia do Santander, avalia que “o mercado deu uma exagerada” na precificação dos ativos, com o câmbio e os juros altos — e a bolsa muito descontada. Em sua visão, deve haver, agora, um movimento de reprecificação.

Em entrevista à EXAME Invest, a executiva traça seu cenário sobre a situação fiscal do Brasil e para onde vai o Ibovespa no final do ano. A casa segue otimista com a bolsa, com preço-alvo de 145 mil pontos para 2024 - ligeiramente acima da média do mercado de 143.913 pontos. Entretanto, não descarta uma revisão para baixo. Cardoso também revela as ações queridinhas para lucrar, e sua estratégia de proteção para os próximos meses que, segundo a executiva, terão eventos importantes como as eleições americanas, o corte de juros pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) e o relatório bimestral de despesas do governo.

EXAME Invest: Começamos o primeiro semestre com um cenário e entramos no segundo semestre com outro. Na sua visão, quais foram os destaques destes primeiros seis meses para a mudança?

Foi um primeiro semestre frustrante para todo mundo, especialmente porque viramos o ano com o mercado muito animado. No final do ano passado, o mercado precificava sete cortes para o Fed. Nós aqui nunca acreditamos nisso, mas achávamos, sim, que os cortes começariam no meio do ano. Agora, nossa estimativa é novembro, mas ainda com dúvidas.

Até maio, quando teve a decisão dividida do Copom, estávamos navegando 100% em função do cenário externo. Fizemos algumas correlações de diversas bolsas com os juros americanos de 10 anos e descobrimos que a bolsa brasileira era o ativo do mundo com mais correlação com os treasuries de 10 anos, maior do que a do S&P e do que o índice de Small Caps dos EUA. Estávamos totalmente reféns do Fed. Como os cortes não vieram, a bolsa acabou não performando.

Por outro lado, tivemos surpresas positivas, sendo a principal o crescimento do PIB. Nossa projeção para o ano era 1,8% em abril, mas agora estamos projetando 2%. Isso porque estamos até em um lado conservador, vemos concorrentes com uma estimativa de 2,3%. Ainda do lado positivo, a inflação também continuou na direção correta, desacelerando e em busca da meta, o que não era uma surpresa, mas foi dentro do esperado.

Então a decisão do Copom dividida foi um divisor de águas para o descolamento com os EUA?

Foram uma série de eventos que ocorreram nesse período. Primeiro, tivemos o discurso do Roberto Campos Neto no FMI. Lá, ele levantou até a possibilidade de alta de juros. Na ocasião, chegou a falar de quatro possíveis movimentos: cortar 50 pontos-base (bps, na sigla em inglês), cortar 25 bps, pausar ou até subir juros, o que levantou um sinal de alerta no mercado. Logo depois, teve a decisão dividida do Copom e, no mesmo período, a mudança do governo da meta fiscal de superávit. Esses três eventos criaram maiores incertezas e o mercado começou a ficar um pouco mais desconfortável com a parte doméstica.

Mais recentemente, declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também abalaram o mercado e, principalmente, o dólar. Como você avalia a questão da desvalorização do real?

Estamos passando por um momento de incertezas, que ajudou para essa alta do dólar. Também potencializou o fato de que, logo quando o dólar começou a subir, o Haddad veio à imprensa dizer que estavam estudando medidas para cortar gastos, mas pareceu, pelo discurso do presidente, que ele está relutante em aceitar.

Eu não acho que a situação fiscal atual está muito pior do que esteve em um passado, nem a de 2025, para ser bem sincera. Mas o que levanta a preocupação, e que eu vejo como um divisor de águas, é que o mercado tinha na cabeça que se a situação fiscal se agravar muito, na pior das hipóteses, o governo sobe impostos e fecha as contas. Só que quando eles mandaram a MP do PIS/Cofins para o Congresso, tiveram um retorno do empresariado falando que não enxergam mais espaço para o aumento de impostos. Ali, ficou claro para os agentes que ou cortamos gastos, ou as contas não fecham. Isso acabou agravando a situação.

Agora, estamos em uma expectativa para o dia 22 de julho, quando sai o relatório bimestral de despesas. Imaginamos que por conta do que está acontecendo no dólar e na curva de juros, o governo deve anunciar algum tipo de contingenciamento pequeno, mas nada muito relevante, e tocar a bola de lado - esperando as eleições aqui no Brasil e o Fed cortar juros para ver se o mercado se acalma. Se isso não acontecer, eventualmente o governo viria com medidas um pouco mais agressivas.

Você acredita que esse movimento de dólar pode gerar uma pressão inflacionária e pressionar o BC a subir juros? E ainda falando sobre a alta significativa da moeda, na sua visão, pode ter sido um movimento especulativo do mercado?

De acordo com os modelos do BC, para cada 10% da desvalorização do real, impacta 1% o IPCA. Agora com a meta contínua, o BC olha 18 meses à frente. Quando eu observo o Focus em 18 meses para frente, ele está 3,6%. Então o problema é que se o real continuar se desvalorizando, esse IPCA no Focus de 2026 pode ir para 4% - e esse valor seria o ponto para o BC ter que subir juros. Então o grande risco dessa escalada do dólar é impactar a inflação a tal ponto que o BC fique de mãos amarradas.

Apesar de a curva apontar para um aumento de 25 bps no próximo Copom, nós não acreditamos que isso deva ocorrer. O Copom deve citar na ata que está preocupado com a escalada do dólar, mas que não vê necessidade de uma alta. Porém, caso o câmbio continue desvalorizando, pode ser que aconteça.

Mas é um consenso entre os clientes com quem converso que o mercado está exagerando nos preços, tanto no câmbio quanto na curva de juros, como na bolsa. O que eu ouço é que tem muito prêmio no câmbio, na curva de juros e a bolsa está muito descontada. Eu não chamaria de um movimento especulativo, eu diria que o mercado deu uma exagerada na precificação dos ativos. Acredito que o mercado foi demais para um lado e agora devemos ter uma reversão nesses prêmios.

Para onde vai o Ibovespa no segundo semestre? O que poderia pegar o mercado de surpresa e quais são os destaques para acompanhar de perto?

Neste próximo semestre, há eventos muito importantes, como o relatório bimestral em 22 de julho, a definição do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) em agosto, as eleições americanas e, eventualmente, se tudo der certo, o Fed cortando juros.

A minha visão é que a barra agora está muito baixa em relação ao fiscal, ninguém está esperando nada, então se vier um contingenciamento acima de R$ 10 bilhões pode ser que o mercado tenha uma visão positiva desse evento. Se o governo anunciar algum corte de gastos ou uma desvinculação, o mercado pode dar uma acalmada.

Sobre as eleições americanas, nem sabemos quem serão os candidatos. Mas caso a vitória seja do Trump, acaba sendo mais negativo do que positivo para os mercados emergentes, porque ele tem um discurso de aumento de tarifas, o que em tese é um discurso inflacionário e dificultaria o Fed de cortar juros. O dólar também ficaria mais forte, o que é ruim para os emergentes. A vitória do Trump pode ser positiva para bolsa americana e não necessariamente para mercados emergentes. Diria que esse é o evento mais importante do segundo semestre, mas temos zero previsibilidade do que vai acontecer.

Por último, tem o Fed, que está virando um consenso cada vez maior de que corta, sim, os juros. Os dados estão vindo mais fracos, mas não a ponto de vir uma desaceleração, então é o cenário que chamamos de goldilocks, uma desaceleração controlada que tem espaço para cortar juros, mas que não vai virar uma recessão, é um cenário bom para ativos de risco.

O Santander precifica 145 mil pontos para 2024, por conta de dois pilares, crescimento de lucro das empresas em torno de 15%, e juros reais de 5,5%. O juro real de tela agora está em torno de 6,5%. Vamos esperar um pouco, caso o juro real de 5,5% não se concretize, podemos revisar futuramente a precificação do Ibovespa.

Como o Santander está se posicionando no mercado, em tese e estratégia, para se proteger e lucrar?

Eu tenho recomendado aos investidores ficarem posicionados em empresas compounders, que crescem por dinâmicas próprias, ou seja, dependem pouco do macro para continuar crescendo. São empresas que dependem muito mais de ganho de market share e que têm vantagens competitivas. Cito Totvs (TOTS3), Mercado Livre (MELI34) Smart Fit (SMFT3), é o que tenho recomendado.

Mas ao mesmo tempo falo de colocar proteção no portfólio em empresas dolarizadas. Hoje, minha preferida é a Vale (VALE3). O papel não tem performado tão bem nesse ano por uma série de eventos micros, o que a gente chama de overhangs, mas acredito que até o final do ano esses overhangs têm um potencial grande de serem eliminados. A primeira questão é a indenização de Mariana. O governo e a Vale estão negociando a bastante tempo e estão muito próximos de chegar a um acordo, então essa incerteza deve sair do radar nos próximos meses.

Outra incerteza grande é a definição do CEO. Segundo a companhia, a lista tríplice deve ser anunciada em setembro, então essa incerteza sai do radar. Pelo o que a empresa comentou conosco, as pessoas da lista tríplice devem ser do setor privado, com experiência em mineração, então bons nomes. Então eu faria o head do portfólio com Vale ou Suzano (SUZB3) para se proteger desse cenário de cauda, porque de fato podemos ter o dólar escalando mais.

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